O percentual mais alto é do Ceará –93,9% das mães de bebês com má-formação ligada ao zika são negras. Pelo Censo, pretos e pardos somam 66,4% da população do Estado
(Folha de S. Paulo, 12/09/2016 – Acesse no site de origem)
Oito de cada dez bebês nascidos com microcefalia e outras alterações cerebrais ligadas ao vírus da zika são filhos de mulheres negras (pretas e pardas, pela nomenclatura oficial), de acordo com dados do Ministério da Saúde.
No Nordeste, região com maior incidência, o percentual mais alto é do Ceará –93,9% das mães de bebês com má-formação ligada ao zika são negras. Pelo Censo 2010 do IBGE, pretos e pardos somam 66,4% da população do Estado. No país, representam pouco mais de metade.
Os números foram obtidos pela Folha via Lei de Acesso à Informação e se referem a 44,2% das 8.703 notificações feitas pelos Estados ao governo federal até 23 de julho –na maioria, o quesito cor/raça não foi preenchido.
Essa subnotificação desrespeita tanto o Estatuto da Igualdade Racial quanto a portaria 992 do Ministério da Saúde, que determinam a coleta e análise de dados desagregados por raça, cor e etnia.
Estado com mais casos de microcefalia, Pernambuco é também o que mais falhou em fornecer dados sobre raça e cor: apenas três notificações, segundo o ministério.
Procurada pela reportagem, a Secretaria de Saúde de Pernambuco alegou que foi o primeiro Estado a implantar a notificação obrigatória, em outubro do ano passado, e que nesse momento inicial a prioridade foi “compilar informações clínicas” sobre a microcefalia.
A secretaria disse que, a partir de 1° de agosto, passou a informar raça/cor ao governo federal. Enviou um levantamento próprio, no qual 75% das mães cadastradas na vigilância socioassistencial são negras. Pelo IBGE, 58,2% dos pernambucanos se autodeclararam pretos e pardos.
Médica negra e militante da ONG Criola, voltada à saúde, Jurema Werneck afirma que os dados, “infelizmente, não são inesperados”. “Há uma tragédia ambiental por trás da alta proliferação de mosquitos infectados com zika. A falta de saneamento, de coleta adequada de lixo, de acesso a água encanada ocorrem nas comunidades negras”, afirmou.
A médica carioca disse que a desigualdade racial entre mulheres negras e brancas se reflete também no acesso ao aborto, que, apesar de proibido para casos de microcefalia, é mais seguro e acessível para a classe média, predominantemente branca.
“O Estado diz: você não pode abortar. Mas também diz que os seus filhos são problema seu”, disse Werneck, em alusão aos serviços públicos precários no Nordeste voltados a bebês com microcefalia.
Ela critica as falhas na compilação e divulgação dos dados. “Quando o governo não diz que as mulheres negras estão padecendo mais, se desresponsabiliza de fazer políticas dirigidas a esse grupo. Faz uma afirmativa genérica e pode continuar dizendo na TV que é preciso matar mosquito, e não cuidar dessas mulheres. Isso é puro racismo.”