(Época, 08/05/2016) Há um ano, a OMS lançava o primeiro alerta sobre uma doença ainda desconhecida. A tragédia e os avanços após um ano da epidemia.
Já são 1.271 casos de microcefalia, só no Brasil, suspeitos de serem causados pela infecção de mulheres grávidas pelo vírus zika. O número de mortes de fetos e bebês chega a 267. Esses são os números do balanço mais recente da epidemia causada por um vírus que começou a assustar o Brasil – e o mundo – há exatamente um ano. Em 7 de maio do ano passado, a Organização Pan-americana de Saúde, braço da Organização Mundial da Saúde nas Américas, lançava um alerta para que os países da região desenvolvessem maneiras de detectar, comunicar e tratar uma doença aparentemente benigna, caraterizada por uma vermelhidão no corpo. Meses mais tarde, as piores consequências da doença se tornaram concretas quando bebês como Luiz Phillipe e Leandro, cujas mães tiveram zika durante a gravidez, foram diagnosticados com lesões cerebrais.
A notificação da nova doença viera do Ministério da Saúde do Brasil, que notara o aumento de casos no Nordeste do país. Um ano depois, o vírus se espalhou para 470 municípios, em 25 Estados do Brasil – e para outros 43 países que nunca haviam registrado casos da doença. O zika, identificado pela primeira vez em 1947, numa floresta que deu o nome ao invasor, em Uganda, na África, já causara epidemias de menores proporções na Oceania: na Micronésia, em 2007, e na Polinésia Francesa, em 2013.
Há avanços científicos importantes neste primeiro ano. Os pesquisadores já se sentem confiantes para cravar que a microcefalia e outras alterações do sistema nervoso são causadas pelo vírus. Aliás, já se sabe que as consequências do zika sobre os fetos em desenvolvimento não se restringem à má formação do cérebro. Há calcificações cerebrais, deformidades em articulações das mãos e dos pés e perda de visão. Estudos confirmam que o zika é capaz de passar a barreira placentária, e tem preferência por se alojar no tecido nervoso dos fetos em desenvolvimento. Uma nova forma de transmissão – por relações sexuais – foi confirmada. A Fiocruz investiga se o vírus, que aparece na saliva e na urina, também pode ser transmitido por esses fluidos. Já se conhece a estrutura do vírus, o que pode ajudar no desenvolvimento de antivirais. Talvez, um dia, eles poderão ajudar a combater a doença. A Fiocruz anunciou em fevereiro o desenvolvimento de um teste rápido para identificar se a infecção é por zika, dengue ou chikungunya. Pesquisadores americanos acabam de anunciar um teste que pode detectar com rapidez o zika por menos de US$ 1.
Todo esse novo conhecimento científico contribuiu de maneira fundamental para o desenvolvimento de estratégias para enfrentar a epidemia. Porém, o avanço mais importante nessa luta contra o vírus ainda continua distante. Uma vacina que imunize mulheres em idade fértil contra o zika é a única maneira de proteger as futuras gerações das piores consequências da epidemia. Um acordo entre instituições de pesquisa brasileiras, como o Instituto Butantan, em São Paulo, e americanas foi firmado para que os países trabalhem em conjunto para desenvolver uma vacina – uma consequência de o vírus atingir também países ricos. Expectativas otimistas dão conta de uma vacina em até três anos, mas as primeiras perspectivas estimavam, no mínimo, dez anos. Há poucas pistas de quanto esses estudos avançaram para que se tenha ideia de quando a vacina estará pronta.
Resta-nos torcer para que as estimativas mais otimistas sejam realistas e, enquanto isso, zelar pela limpeza de nossos quintais. Na ausência de uma vacina, quebrar o ciclo de reprodução do Aedes aegypti, o transmissor do vírus zika e de outros inimigos, como o vírus da dengue e chikungunya, é a maneira mais eficaz de impedir que o vírus continue a se alastrar. Com a chegada do frio, o zika e o Aedes parecem ter saído da pauta. Mas o empenho na prevenção não pode esfriar. Nem as cobranças para que as crianças atingidas pelo vírus ainda na barriga de suas mães recebam os cuidados e as terapias adequadas para o seu desenvolvimento. Se tudo certo, um dia o zika representará um mal menor, a ser evitado com uma simples vacina. Será “esquecido”. Essas crianças não devem ser jamais.
Marcela Buscato
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