(El País, 05/05/2015) Ela tem 10 anos, pesa apenas 34 quilos e mede 1,39m, mas está grávida de cinco meses e vai ser mãe. Uma menina estuprada pelo padrasto em Luque, localidade vizinha a Assunção, capital do Paraguai, será forçada a dar à luz se a pressão internacional não impedir. No Paraguai não há aborto, a não ser quando a vida da mãe corre perigo, algo que só foi aplicado uma vez, em 2009, por uma gravidez ectópica e depois de muita pressão. Diversas organizações humanitárias tentam convencer o Governo paraguaio de que a vida da menina corre perigo, mas até o momento o Executivo rechaça veementemente o aborto e pretende obrigar a menina, separada agora da família, a ter o filho.
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“É um atentado contra os direitos humanos”, queixa-se Elba Núñez, da ONG CLADEM. “Formalmente este é um Estado laico, mas há muita pressão de setores conservadores”, afirma María José Garcete, da Anistia Internacional do Paraguai, ambas por telefone desde Assunção. As duas organizações apoiam a mãe, que foi presa por suposta cumplicidade com o padrasto, agora foragido, nos abusos à menina. A mãe, entretanto, denunciou no ano passado os abusos à filha, que então só eram toques íntimos, mas ninguém os cessou.
O ministro da Saúde, Antonio Bairros, que antes de passar à política era médico pessoal do presidente, o conservador Horacio Cartes, descartou por completo o aborto. “Se era preciso abortar, isso deveria ter sido feito antes da vigésima semana. A gravidez não será interrompida. Descartamos por completo o aborto”, respondeu à imprensa local. O caso não é novo. Segundo as estatísticas do hospital de Clínica, no ano passado houve quase 700 casos de meninas entre 10 e 14 anos que deram à luz. A maioria, segundo as ONGs consultadas, são vítimas de violações. A nenhuma delas foi permitido abortar, ao menos não oficialmente. Nunca se aplicou com uma menina grávida o artigo 109.4, que permite interromper a gravidez em caso de risco para a vida da mãe. A economia paraguaia cresceu muito nos últimos anos, mas a pobreza está muito disseminada e as gestações em meninas e adolescentes continuam sendo algo muito habitual.
A juíza encarregada do caso e que se ocupa da custódia da menina, Pili Rodríguez, do tribunal de infância de Luque, afirmou por telefone ao EL PAÍS: “Nossa Constituição protege a vida desde a concepção. Não se conhecem no Paraguai casos de médicos que tenham interrompido uma gravidez de meninas. Até agora os informes médicos não falam de risco para a saúde da menina. São os médicos que decidirão, não o tribunal. Nós devemos proteger a menina, posto que seu pai está ausente há muito tempo, a mãe está na cadeia e o padrasto foragido. Nos ocupamos disso. O que temos de fazer é rever o sistema de prevenção para que isso não volte a ocorrer”, explica. O aborto não parece estar em cima de nenhuma mesa.
A pressão internacional, uma vez que o caso foi divulgado, é muito forte, mas o Governo paraguaio não parece disposto a ceder. As ONGs reclamam que se crie uma junta médica independente que avalie os riscos para a vida da menina, que elas estimam evidentes por sua escassa compleição, com um corpo para nada preparado para dar à luz. A gravidez já está avançada (cinco meses), por isso os ativistas reclamam que se estabeleça um protocolo para proteger a vida da mãe.
“O Estado paraguaio falhou. A mãe foi até quatro vezes denunciar possíveis abusos à filha. E foi ela quem, há 13 dias, levou a menina ao médico. O primeiro que a viu falou dos riscos para a vida e por isso ela reclamou a interrupção da gestação para salvar a vida da filha. A reação do Estado foi criminalizá-la e colocá-la na prisão, onde teme por sua vida porque as demais presas a culpam. Todo mundo se pergunta por que continuava vivendo com aquele homem, mas ela também é vítima de abusos e sabemos como são estas situações. A menina agora está separada da família, só pode ver suas tias por duas horas, é uma tortura tremenda”, se indigna Elba Núñez.
“Deixaram passar 13 dias e agora dizem que é tarde demais. Responsabilizamos o governo paraguaio por qualquer coisa que possa acontecer à menina, ela é muito frágil, isso atenta contra a convenção dos direitos da criança que o Paraguai assinou”, insiste a ativista. No momento, a pressão cresce e tudo indica que essa junta independente que as ONGs reclamam será criada, mas ninguém aposta que o resultado será aceitar um aborto que no Paraguai continua sendo um anátema absoluto, inclusive em casos tão extremos como esse.
Carlos E. Cué
Acesse no site de origem: Paraguai obrigou quase 700 meninas entre 10 e 14 anos a dar à luz em 2014 (El País, 05/05/2015)