Zerar a transmissão da aids até 2030: sonho ou realidade? – por Jairo Bouer

27 de julho, 2014

(O Estado de S. Paulo, 27/07/2014) Para acabar com a transmissão do vírus HIV até 2030 – meta da Organização Mundial da Saúde (OMS) – apenas os métodos tradicionais de prevenção, como camisinha e educação sexual, não darão conta do recado. Durante a 20.ª Conferência Internacional de Aids, que acabou nesta semana em Melbourne (Austrália), se discutiu a importância do uso, em larga escala, de tecnologias complementares para que se alcance esse objetivo.

A Unaids (programa de aids da ONU) estima que hoje existam cerca de 35 milhões de portadores do vírus em todo o mundo. Desses, 19 milhões desconhecem sua condição. Assim, o primeiro passo seria trazer essas pessoas para o tratamento, melhorar a expectativa e a qualidade de vida e, também, diminuir a chance de transmitir o vírus. Hoje se sabe que a redução da carga viral a níveis indetectáveis impacta muito a transmissão. Com menos vírus circulando, menos pessoas se infectariam. Novas análises estatísticas mostram que a cada 10% de aumento na cobertura do tratamento para os portadores do HIV há um declínio de 1% no número de novas infecções.

Nesse sentido, se discute a importância das campanhas para que as pessoas busquem diagnóstico. Além dos testes laboratoriais habituais, começam a estar disponíveis testes que podem ser comprados em farmácia. De acordo com a Agência de Notícias da Aids, pesquisas mostram que os benefícios de saber o resultado parecem superar eventuais riscos e problemas. No Brasil, os testes “caseiros” só estão disponíveis para serem usados em postos de saúde ou por pessoal treinado de ONGs. Mas a liberação da venda em farmácias está em estudo.

O passo seguinte, depois de feito o diagnóstico, seria garantir tratamento e acompanhamento médico permanente para toda a população. Notícias recentes mostram que mesmo pessoas com tratamento de longo prazo (e até bebês medicados desde o nascimento) voltam a apresentar vírus circulando no organismo quando deixam de tomar os remédios. Portanto, casos de cura são raríssimos. Novas experiências com transplante de medula e até uso de um quimioterápico foram experiências relatadas na Austrália para tentar “forçar” a saída do HIV dos seus reservatórios no organismo. Mesmo nesses casos, o uso de antivirais não pode ser interrompido.

Outra tecnologia muito discutida nos últimos meses, que também ganhou destaque na conferência, foi o uso da PrEP (profilaxia pré-exposicão) para determinados grupos. O método consiste no uso preventivo de uma pílula diária para diminuir as chances de a pessoa se infectar.

A OMS avalia que hoje, apesar da diminuição global da aids, algumas populações chave (homens que fazem sexo com homens, usuários de drogas endovenosas, profissionais do sexo, transgêneros e encarcerados) concentram a metade dos novos casos de infecção pelo HIV no mundo. Entre os mais jovens (15 a 24 anos), dentro dessas populações, o risco é ainda mais elevado. Talvez, nesses grupos, a PrEP faça toda a diferença.

Isso não significa que todo homem gay deve usar essa prevenção. Mas aqueles que têm múltiplos parceiros, comportamentos seguidos de risco e já tiveram outras DSTs (doenças sexualmente transmissíveis) poderiam se beneficiar dessa proteção adicional ao preservativo. A OMS avalia que a chance de um homem que faz sexo com outro homem (HSH) se infectar com HIV é quase 19 vezes maior do que de um homem que tem apenas relações heterossexuais. No Brasil, a prevalência de HIV na população geral é de cerca de 0,5%. Entre os HSH, de acordo com alguns trabalhos, ela pode variar de 10% a 15%.

Veio também da Austrália a promessa de uma nova camisinha, recoberta por um uma espécie de gel antiviral, que promete diminuir o risco de infecção por diversos vírus, como HIV, HPV e herpes. O jornal britânico Daily Mail trouxe reportagem na última semana em que a Biotech Starpharma (fabricante do Vivagel) garante que ele inativa os diversos vírus e pode reduzir em mais de 99% o risco de alguém se infectar pelo HIV. O efeito do gel é muito mais significativo quando usado de forma combinada à camisinha.

O novo produto, já aprovado pelas autoridades regulatórias da Austrália, aguarda registro e deve estar disponível no mercado australiano já neste ano. Alguns especialistas, no entanto, alertam que em estudos anteriores doses mais elevadas desse gel para uso intravaginal causavam inflamação na mucosa, o que poderia até aumentar o risco de infecções. Além disso, o desafio continua sendo fazer com que as pessoas usem camisinha de forma consistente.

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