(Folha de S.Paulo, 29/04/2016) No começo de fevereiro, conheci o bebê José Arthur em Serra Talhada, no sertão de Pernambuco.
José Arthur nasceu com microcefalia e estava prestes a completar cinco meses. Nunca tinha feito uma sessão de fisioterapia ou estimulação precoce.
O Ministério da Saúde havia anunciado um plano para oferecer esse atendimento no SUS a todos os bebês com microcefalia.
Em Serra Talhada, no entanto, ainda não tinham conseguido contratar um profissional para o posto de saúde.
Três meses depois, a situação melhorou.
A mãe de José Arthur, Daniella Alves da Silva Campos, 23, contou-me que já há fisioterapeuta no posto de saúde da cidade e José Arthur faz duas sessões por semana.
Mas tirando isso, nada mudou.
O hospital Professor Agamenon Magalhães, em Serra Talhada, foi designado como centro de referência para atendimento de bebês com microcefalia no Estado de Pernambuco, mas não tinha pediatra de plantão e nenhum neuropediatra para cuidar dos bebês com microcefalia.
Continua sem.
Serra Talhada, município de 84 mil habitantes mais conhecido como a terra natal de Lampião, tem um dos maiores índices de infestação por Aedes aegypti no Estado – o mosquito é vetor do vírus do zika, chikungunya e dengue.
Mas não há distribuição de repelentes.
Na casa de Daniella, só José Arthur usa. A R$ 25, não dá para comprar para todo mundo.
Como mostrou editorial da Folha, o Ministério da Saúde anunciou em dezembro de 2015 planos de distribuir repelentes a grávidas beneficiárias do Bolsa Família -um contingente estimado em 400 mil mulheres. Pretendia-se iniciar a entrega em fevereiro deste ano.
Mas só na última sexta-feira (22) é que foi publicado no Diário Oficial da União um decreto criando o programa de distribuição de repelentes a essas gestantes. E não há data para o início.
Em janeiro, José Arthur passou por exames para tentar determinar o que causou a microcefalia – se foi mesmo a infecção de Daniella por zika durante a gravidez.
A família está esperando os resultados dos exames até hoje.
Daniella acaba de ter negado seu pedido de “Benefício de Prestação Continuada”, uma pensão de um salário mínimo (R$ 880) para deficientes em famílias de baixa renda.
O benefício é concedido apenas para deficientes que comprovem uma renda familiar mensal per capita inferior a 25% do salário-mínimo (R$ 220).
O pai de José Arthur, José Rosivaldo Ferraz da Silva, o Nenê, 27, trabalha com mototáxi e cobra R$ 4 por corrida. Em um mês ótimo, consegue ganhar um salário mínimo (R$ 880). A mãe, Daniella, não trabalha porque precisa cuidar do menino.
Portanto, mesmo muito pobres, eles têm renda familiar per capita acima de R$ 220 – e tiveram seu pedido negado. Vão recorrer.
José Arthur está com 8 meses. Ainda não senta, não sustenta o pescoço, nem segura objetos. Mas já consegue abrir um pouco a mãozinha.
Patrícia Campos Mello
Acesse o site de origem: Zika: ainda sem repelente, sem exames, sem pensão do INSS, por Patrícia Campos Mello (Folha de S.Paulo, 29/04/2016)