(Correio Braziliense, 24/03/2016) Proposta na Câmara Legislativa que coloca obstáculos na interrupção da gravidez, mesmo em caso de violência sexual, suscita protestos e defesas em redes sociais. Para especialistas, o debate deve ser mais profundo por se tratar de um assunto de saúde pública
Nas redes sociais, já começaram as reações ao projeto de lei (PL) que visa dificultar o aborto até em casos de estupro, pronto para ser levado ao plenário da Câmara Legislativa. Coletivos como a Marcha das Vadias de Brasília e o Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea) convocaram as integrantes a protestarem. Em meio ao debate, especialistas atentam para o fato de a interrupção da gravidez ser um caso de saúde pública. Desde 1996, o GDF oferece um programa de acompanhamento para vítimas de violência sexual, em que há a opção de abortar ou não.
No Facebook da Marcha das Vadias de Brasília, as administradoras do espaço compartilharam a matéria do Correio e fizeram uma convocação: “Nós vamos assistir a isso acontecer sem fazer nada? Mobilização já!”. Na página da Cfemea, os distritais evangélicos são classificados de “fundamentalistas” e “bancada conservadora e retrógrada que mostra total descaso aos direitos das mulheres”. Pela mesma rede social, o autor do PL, Rafael Prudente (PMDB), classifica a matéria como “um importante projeto que deve ser aprovado nos próximos dias pelo plenário da Câmara”, enquanto a relatora na CCJ, Sandra Faraj (SD), diz que “aborto é assassinato”.
Fora do debate ideológico, a Secretaria de Saúde segue com o Programa de Interrupção Gestacional Previsto em Lei (PIGL). A iniciativa funciona no Hospital Materno-Infantil de Brasília (Hmib), na Asa Sul, e é destinada a dois tipos de gestantes: as que engravidaram após serem estupradas e as que correm risco de morte (Leia quadro). Segundo a Secretaria de Saúde, a unidade realizou 382 atendimentos – 173 dos quais resultaram em abortos – desde 1996. Em 2015, 33 mulheres estiveram no Hmib e pouco mais da metade (18) optaram pela interrupção da gravidez. Vinte e seis das pacientes do ano passado foram vítimas de violência sexual.
Consequências
Para a psicóloga Fernanda Schieber, chefe do Núcleo de Prevenção e Assistência a Situações de Violência na Região de Saúde Centro-Sul (Nupav), falta profundidade nas discussões sobre o assunto. “A própria decisão de fazer o aborto gera consequências psíquicas muito complicadas. Na nossa realidade, a maior parte das mulheres relata uma sensação de alívio ao interromper uma gravidez que se iniciou por estupro”, afirma.
O professor da Escola Superior de Ciências da Saúde (Escs) José Domingues vai além e compara o Brasil com países em que todo tipo de aborto é legalizado. “Onde o aborto é legal, pelo menos teoricamente, há assistência do início ao fim. Aqui, muitas vezes se recorre a remédios que trazem risco de hemorragia, infecção e morte”, diz o ginecologista. E emenda: “Na minha visão técnica, o aborto é uma questão de saúde pública.”
Como funciona
O Programa de Interrupção Gestacional Previsto em Lei (PIGL) atende a mulheres vítimas de estupro que querem pleitear a interrupção da gravidez.
» São feitos três atendimentos psicológicos, um de assistência social e uma ecografia, no Hmib, para avaliar a idade gestacional. O prazo máximo para abortar são 20 semanas de gravidez. Neste momento, também se identifica situações de vulnerabilidade social, para os quais se encaminha a uma rede formada por Cras, Crea, Defensoria Pública, entre outros serviços
» Após os atendimentos, a equipe (formada por três médicos ginecologistas, duas psicólogas e um assistente social) delibera sobre o pleito da paciente, em 10 dias
» Caso a mulher decida manter o bebê, são feitos os encaminhamentos de pré-natal, médicos e psicológicos. Se continuar a gravidez e colocar a criança para adoção, a Vara da Infância e da Juventude é acionada
Guilherme Pera
Acesse o PDF: Reação a projeto antiaborto no DF (Correio Braziliense, 24/03/2016)