“Como uma mãe com um filho perfeito, lindo e saudável poderia estar triste? As pessoas não conseguem entender isso e te cobram”, diz a professora Elenise Costa, de 37 anos, sobre a depressão pós-parto.
(BBC Brasil, 28/09/2017 – acesse no site de origem)
Na época com 34 anos e casada há dois, Elenise Costa sonhava com o nascimento do primeiro filho. A gravidez não foi fácil. Por causa de complicações decorrentes de endometriose e um mioma, Elenise teve que parar de trabalhar e ficar de repouso desde a 18ª semana de gestação.
“Na gravidez, já comecei a me sentir um pouco triste,” diz. “Lembro que no dia do parto eu já me senti triste”.
Era o início do período mais difícil da vida de Elenise, que foi diagnosticada com depressão após o nascimento do filho. Por algum tempo, ela sofreu sozinha. Elenise diz que só conseguiu contar para o marido o que estava sentindo quando o filho tinha 15 dias. Cansada, preocupada, com taquicardia e tremores, ela tinha vergonha de admitir que não estava feliz com o começo da maternidade.
Moradora de Maricá, município da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, ela aos poucos compartilhou o que estava vivendo com amigos próximos e familiares, mas não recebeu o apoio do qual precisava. “Ouvi de pessoas que achei que poderia contar coisas do tipo ‘olha, fica bem porque você vai perder seu marido. Para de chorar porque o seu marido vai cansar'”, relata.
Resistir a procurar atendimento psicológico durante a gravidez ou após o parto não é incomum entre mulheres. Um estudo em andamento da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) entrevistou 221 gestantes que fazem o pré-natal em uma unidade da Escola Nacional de Saúde Pública em Manguinhos, região carente do Rio. Entre as entrevistadas, 32% apresentaram sintomas depressivos. No entanto, menos da metade dessas mulheres aceitou ser avaliada por um profissional especializado – 52% se negaram a receber ajuda.
“A gente tem sempre uma visão de que o serviço de saúde não oferece [atendimento voltado para a saúde mental de gestantes]. E muitas vezes não oferece mesmo. Só que o que nós encontramos é algo que consideramos mais sério ainda: elas não querem”, explica a pesquisadora Mariza Theme, responsável pelo estudo.
“O transtorno mental tem associado a ele um estigma muito grande. Esse estigma é uma das principais causas para a pessoa não procurar tratamento”, diz.
Saúde mental de grávidas e mães após o parto
O novo estudo da Fiocruz surgiu como um desdobramento do trabalho feito para a pesquisa Nascer no Brasil, que mostrou que uma em cada quatro mulheres que já tiveram filhos no país apresenta sintomas de depressão pós-parto. Para entender melhor o processo de mudanças na saúde mental perinatal (da gravidez ao pós-parto) de mulheres e por que algumas não procuram ajuda, a análise agora prevê que cada mãe incluída na pesquisa seja avaliada em três momentos diferentes: no início e no final da gestação, e depois que o bebê tem dois meses ou mais.
Os especialistas ressaltam a importância de identificar qualquer tipo de transtorno mental ainda na gravidez. Em uma pesquisa com 506 mulheres atendidas em unidades básicas de saúde da Zona Norte de São Paulo, 45% das que estavam grávidas e diagnosticadas com depressão vieram a apresentar sintomas também entre 6 a 9 meses após o parto.
Segundo o ginecologista Alexandre Faisal, pesquisador da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do estudo, as mulheres que apresentaram sintomas de depressão pós-parto moderada ou grave tinham menor confiança para cuidar do bebê. A pesquisa, que está para ser publicada e foca em mulheres em situação mais vulnerável, indica que mulheres que recebem acompanhamento desde a gestação podem ter menos chances de desenvolver problemas no pós-parto.
“Historicamente a depressão na gravidez e no pós-parto acabou ficando relegada para um plano secundário, quer pelo fato de o médico não ser treinado para diagnosticar, quer porque a paciente e a família não pedem socorro num momento tão difícil, por vergonha ou estigma social,” explica.
“Agora as evidências todas sugerem que esse é um problema sério desse período [perinatal] e que também merece ser rastreado”, diz. “Esse rastreamento permite a adoção de uma medida psicoterápica e medicamentos que vai prevenir ou diminuir o impacto negativo da doença”.
Muitas mães, no entanto, temem as possíveis consequências do uso de medicamentos durante a gravidez ou amamentação, mesmo sob orientação médica. Faisal explica que os efeitos colaterais são menores do que os imaginados. “Esse risco não é zero, varia de acordo com o antidepressivo e em relação ao trimestre [da gravidez], mas é um risco absoluto muito pequeno. E a contrapartida disso é que, se a pessoa não usa, ela pode ter complicações para ela e para a gravidez”.
Baby blues, depressão e psicose: diferenças, sintomas e riscos
A prevalência de mulheres que sentem um pouco de tristeza após o parto pode chegar a 70%, segundo Faisal. O chamado baby blues costuma ser limitado aos primeiros 10 dias e se caracteriza por uma leve tristeza, que se resolve espontaneamente. O estado costuma ser atribuído a uma flutuação hormonal, embora aspectos psicológicos não possam ser descartados.
Já a depressão pós-parto é um cenário diferente, mais longo, e que apresenta entre suas características a perda de interesse por coisas que antes eram prazerosas, humor deprimido, pensamentos negativos e a sensação de ser incapaz de cuidar do recém-nascido. “A mulher pode ter o temor de que não vai conseguir dar o banho ou que vai machucar o bebê”, ressalta Faisal.
Há ainda um terceiro transtorno, mais raro e perigoso: a psicose puerperal, que pode atingir 1 em cada mil mulheres, segundo Faisal. Neste caso, o contato com a realidade fica prejudicado e a pessoa passar a ter delírios. Tanto a depressão pós-parto mais intensa como a psicose puerperal, quando não tratadas, podem ter consequências graves como o suicídio e o infanticídio.
Por conta do estado puerperal, o infanticídio é um tipo penal diferente do homicídio no país. De acordo com o artigo 123 do código penal brasileiro, o crime de infanticídio se dá quando a mãe mata o próprio filho, durante ou logo após o parto. A pena prevista é de dois a seis anos de detenção – menor que a de homicídio simples, que é de seis a 20 anos de reclusão.
“Não se trata de uma pessoa que tenha planejado aquilo nos mínimos detalhes. Você está falando de uma pessoa numa situação psicossocial muito específica, e quando os jurados entram em contato com essa explicação, eles também se sensibilizam”, explica Bruna Angotti, advogada e antropóloga, que acompanhou três júris de infanticídio nos últimos três anos em São Paulo, como parte de sua pesquisa de doutorado na USP.
Falar sobre o problema
Para Elenise Costa, o momento mais difícil do pós-parto se deu quando o filho tinha cerca de 20 dias de vida. “Os meus pensamentos ficaram confusos, eu já não conseguia me concentrar, não conseguia ler uma frase de um livro ou acompanhar um programa na televisão”, explica. “Eu continuava cuidando do meu filho, mas os sintomas estavam muito fortes”.
Ela relata que a preocupação com o filho chegava a ser excessiva, por medo de que algo acontecesse com o bebê. “Quando meu marido saía para trabalhar, eu ficava muito nervosa e ansiosa, como se eu não soubesse o que fazer. Na verdade, eu não sabia mesmo, mas achava que tinha que saber. Mais um mito [da maternidade], né? Eu achava que tinha que saber tudo”.
Elenise e o marido procuraram ajuda médica. Eles passaram por quatro profissionais, entre terapeuta, ginecologista e psiquiatras, até Elenise começar um tratamento. Inicialmente ela não quis tomar medicamentos, pois o psiquiatra havia dito que ela teria que parar de amamentar. Ela acredita que, se na primeira consulta o médico a tivesse orientado em relação à possibilidade de conciliar determinados antidepressivos e amamentação, os sintomas não teriam ficado tão fortes.
“Em geral não temos uma assistência à saúde mental perinatal organizada e estruturada”, diz Márcia Baldisserotto, coordenadora do grupo de trabalho de saúde mental do Fórum Perinatal da Região Metropolitana I do Rio de Janeiro.
“Uma gestante chega para o pré-natal e examina pressão, glicose, várias questões biológicas que são importantes. Mas uma triagem e escuta da saúde mental não está sendo feita em geral. No pós-parto, ela quase não faz exame. É a nossa filosofia de olhar só a criança e esquecer a mãe. Isso é histórico no Brasil em termos de política pública.”
O Ministério da Saúde afirma, em nota, que, desde o pré-natal na Unidade Básica de Saúde até a atenção hospitalar, os profissionais que acompanham a gravidez e realizam as consultas e atendimentos são capacitados para identificar sinais e fatores de risco que podem levar a gestante a desenvolver depressão após o nascimento do bebê, e orienta que todas as mulheres recebam visitas domiciliares e realizem consulta puerperal para avaliar, entre outras coisas, sua condição psicoemocional.
Atualmente, há 19 fóruns perinatais ativos no país, compostos por representantes de secretarias estaduais e municipais de saúde, do Ministério da Saúde, de maternidades privadas e da sociedade civil. Os fóruns têm como objetivo discutir assuntos relacionados à saúde e qualidade de vida da mulher e do bebê e criar estratégias que possam melhorar o cuidado e reduzir a mortalidade materna e infantil.
No Rio de Janeiro, o fórum começou a atuar em 2015. O grupo de trabalho voltado para a saúde mental se reúne uma vez por mês, em média, segundo Márcia. No fim de outubro, será realizado um primeiro seminário sobre o tema, aberto ao público, que irá discutir a necessidade de implementação de um protocolo de atendimento à saúde mental durante o ciclo perinatal.
Para Elenise, que se recuperou da depressão pós-parto, uma rede de apoio às mães também é fundamental. Como o marido teve que voltar a trabalhar após o curto período de licença-paternidade, ela diz que não contou com a ajuda de ninguém para cuidar do filho. “Você não pode descansar, porque você tem casa para arrumar, comida para fazer, roupinha para lavar e passar. Cuidar de um recém-nascido é muito desgastante.”
Ela ainda se emociona ao falar sobre o que viveu e espera que seu relato ajude a mudar o estigma associado ao transtorno. “Eu tinha muita vergonha de falar sobre o assunto. Ainda tenho, e muitas pessoas não sabem pelo que passei”, diz. “É fundamental pedir ajuda. É preciso falar sobre o período pós-parto, porque nenhuma mulher deve passar por isso sozinha.”
Ana Terra Athayde