(Folha de S. Paulo, 17/05/2015) Thalia Ciavato, 14, chora ao sair da Maternidade Concepción, no centro de Caracas. Ela acaba de saber que está grávida. “Fiquei com um rapaz e não tomamos nenhuma precaução. Agora não sei o que fazer”, desespera-se a menina, ao lado da mãe.
Moradora de uma favela, a jovem não contará a notícia ao rapaz. “É um cara mau, que assalta e mata. Não quero nada com ele”, justifica.
O caso ilustra uma realidade comum na Venezuela, onde a gravidez precoce se tornou caixa de ressonância das mazelas que assolam o país, como educação deficiente, violência e valores sociais distorcidos pela pobreza.
Com mais de 22% de bebês nascendo de mães menores de 19 anos (dado de 2012 da ONU), a Venezuela é recordista em gravidez adolescente na América do Sul. No ranking latino-americano, está em terceiro, mas o governo disse recentemente que o país fica atrás só de Honduras.
Mesmo assim, a Maternidade Concepción é um dos poucos lugares onde há atendimento gratuito. A cada manhã, a ala adolescente lota.
Estefany Pereira, 15, mãe há um ano, acompanha a consulta da irmã Andreína, que, aos 16, já tem um bebê e está grávida do segundo.
“Não tenho mais tempo para mim e preciso passar horas nas filas para comprar fraldas”, lamenta Estefany, numa referência à escassez de produtos básicos no país.
Estefany, Andreína e Thalia deixaram o colégio. A deserção escolar é devastadora para a economia dos lares mais humildes. “Se, em vez de ter filho com 17, as jovens tivessem aos 25, teriam mais opções de carreira, seguro médico e repouso até retomar o trabalho”, diz a socióloga Lissette González.
Outro problema são riscos de saúde aos quais se expõem mães muito jovens. Um terço das vítimas da mortalidade materna é de adolescentes.
A gravidez de Thalia complicou-se. Médicos constataram atraso no desenvolvimento do cérebro do feto e cogitam aborto, permitido em casos de ameaça à vida da mãe.
“É evidente que o corpo nessa idade não está pronto para receber um feto”, diz a médica Natalia Salazar, da Maternidade Concepción.
MAL CRÔNICO
O aumento do número de jovens grávidas contrasta com a fecundidade média, que baixou de 3,2 filhos por mulher em 1990 para 2,4 em 2011. “A mulher de classe média tem cada vez menos filhos e cada vez mais tarde, mas, como a gravidez adolescente não baixa, cresce a fatia de bebês nascidas de adolescentes”, afirma González.
Parte do fenômeno se explica pelo ensino conservador. “A educação sexual é cheia de tabus. Muitos acham que falar de prevenção estimula a sexualidade, mas é o oposto: quanto mais consciência, maior a margem de decisão”, diz Belmar Franceschi, da ONG Plafam, que atende mães adolescentes.
Críticos dizem que autoridades torram fortunas para promover a ideologia bolivariana, mas nunca fizeram grande campanha de conscientização. Procurado, o governo não se pronunciou.
A maternidade é opção de sobrevivência em meio à pobreza e violência. “Busca-se a proteção de um homem capaz de prover recursos e segurança. Muitas vezes, esse papel é do líder criminoso do bairro”, diz Salazar.
Para os especialistas, o pano de fundo é a cultura venezuelana, na qual o papel da mulher continua atrelado ao de mãe. Jovem mãe, Yulimar Pereira, 18, encarna esse sentimento. “É muito bom ter filho. Já penso no segundo.”
Samy Adghirni
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