A organização não-governamental Católicas pelo Direito de Decidir (CDD/Br) divulgou nota de repúdio ao recuo do governo sobre posições assumidas no terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3). Segundo o texto da nota, ao aceitar mudanças em temas como o aborto e a união civil entre pessoas do mesmo sexo o governo Lula “dobra-se à pressão política da hierarquia católica, sobrepondo interesses eleitorais à vida das mulheres e à dignidade de pessoas homossexuais”.
O PNDH-3 resultou de ampla discussão entre instâncias governamentais e a sociedade brasileira e foi instituído pelo Decreto nº 7.037, de 21/12/09.
A nota da ONG Católicas é uma reação às declarações do ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos, que após reunião com o secretário-geral da CNBB afirmou que o presidente Lula havia determinado mudanças no texto do programa em relação ao aborto (Agência Brasil – 02/02/10).
Leia a seguir a íntegra da nota das Católicas pelo Direito de Decidir:
“Declaração de apoio de Católicas pelo Direito de Decidir ao III PNDH
Com quem o governo dialoga? A quem o governo respeita?
Católicas pelo Direito de Decidir vem a público manifestar sua surpresa e indignação frente ao recuo do Governo Federal em relação a posições tomadas anteriormente no III PNDH, resultado de ampla discussão realizada por instâncias governamentais com a sociedade brasileira. Um governo que é respeitado no cenário internacional como democrático e defensor dos DH, dobra-se à pressão política da hierarquia católica, sobrepondo interesses eleitorais à vida das mulheres e à dignidade de pessoas homossexuais.
O III PNDH corajosamente abordou questões complexas que há muito tempo deveriam ser enfrentadas, tais como a autonomia das mulheres para tomar decisões sobre a sua vida reprodutiva, o casamento homossexual e a adoção por casais homoafetivos, bem como as graves questões relativas à distribuição da terra e ao direito de estabelecer a memória e a verdade sobre o período da ditadura militar. O Programa, fiel à separação Igreja-Estado, também evidenciou a inadequação de que símbolos religiosos sejam ostentados em estabelecimentos públicos da União. Não é de menor importância que tais questões ganhem o reconhecimento do Governo depois de ouvir a sociedade brasileira organizada.
Católicas pelo Direito de Decidir que, como parte do povo de Deus, integra a Igreja e está em sintonia com a maioria das mulheres católicas brasileiras, não se identifica com as críticas da CNBB ao III PNDH, além de considerar desrespeitosa e inadequada a identificação do Presidente da República à figura bíblica de um homicida (Herodes).
O Estado, numa sociedade realmente democrática, deve ser laico e não pode se pautar pelas exigências e pressões políticas de nenhuma religião, nem mesmo da religião majoritária. O governo brasileiro, que tem o dever de cumprir acordos internacionais dos quais é signatário (Conferências ONU, OEA e CEDAW), sucumbiu de forma vergonhosa à pressão da CNBB e vai, segundo declarações do Ministro dos Direitos Humanos, retirar do texto final as referências ao aborto como um direito das mulheres.
Católicas pelo Direito de Decidir repudia tanto o intervencionismo autoritário da hierarquia da Igreja, quanto a subserviência do Governo Federal, que visando às eleições, joga no lixo o processo de debate público realizado amplamente com a sociedade brasileira para chegar ao texto do PNDH lançado em dezembro de 2009.
Denunciamos que, mais uma vez, são os direitos das mulheres e de pessoas homossexuais que entram como moeda de troca num contexto de jogo político de forças em que toda a sociedade brasileira perde. Em consonância com inúmeros outros setores da sociedade civil, vimos a público cobrar coerência e consistência do Presidente Lula, do Ministro Paulo Vanucchi e demais setores do governo envolvidos nesse retrocesso frustrante e indigno. Chega de defender o princípio abstrato da vida ao preço da morte de milhares de mulheres.”
Quem são as Católicas
“Católicas pelo Direito de Decidir é uma entidade feminista, de caráter inter-religioso, que busca justiça social e mudança de padrões culturais e religiosos vigentes em nossa sociedade, respeitando a diversidade como necessária à realização da liberdade e da justiça. (…) CDD/Br promove os direitos das mulheres (especialmente os sexuais e os reprodutivos) e luta pela igualdade nas relações de gênero e pela cidadania das mulheres, tanto na sociedade quanto no interior da Igreja Católica e de outras igrejas e religiões, além de divulgar o pensamento religioso progressista em favor da autonomia das mulheres, reconhecendo sua autoridade moral e sua capacidade ética de tomar decisões sobre todos os campos de suas vidas.”
Saiba mais sobre a organização Católicas pelo Direito de Decidir (CDD/Br)
Acesse o Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) em pdf
Indicação de fontes
Flavia Piovesan – advogada e professora da PUC/SP
Procuradoria do Estado de São Paulo
São Paulo/SP
Tel.:
Fala sobre: Direitos Humanos; direito constitucional; direito ao aborto
Regina Soares Jurkewicz – doutora em sociologia e coordenadora da CDD/Br
Católicas pelo Direito de Decidir/Brasil – CDD/Br
São Paulo/SP
Tel.:
Fala sobre: direitos reprodutivos e sexuais, direito ao aborto e direitos humanos; Estado laico
Silvia Pimentel – advogada e integrante do CEDAW/ONU
CEDAW/ONU (Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher da ONU) e Cladem (Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher)
São Paulo/SP
Tel.:
Fala sobre: ONU e direito internacional; direitos das mulheres