(R7, 24/02/2016) O hematologista Wellington Galvão da Santa Casa de Maceió explica detalhes sobre a doença
A explosão de casos de bebês com microcefalia no Brasil, possivelmente em decorrência do zika vírus, tem repercutido no Brasil e em todo o mundo. Na tentativa de se descobrir mais sobre essa doença, suas formas de transmissão e consequências, cientistas e pesquisadores de diversos países estão mobilizados em diversos estudos. Para explicar um pouco mais sobre o zika vírus e a microcefalia, o R7 conversou com o hematologista e homoterapeuta Wellington Galvão, da Santa Casa de Maceió.
Veja a entrevista na íntegra a seguir:
R7 — O zika é menos agressivo que a dengue, já que no Brasil, foram registrados apenas três casos de morte por causa do vírus. Qual é o potencial do zika para matar?
Wellington Galvão — Como doença em si, ela é menos agressiva do que a dengue. O zika não era o bicho-papão que é hoje. Era apenas uma virose que passava rápido, sem sintomas muito agressivos. O grande problema do zika veio depois: são as consequências. Hoje, apesar de os sintomas serem mais brandos, as doenças que o zika vírus podem desencadear — como síndrome de Guillain-Barré e microcefalia — são piores. As mortes pelo vírus em si são muito incomuns, acontecem, normalmente, quando a pessoa tem imunidade muito baixa.
R7 — Quais são as maneiras de transmissão do zika, além do contágio pelo mosquito? Relação sexual, saliva e amamentação também são formas de contágio confirmadas?
Galvão — A princípio, a única forma de contágio comprovada é por meio da picada do mosquito. Há hipóteses de transmissão por relação sexual, amamentação e saliva, mas ainda não estão confirmados. A doença ainda é muito desconhecida, muitos estudos têm sido realizados. Além disso, pesquisadores consideram a hipótese de que outros mosquitos, além do próprio Aedes aegypti, possam transmitir a doença. E isso é preocupante.
R7 — A relação com a microcefalia surpreendeu? Você acha que o vírus pode trazer consequências mais graves para o corpo humano futuramente?
Galvão — Acho. Em maio, quando começou a epidemia de zika na Bahia — Estado com primeiros casos da doença —, começamos a perceber um aumento nos casos de SGB (síndrome de Guillain-Barré). Foi apenas em outubro que as unidades médicas de Pernambuco passaram a notar o aumento do surto de microcefalia, que tomou conta do cenário nacional. Ninguém esperava essa relação, e até hoje a OMS (Organização Mundial de Saúde) não comprova que os casos sejam consequência do zika vírus. Mas todos sabemos que é.
R7 — Por que a OMS ainda não considera a ligação direta entre zika e microcefalia?
Galvão — É uma forma de se precaver de dar uma opinião precoce, uma vez que, são doenças muito recentes e ainda há muitos estudos sendo realizados. É natural que não confirmem nada com antecedência.
R7 — A mulher que está grávida e descobre que tem zika necessariamente terá um bebê com microcefalia?
Galvão — Não é uma regra — e se fosse, estaríamos enfrentando um cenário ainda mais perturbador. Em Alagoas, mais de 100 mil pessoas já tiveram zika vírus, e 200 bebês nasceram com microcefalia. Esses dados têm aumentado consideravelmente. As estatísticas brasileiras estão muito aquém da realidade, uma vez que, há muitos casos suspeitos e poucos diagnosticados.
R7 — É verdade que a microcefalia causada pelo zika é mais potente do que a ocasionada por toxoplasmose, drogas e álcool?
Galvão — Ainda não é uma informação comprovada, mas os casos mais recentes têm mostrado que sim. Primeiro porque as consequências do zika não são apenas a redução do crânio, mas também o desenvolvimento precário do próprio sistema nervoso central. Isso não era observado em grande escala quando analisados outros casos de microcefalia, não relacionados ao zika vírus. A ação do zika agride muito mais o bebê do que as outras formas de contágio.
R7 — Foi comprovado que, se a gestante pegar o vírus até o primeiro trimestre de gravidez, o bebê vai ter microcefalia? Como é essa relação? E se a mulher pegar o vírus a partir do quarto mês? As chances se extinguem ou reduzem?
Galvão — Na fase inicial da gravidez, as chances de o feto desenvolver a microcefalia são maiores, uma vez que ele ainda está em fase de formação. No entanto, essas chances não se extinguem após o primeiro trimestre, apenas se reduzem. Ainda não é possível estipular um período exato para que a gestante não precise se preocupar com a possibilidade de ter um filho com microcefalia.
R7 — Por que há casos de gêmeos — filhos de uma mãe que teve zika vírus — em que um nasceu com microcefalia e outro sem? Há pessoas com “proteção natural” para se defender e outras que têm mais suscetibilidade?
Galvão — Acredito que a barreira imunológica e resistência maior de cada bebê possa favorecer isso. Um impediu a ação do vírus — que entra no cérebro dos bebês e se multiplica — e o outro, não. Ainda não foi comprovada essa hipótese, mas creio que um sistema imunológico mais forte pode ser um fator-chave para que a doença não se desenvolva em algumas crianças.
R7 — O presidente colombiano disse recentemente que há 3.000 casos de mulheres grávidas com zika, mas nenhum registro de microcefalia. Por quê? O vírus aqui é mais agressivo?
Galvão — Há duas possibilidades que podem justificar esse fato: a primeira é a do tempo propriamente dito. Na Colômbia, o zika vírus é mais recente. Assim como o Brasil demorou cinco meses para notificar o aumento de casos de microcefalia — e assim estabelecer a relação da doença com o zika —, o país pode apenas estar passando pela janela que liga as doenças. A outra hipótese é a de que o vírus pode estar sofrendo uma mutação no Brasil, o que potencializaria sua força e suas consequências. Mas ainda me refiro a possibilidades.
R7 — Dados do CDC (Centro de Controle de Doenças, na sigla americana) mostram que 70% das mães de filhos com microcefalia apresentam vermelhidão entre o primeiro e o segundo trimestre de gestação. E 71% dos bebês nascem com microcefalia severa — cérebro muito reduzido. Por que isso?
Galvão — A vermelhidão é um sintoma que se manifesta em pessoas com imunidade muito baixa — o que reflete no bebê. Quando o sistema imunológico não está forte, há maiores chances de a criança nascer com um quadro mais grave de microcefalia. Hábitos alimentares e qualidade de vida são fatores importantes para uma alta imunidade, por isso que os casos mais graves da doença se manifestam em regiões pobres, sem saneamento básico e água tratada — questões que prejudicam o sistema imunológico.
R7 — Você prevê uma pandemia de zika?
Galvão — Não sei dizer, mas tomara que não. Se acontecer, vai ser um problema sério para todo o mundo. Hoje em dia, 40 países são afetados pelo zika vírus. O mundo está assustado e procurando uma forma de resolver o problema. O zika vírus é muito pior que o ebola — não pela agressividade do vírus, mas pela sua capacidade absurda de transmissão.
R7 — Você acha que vai demorar muito para ter uma prevenção contra o vírus?
Galvão — Acho que não vai demorar tanto, mas não vai ser tão rápido quanto gostaríamos. Creio que em até 2 anos uma vacina vai ser criada, uma vez que o mundo está mobilizado contra o zika. Cientistas estão trabalhando em conjunto, há um maior incentivo dos governos para a realização de pesquisas, enfim… Como o zika é uma virose, acredito que seja mais fácil de desenvolver uma vacina contra ele do que contra a dengue, por exemplo, que tem quatro tipos de vírus.
*Colaborou: Talyta Vespa, estagiária do R7
Acesse no site de origem: “Zika vírus é muito pior que o ebola”, diz especialista (R7 – 24/02/2016)