Marcha das Vadias sai às ruas no sábado para exigir Estado laico durante visita do papa

23 de julho, 2013

(Débora Prado / Agência Patrícia Galvão, 23/07/2013) Em sua terceira edição no Rio de Janeiro, a manifestação sai com pauta ampliada no próximo dia 27: além de denunciar a violência de gênero, a Marcha, que coincide com a visita no papa na capital carioca, irá cobrar a garantia da não interferência do fundamentalismo religioso nas políticas públicas.

rogeria peixinho foto alerjNa mesma semana em que o papa Francisco visita o Brasil e a Igreja Católica distribui a milhares de jovens uma cartilha reafirmando suas posições – e declarando, por exemplo, que a pílula é um método abortivo -, milhares de mulheres marcharão mais uma vez no Rio de Janeiro para denunciar a violência de gênero e exigir políticas públicas para enfrentá-la.

Nesta conjuntura, a Marcha das Vadias cobrará o compromisso democrático com o Estado Laico e alertará: o fundamentalismo religioso ameaça avanços no campo dos direitos humanos e da saúde pública.  

Em entrevista, a ativista Rogéria Peixinho, da AMB (Articulação de Mulheres Brasileiras) – uma das organizações que participam da Marcha das Vadias, explica as reivindicações do ato, comenta a postura da Igreja Católica e do papa Francisco e destaca: a posição da Igreja está na contramão do que os próprios jovens católicos estão pensando. E é para esses jovens que ela faz um chamado: ‘vem ser livre’.

“A gente não é contra nenhum tipo de fé e nem contra que as pessoas sigam as religiões, mas isso não pode ferir os direitos dos outros, e nem os da própria pessoa de viver sua vida com liberdade, de exercer sua sexualidade livremente, de amar livremente – porque o contrário, a repressão que algumas instituições religiosas querem impor, causa doenças, sofrimentos e dores. Então, o que nós estamos dizendo é: ‘vem ser livre’. Vale a pena ser livre e vale a pena lutar pela liberdade de pensar, de agir e de falar”, frisa.

Confira a entrevista exclusiva à Agência Patrícia Galvão.

Neste ano, a Marcha das Vadias do Rio de Janeiro coincidiu com a visita do papa Francisco ao Brasil. O que representa a presença do chefe da Igreja Católica no Brasil neste momento em relação à agenda em defesa dos direitos das mulheres?

A Marcha já existe há três anos e dialoga com a questão da violência sexual contra as mulheres. O mote principal é a denúncia da violência e a insistência para que o Estado tome medidas práticas para diminuir essa violência, como maior iluminação pública, sensibilização dos profissionais de segurança pública para o tema, mudanças da mentalidade do papel da mulher na sociedade, a punição desse crime, uma vez que a certeza da impunidade faz aumentar a prática do estupro. Então, a gente dialoga com essas questões há algum tempo, não estamos fazendo a marcha dialogando somente com a presença do papa.

Mas, a vinda do papa neste ano ao Rio de Janeiro torna latente outras questões que são ligadas ao controle do corpo da mulher e às políticas públicas em relação aos direitos sexuais e reprodutivos. São questões que vêm sendo pautadas de acordo com interferências religiosas, principalmente da Igreja Católica. Então, nós aproveitamos que o papa vai estar no Brasil para também trazer para a sociedade a discussão sobre a importância do Estado laico, uma vez que, para garantir um país verdadeiramente democrático, é essencial que não existam interferências de religiões nas políticas públicas.

No dia 27, vamos debater também o uso do dinheiro público para a realização de uma atividade de uma religião. E assim como a gente denúncia o dinheiro público sendo usado para a vinda do Papa, da religião católica, também denunciamos o seu uso para a Marcha para Jesus, dos evangélicos. O problema não é nem a fé, nem essa ou aquela religião, é a laicidade do Estado que está sendo ferida.

No que diz respeito às mulheres, queremos chamar atenção para um problema que estamos vivendo em relação ao Projeto de Lei 003/2013, que trata da proteção a uma mulher vítima de estupro e que a interferência religiosa está pressionando diretamente a presidente para que ela não sancione essa lei.

Então, a Marcha neste ano vai ter uma pauta ampliada, que coloca as bandeiras já históricas – contra a violência sexual, a favor da legalização do aborto – e traz uma denúncia muito forte do projeto de lei do Estatuto do Nascituro, rechaçando esse absurdo que é um estuprador ter direitos à paternidade – e, ao mesmo tempo, faz o link com a importância de garantir a laicidade do Estado.

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Na sua avaliação, por que a bancada religiosa se coloca contra o PLC 003/2013?

A bancada fundamentalista se coloca contra qualquer proteção à mulher e, pior, usa a mentira para tentar ganhar o apoio da população.

Esse é um projeto importantíssimo que transforma em lei uma norma técnica já publicada: a profilaxia de emergência em casos de violência sexual. E o que é isso? É oferecer à mulher vítima de uma violência sexual um coquetel de remédios que evita gonorréia, AIDS, sífilis, hepatite, ou seja, várias doenças sexualmente transmissíveis, e que também evita a gravidez, pois dentro desse coquetel tem a pílula do dia seguinte. Então, isso não representa, de forma alguma, legalizar o aborto. A profilaxia não é aborto. Esse projeto trata disso: apenas tornar lei uma norma técnica. E, além desse projeto não tratar disso, o aborto em caso de estupro é legal, já é permitido.

Então, estão fazendo todo um circo para que a presidenta não sancione uma lei de extrema importância para a segurança e a saúde das mulheres. Se fosse com a sua filha, sua irmã, sua parente – qualquer mulher -, quem tem que decidir se toma ou não o coquetel é a pessoa que sofreu a violência. O papel do Estado é garantir o acesso a todos os cuidados, desde o cuidado psicológico até a profilaxia de emergência para aquela mulher que já está passando por uma situação terrível, que teve sua vida violentada.

O PLC já foi aprovado no Congresso por unanimidade e eu espero que a Dilma não ceda à chantagem.

Que chantagem estão fazendo?

Os grupos religiosos estão ameaçando interferir nas eleições de 2014, dizendo que a presidente assinou uma Carta ao Povo de Deus afirmando que não ia fazer nada no seu governo para avançar na legalização do aborto. E ela não fez. Esse governo não tomou nenhuma medida para avançar nessa questão, infelizmente, porque a morte pelo aborto inseguro é quarta principal causa de morte materna no Brasil, é um caso de saúde pública que deveria sim ter uma mudança na legislação, mas a Dilma não fez nada nesse sentido e esse projeto em questão não trata disso.

Então, a presidente não pode de forma alguma correr o risco de jogar no lixo todo um trabalho de atenção às mulheres que sofreram violência sexual. Sem falar que ceder a esse tipo de chantagem fere completamente o Estado laico, porque um grupo religioso não pode fazer com que o Estado sonegue o acesso a um acolhimento de qualidade nos serviços de saúde à metade da população brasileira, que são as mulheres – sejam católicas, evangélicas, sem religião, ninguém está livre de sofrer uma violência sexual e ninguém merece que não seja feito um bom atendimento.

A questão da descriminalização do aborto se tornou o carro-chefe e o pretexto de uma cruzada para impedir avanços no campo dos direitos da mulher. E também para tentar impor retrocessos, já que o fundamentalismo religioso usa a legalização do aborto para atingir vários direitos já conquistados, como a pílula do dia seguinte, que não é aborto, é uma proteção, e existe um projeto de lei tentando coibir seu uso. Temos tido conquistas, mas há também um avanço do fundamentalismo acontecendo no mundo, não é exclusividade do Brasil.

Como esse fundamentalismo religioso se expressa no caso brasileiro?

A bancada religiosa no Congresso Nacional é hoje a expressão do fundamentalismo religioso no Brasil. É uma bancada que está cada vez mais forte e que usa de chantagens para impedir avanços de políticas, não só no campo dos direitos das mulheres, mas dos direitos humanos como um todo. Ela ameaça o governo, tem ingerência direta nos ministérios. Nos ministérios da Saúde e da Educação, por exemplo, quando interfere em uma campanha de prevenção contra a homofobia nas escolas ou em uma campanha sobre prevenção de DSTs e AIDS voltada para as prostitutas, como aconteceu nos últimos anos. 

Que disputas expressam mais a interferência do fundamentalismo religioso no Estado laico neste momento?

Além do PLC 003 e do Estatuto do Nascituro, que eu já mencionei, também tem o PLC 122, que criminaliza a homofobia e que não avança por interferência dessa bancada religiosa. O casamento civil entre pessoas do mesmos sexo também, há vários projetos que dialogam com direitos e que têm encontrado essa barreira do fundamentalismo religioso na política brasileira.

Voltando à visita do papa, como você avalia o papa Francisco? Há algum avanço em relação ao seu antecessor, o papa Bento XVI? Ele expressa os interesses da ala conservadora do catolicismo?

Eu não me iludo com esse papa e não me iludo com a Igreja Católica. Há uma tentativa de mudar a imagem da Igreja e acho que a escolha desse papa foi realizada para disputar os pobres do mundo e da América Latina, que estavam sendo ganhos pelos evangélicos. A Igreja Católica vive uma crise muito grande e ele foi escolhido a dedo com toda essa imagem do ‘papa pobre’ e do ‘papa do povo’. Tudo isso é uma estratégia muito bem montada.

Conversando com as Católicas pelo Direito de Decidir, percebemos que há um consenso nesse sentido: a gente não se ilude esperando que haja avanços no campo dos direitos humanos. Muito pelo contrário, essa imagem vem para mascarar toda a postura conservadora da Igreja.

O Manual da Bioética, editado pela Comissão Nacional da Pastoral Familiar, incluso no kit distribuído aos jovens católicos inscritos na Jornada Mundial da Juventude (JMJ) reforça a posição contrária à adoção de crianças por casais do mesmo sexo e condena o uso de contraceptivos, por exemplo. Qual sua avaliação sobre esse material?

Esse material é o que há de mais conservador, atrasado e arcaico. Dialogar com os jovens com essa linguagem e essa visão de mundo da Idade Média é o que tem de pior, inclusive porque grande parte dos jovens que estão participando dessa jornada não concordam com esse manual.

Ontem, participamos do beijaço no Rio de Janeiro e vimos que havia uma fila gigantes de jovens para se credenciar na Jornada. Eu conversei com muitos deles, explicando porque estávamos ali. Devo ter conversado com mais de 30 jovens e todos entendiam e apoiavam que as pessoas fossem livres para amar quem quiser, se casar com quem quiser.

Então a posição da Igreja está na contramão do que os próprios jovens católicos estão pensando. A Igreja Católica continua na contramão dos avanços do mundo e por isso está perdendo tantos fiéis. Essa juventude está conectada com a internet, com esse mundo que se apresenta. 

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Para além dos direitos humanos, essa posição da Igreja Católica de estimular o celibato em detrimento do uso de preservativos e contraceptivos coloca um problema também para o campo da saúde pública?

Com certeza, é uma atitude totalmente irresponsável. Nós sabemos que os jovens fazem sexo, que até freiras e padres fazem sexo, então é uma hipocrisia sem tamanho e uma ação criminosa incentivar que as pessoas não se protejam. É um absurdo.

Você frisou a diferença entre o fundamentalismo religioso e a fé. Qual a mensagem que a Marcha das Vadias quer passar para esses jovens católicos que não concordam com as posições conservadoras da instituição?

A Marcha quer mostrar que existe outra juventude e outra forma de pensar o mundo. A gente não é contra nenhum tipo de fé e nem que as pessoas sigam as religiões, mas isso não pode ferir os direitos dos outros, e nem os da própria pessoa de viver sua vida livremente, exercer sua sexualidade livremente, amar livremente – porque o contrário, a repressão que algumas instituições querem impor, causa doenças e dores, são a fonte de problemas graves de saúde, físicos e mentais.

Então, o que nós estamos dizendo é: ‘vem ser livre’. Vale a pena ser livre e vale a pena lutar pela liberdade de pensar, de agir, de falar. E que se debata dentro das igrejas e dos grupos religiosos o avanço dessa liberdade.

SERVIÇO
Marcha das Vadias do Rio de Janeiro
Data: 27 de julho de 2013
Concentração: 13h, em frente ao Posto 5 de Copacabana
Trajeto: Av. Atlântica, do Posto 5 ao Posto 2
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