(O Globo, 29/01/2015) Mulheres e meninas que podem planejar suas gestações e permanecer saudáveis têm mais condições de concluir sua educação
Eis um fato inaceitável: há 23 milhões de mulheres na América Latina e no Caribe que querem evitar a gravidez, mas não usam métodos anticoncepcionais modernos. E as consequências são enormes: dez milhões de casos de gravidez não desejada, e 3,9 milhões de abortos clandestinos por ano.
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Podemos e devemos melhorar tal quadro. Na última década, houve um avanço significativo no aprimoramento da saúde e do bem-estar das mulheres em todo o mundo. Hoje mais mulheres do que nunca usam métodos contraceptivos modernos para planejar a gravidez. Mais mulheres dão à luz em unidades de saúde com assistência médica profissional. E menos pessoas estão morrendo de Aids. Esses resultados se devem aos esforços da comunidade global para levar medicamentos e serviços às regiões mais pobres do mundo.
Apesar disso, tais ganhos mal conseguiram acompanhar o ritmo acelerado do crescimento das populações. Se não elevarmos o ritmo de investimento em saúde sexual e reprodutiva, corremos o risco de perder os ganhos obtidos. Se os investimentos permanecerem nos patamares atuais na América Latina e no Caribe, vamos perder a cada ano 9.300 mulheres e 107 mil recém-nascidos, cujas vidas poderiam ter sido poupadas.
Quanto mais atrás ficarmos, mais difícil será acompanhar o ritmo. É por isso que é absolutamente necessário que a comunidade global — governos nacionais e doadores internacionais — atuem rapidamente para aumentar os investimentos em serviços de saúde sexual e reprodutiva.
Os benefícios são bem conhecidos. Mulheres e meninas que podem planejar suas gestações e permanecer saudáveis têm mais condições de concluir sua educação, participar mais efetiva e produtivamente da força de trabalho, acumular uma poupança familiar maior e criar crianças mais saudáveis e melhor educadas. Estes benefícios no âmbito das famílias se acumulam em níveis nacional e da comunidade, estimulando o desenvolvimento e crescimento econômicos.
O Instituto Guttmacher fez as contas: investir US$ 31 anuais por mulher na América Latina e no Caribe criaria um pacote básico de serviços essenciais em saúde reprodutiva para proteger a gestante e o recém-nascido. Estes serviços incluem contracepção, gravidez e cuidado com o recém-nascido, acompanhamento de mulheres grávidas com HIV, e o tratamento de outras doenças sexualmente transmissíveis.
O total de investimento necessário soma US$ 5,2 bilhões anualmente, quase 20% a mais do que os gastos atuais. Mas o valor não deveria ser um obstáculo. Ao contrário, deveria ser uma prioridade. Investir em saúde sexual e reprodutiva tem uma das mais altas taxas de retorno em desenvolvimento internacional. E nem tudo disso virá de doadores: o grosso virá dos orçamentos governamentais e dos bolsos das próprias mulheres que receberem esses benefícios.
Na verdade, investir em serviços contraceptivos modernos gera economia: para cada dólar adicional que é investido na prevenção de gravidez não desejada, mais de US$ 2 são economizados no gasto com gravidez. Economias adicionais também ocorrem por todos os segmentos, da saúde à educação, passando pelo emprego.
Economizar gastos é ótimo, mas salvar e melhorar a vida de pessoas é melhor ainda. Ao satisfazer todas as necessidades não atendidas quanto aos cuidados com a saúde reprodutiva, o número de casos de gravidez não desejada e mortes de gestantes cairia 65%, o número de mortes de recém-nascidos recuaria 70% e haveria a eliminação virtual de novas infecções de HIV entre bebês recém-nascidos.
Sem recursos adequados e comprometimento, as disparidades entre mulheres em boas condições financeiras e aquelas pobres no acesso a serviços existentes — e entre países pobres e ricos — vão aumentar. E vamos desperdiçar uma oportunidade de salvar vidas, melhorar a saúde e o bem-estar de mulheres e famílias e construir países mais saudáveis e mais fortes.
Enquanto governos e agências internacionais consideram as metas de desenvolvimento para 2015 e além, eles deveriam priorizar o acesso aos serviços de saúde reprodutiva e sexual: estes investimentos são a espinha dorsal do desenvolvimento sustentável e do direito de cada mulher.
Babatunde Osotimehin é diretor-executivo do Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA)
Ann M. Starrs é presidente e diretora-executiva do Instituto Guttmacher