Entra eleição, sai eleição, o assunto aborto sempre está na pauta dos debates e ainda é objeto de forte discordância entre propostas consideradas progressistas e conservadoras. No Brasil, o aborto só é legal em três situações: casos de estupro, quando existe risco de morte da mãe e quando o bebê tem má formação do cérebro. Mesmo assim, mulheres abortam em outras situações, porém, de forma clandestina.
(Yahoo Notícias, 20/08/2018 – acesse no site de origem)
De acordo com a Pesquisa Nacional do Aborto (Anis – Instituto de Bioética), uma em cada cinco mulheres até os 40 anos já abortou no país. Segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), no Brasil, cerca de um milhão de mulheres fazem abortos clandestinos por ano.
Porém, por recorrerem ao método de forma irregular e sem a supervisão médica adequada, 250 mil mulheres são internadas por causa de complicações no procedimento. Isso quando o pior não acontece: a cada dois dias, uma mulher morre vítima desse tipo de procedimento.
De acordo com Joanna Burigo, mestre em gênero, mídia e cultura pela London School of Economics, quando as feministas falam em aborto, a luta é pela descriminalização e regulamentação da prática. Para ela, essa é uma questão de proteção às vidas das mulheres. “Legalizado ou não, o aborto segue sendo realizado”, afirma.
Já para a advogada Amarilis Costa, coordenadora adjunta do Ibccrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), a criminalização do aborto é uma postura estatal ultrapassada e segregacionista e não promove nenhuma mudança positiva no panorama social. “A criminalização não afasta a realidade posta”, observa.
Joanna concorda com Amarilis e afirma que o aborto legal deve ser formulado como política pública de saúde: “Questões subjetivas, como normas morais e de fundo religioso, ou dramas psicológicos, podem e devem ser debatidas, porém a prioridade é enquadrar esta discussão na seara da saúde pública, visto que a criminalização do aborto é instrumento controle estatal sobre corpos”.
Ela também afirma que é preciso acabar com o que chamou de “confusão conceitual” que acontece frequentemente sobre o tema. Segundo Joanna, defender a descriminalização e regulamentação não é fazer apologia ao aborto. “Nenhuma pessoa em sã consciência imagina que fazer um aborto seja um desejo, porém ser ‘contra’ ou ‘a favor’ da prática é irrelevante”, constata.
Segundo Amarilis, “o direito tende abarcar as realidades sociais postas e pacificar as tensões sociais, o que não ocorre através da criminalização do aborto”. A advogada afirma que manter a prática como crime é um resquício de fundamentações religiosas no estado laico. “É das raízes profundas do patriarcado em forma de tipo penal”, diz. Ela também afirma que o debate sobre o aborto está coberto por véus de preconceito e tabus. “Seria muito mais descomplicado tratar da questão em uma perspectiva de argumentação técnica, mas a velha política instalada no País demanda a manutenção de jargões vazios em troca de votos”, conclui.
O mais recente debate sobre o assunto no Brasil aconteceu no Supremo Tribunal Federal (STF) e terminou no dia 6 de agosto. Uma audiência pública foi convocada pela ministra Rosa Weber para elaborar um relatório de julgamento da ação que tem como objetivo declarar inconstitucionais os artigos do Código Penal que criminalizam o aborto. A arguição de descumprimento foi apresentada pelo PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) e descriminaliza a prática até o terceiro mês de gestação. Assim, nem a mulher que praticar o aborto, nem a equipe médica envolvida seriam punidas.
Segundo a advogada Luciana Boiteux, professora de direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e uma das signatárias da ação no Supremo, a pauta é histórica e nunca foi tão urgente. “Temos dados alarmantes sobre as mulheres que morrem [ao realizarem o aborto] e estamos cientes dos impactos sociais”, diz.
De acordo com ela, é preciso pensar nas mulheres negras e pobres, que são as que mais morrem em procedimentos clandestinos. “É uma questão de saúde pública”, afirma Luciana. Ela acredita que o debate no Supremo é extremamente positivo: “É preciso fazer um debate racional, fundado em evidências”.
Para a advogada, é importante que as brasileiras estejam atentas nas movimentações internacionais sobre o tema, principalmente na Argentina. Segundo ela, não tem mais como voltar atrás nesse debate e será preciso encarar de frente a realidade das mulheres.
Giorgia Cavicchioli