Prefeitura cria ranking para reduzir violência obstétrica em SP

04 de setembro, 2014

(Folha de S. Paulo, 04/09/2014) Após ser pressionada pelo Ministério Público Federal, a Prefeitura de São Paulo tem feito ações para reduzir a violência obstétrica em oito maternidades públicas.

Além de treinamento, uma das medidas adotadas em abril deste ano foi fazer um ranking  com os profissionais  de saúde que mais fazem episiotomia  – corte feito entre a vagina e o ânus da parturiente supostamente usado para facilitar a saída do bebê durante o parto normal. O resultado, segundo a gestão Fernando Haddad (PT), foi reduzir pela metade o procedimento entre abril e junho.

De acordo com levantamento da Secretaria Municipal da Saúde,  a média de episiotomias nessas instituições era de 22% e caiu para 11% neste período, ou seja, de 214 episiotomias para 125 ao todo.

No caso das mães em primeira gestação, a redução foi ainda maior: 17,56%. A OMS (Organização Mundial da Saúde) determina critérios e cautela para a adoção do procedimento, mas ele acontece de forma rotineira nas maternidades públicas e privadas.

A maternidade que mais conseguiu redução foi a do hospital Tide Setúbal, em São Miguel Paulista, na zona leste de São Paulo. Em abril, dos 156 partos normais, 44 gestantes sofreram o corte. Em junho, dos 185 partos realizados na unidade,  12 contaram com episiotomia.

O hospital do Campo Limpo,  na zona sul de SP, foi o único que não apresentou melhoras nos índices de episiotomia. Para Anatalia Lopes de Oliveira Basile, coordenadora geral do programa da prefeitura Parto Seguro, isso ocorre provavelmente porque a unidade funciona como hospital-escola . “Não queremos mais que as mulheres sejam usadas como objeto para ensinar os estudantes”, diz.

Segundo ela, alunos, professores e profissionais de saúde- – desde médico a técnicos de enfermagem  – têm sido orientados e assinam que estão cientes sobre a lei municipal 15.894/13, de humanização do parto.

O ranking, diz a coordenadora, tem ajudado a restringir a violência obstétrica, que inclui também agressões verbais e psicológicas à mulher. “Fizemos uma tabela por profissional mostrando o número de partos versus o número de episiotomias e abordamos um por um. Os dados ficam com a supervisão, mas isso têm chamado à atenção deles”, comenta.

PRONTUÁRIOS MAIS DETALHADOS

Os prontuários médicos também foram modificados e os profissionais de saúde passam a ser obrigados a preencher e justificar a necessidade dessa e de outras intervenções, como o  uso de ocitocina (medicamento usado para acelerar o parto) e de amniotomia (rompimento artificial da bolsa). Os médicos também têm que justificar quando é feita uma cesárea e é avaliado se havia mesmo a indicação da cirurgia.

A prefeitura tomou as medidas após a Procuradoria instaurar no início do ano um inquérito civil público para apurar relatos de violência obstétrica na rede pública e privada de saúde. De acordo com a pesquisa “Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado”, divulgada em 2010 pela Fundação Perseu Abramo, uma em cada quatro mulheres sofre algum tipo de violência durante o parto.

A procuradora da República Ana Carolina Previtalli Nascimento diz que o retorno por enquanto veio apenas da rede municipal.  “Os hospitais privados ainda não acataram essa questão. Parece que preferem fechar os olhos em relação ao problema”, comenta.

“Nas maternidades que adotam o programa, as chances de a mulher ter uma cesariana ou uma episiotomia são muito menores que em maternidades privadas, as quais ainda relutam em manter qualquer tipo de controle e fiscalização quanto aos abusos de intervenções médicas durante o parto, chegando a taxas de cesarianas e episiotomias superiores a 90%”, afirmou.

OUTRAS MEDIDAS

Anatalia Basile diz que as gestantes também são informadas sobre a lei e seus direitos no momento que dão entrada na maternidade.  “O respeito à paciente começa com a informação. Não informar já é uma violência obstétrica”, comenta.

Ela conta que três das oito maternidades já têm dado cursos para a mulher se preparar antes do parto sabendo as melhores posições para aliviar as contrações, como respirar durante o trabalho de parto e a fazer um plano de parto, onde determinam o que querem no parto, como se querem se alimentar durante o trabalho de parto, quem será o acompanhante, entre outros detalhes que devem ser respeitados pela equipe médica e de enfermagem. Segundo ela, todos os oito hospitais terão o curso ainda neste ano.

A secretaria também adquiriu camas que permitem mudar de posição para ajudar a gestante, além de banquetas para serem usadas na hora do nascimento. “A gestante pode ficar agachada, sentar na baqueta, orientamos que ela não deve ficar em posição ginecológica para parir,  que deve  mudar de posição”, explica.

A coordenadora do Parto Seguro diz que a proposta de redução da violência obstétrica também será estendido para as maternidades administradas por OSs (organizações sociais). “Nos reunimos com eles, mostramos as iniciativas que fizemos e demos o prazo de três meses para que mostrem as ações que realizaram”, explica.

A Procuradora diz que vai continuar acompanhando os resultados das maternidades públicas e cobrar uma posição das privadas. Em março passado, o MPF abriu um canal para que os casos de violência obstétrica sejam denunciados. “Estamos com cerca de 40 denúncias sendo investigadas”, comenta a procuradora. Os casos podem ser denunciados no site do Ministério Público Federal.

No dia 23 de outubro, a procurada diz que haverá uma audiência pública na Procuradoria para falar justamente sobre a episiotomia.

CONFIRA OS NÚMEROS DE PARTO NORMAIS E DE EPISIOTOMIA

Hospital Tide Setúbal (São Miguel)
Em abril – 156 partos (44 episiotomias)
Em maio – 182 partos (36 episiotomias)
Em junho – 185 partos (12 episiotomias)

Hospital Dr. Waldomiro de Paula (Itaquera)
Em abril – 154 partos (27 episiotomias)
Em maio – 194 partos (21 episiotomias)
Em junho – 172 partos (14 episiotomias)

Hospital Dr. Ignácio Proença de Gouveia (João XXIII)
Em abril – 51 partos (19 episiotomias)
Em maio – 63 partos (19 episiotomias)
Em junho – 48 (8 episiotomias)

Hospital Prof. Mário Degni (Jardim Sara)
Em abril – 102 partos (19 episiotomias)
Em maio – 130 (21 episiotomias)
Em junho – 107 (15 episiotomias)

Hospital Dr. José Soares Hungria (Pirituba)
Em abril – 80 partos (13 episiotomias)
Em maio – 74 partos (11 episiotomias)
Em junho – 72 partos (6 episiotomias)

Hospital Dr. Fernando Mauro Pires da Rocha (Campo Limpo)
Em abril – 122 partos (21 episiotomias)
Em maio – 209 partos (52 episiotomias)
Em junho – 224 partos (40 episiotomias)

Hospital Dr. Arthur Ribeiro Saboya (Jabaquara)
Em abril – 75 partos (12 episiotomias)
Em maio – 81 partos (11 episiotomias)
Em junho – 81 partos (6 episiotomias)

Hospital Dr. Alípio Correa Netto (Ermelino Matarazzo)
Em abril – 232 partos (59 episiotomias)
Em maio – 242 partos (32  episiotomias)
Em junho – 186 (24 episiotomias)

Acesse o PDF: Prefeitura cria ranking para reduzir violência obstétrica em SP (Folha de S. Paulo, 04/09/2014)

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