(O Globo, 22/03/2016) Atrás de cada bebê, existe uma mãe — muitas delas provenientes de áreas rurais e que vivem na pobreza, sem acesso adequado a saneamento.
Desde que o surto do zika vírus atraiu a atenção internacional no início deste ano, apareceram fotografias de bebês com microcefalia nas telas de televisão e nos jornais do mundo inteiro. As imagens se tornaram emblemas do custo humano do vírus, embora ainda não haja confirmação do vínculo entre o zika e problemas congênitos.
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No entanto, uma coisa é certa: atrás de cada bebê, existe uma mãe — muitas delas provenientes de áreas rurais e que vivem na pobreza, sem acesso adequado a saneamento, a informações sobre saúde e a outros serviços. O surto do zika representa um duro lembrete de que a saúde das mulheres e suas necessidades devem ser temas prioritários nos esforços nacionais e internacionais de prevenção e resposta ao vírus.
Há alguns dias, no Dia Internacional da Mulher, ficou claro que devemos prestar especial atenção às disparidades de gênero na saúde. As diferenças continuam sendo inaceitavelmente grandes, em especial entre as mulheres nos países em desenvolvimento, onde são registrados 99% dos casos de mortalidade materna do mundo.
Muitos países da América Latina e do Caribe dispõem de sistemas de saúde mais eficientes que os de outras regiões em desenvolvimento. No entanto, a região também apresenta as mais elevadas taxas de gravidez não planejada do planeta (56%), de acordo com um estudo de 2012.
Os níveis das necessidades não atendidas de serviços de planejamento familiar também são altos em alguns países: 23,7% das mulheres no Haiti; 13,9% na Bolívia e 18,5% na Guatemala buscam mas não têm acesso a esses serviços, segundo pesquisas. Além disso, países como El Salvador apresentam taxas muito altas de gravidez na adolescência, muitas vezes não planejada por falta de informação e de acesso aos serviços de saúde reprodutiva.
As mulheres da região também correm um grande risco de sofrer violência de gênero: um estudo realizado em 12 países em 2012 pela Organização Pan-Americana da Saúde e pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos mostrou que entre 17% e 53% das mulheres informaram ter sofrido violência física ou sexual causada por um parceiro íntimo. Esses percentuais são coerentes com as estimativas da Organização Mundial de Saúde, que indicam que cerca de um terço das mulheres no mundo inteiro foi vítima de violência física ou sexual.
Há algumas semanas, o Banco Mundial ofereceu apoio financeiro aos governos da região da América Latina e do Caribe para apoiar suas medidas de resposta ao zika. Acreditamos que, além de controlar as populações de mosquitos, ampliar a conscientização sobre o modo de prevenir a transmissão do vírus e apoiar as atividades de pesquisa e desenvolvimento, devemos colocar em primeiro plano as necessidades de saúde das mulheres.
Em todas as regiões, elas podem se tornar importantes agentes de mudança, que ajudam as economias a sair da pobreza e criar resiliência diante de ameaças e choques que se espalham rapidamente, como os do zika — especialmente quando podem se fazer ouvir e exercer controle sobre a própria saúde e vida.
Ainda estamos em uma etapa inicial da crise do zika e não temos muito conhecimento sobre a doença. Mas já podemos ver o seu impacto direto nas mulheres. Enquanto o mundo se mobiliza para ajudar a deter o avanço do vírus, devemos enfatizar os benefícios da participação das mulheres e garantir que tenham acesso aos cuidados que merecem.
Jim Yong Kim é presidente do Grupo do Banco Mundial.
Acesse no site de origem: O zika e a saúde das mulheres, por Jim Yong Kim (O Globo, 22/03/2016)