(Portal D24, 03/04/2016) Notificação de casos passou a ser obrigatória pelo Ministério da Saúde; somente neste ano, 11 casos notificados no Amazonas.
A recomendação do Ministério da Saúde (MS) de investigar todos os casos de microcefalia no País, após a relação da malformação congênita ao vírus zika, revelou a dificuldade das crianças do interior do Estado, que seguem à espera de acompanhamento médico nos municípios distantes da capital. Só este ano foram 11 casos notificados no Amazonas, sendo dois no interior, segundo a Fundação de Vigilância em Saúde (FVS).
O diretor-presidente da FVS, Bernardino Albuquerque, reconhece que não existe estrutura adequada nos municípios para tratar crianças com microcefalia fora da capital, seja por infecção por zika ou por outros agentes.
Entre os municípios do interior, Iranduba é o que apresenta o maior número de pessoas com casos suspeitos de zika (8), segundo a FVS. Em seguida, aparecem Coari (quatro casos suspeitos) e Humaitá (com dois). As cidades de Itacoatiara, Manacapuru, Manaquiri, Parintins, Presidente Figueiredo e Rio Preto da Eva apresentaram um caso, cada, totalizando 20 casos suspeitos no interior do Estado, até o fim do mês de março.
“No interior essa situação é mais crítica, porque não temos exames laboratoriais especializados para avaliar a criança com microcefalia. Tem apenas aqui em Manaus e os dois casos estão sendo avaliados aqui. Nosso problema são os municípios distantes”, disse.
Vanessa dos Santos da Silva, mãe da pequena Luciane da Silva Rocha, que mora em Iranduba, precisa percorrer, sem nenhum meio de transporte próprio ou gratuito, sete quilômetros de ramal e outros 13 na rodovia Manoel Urbano (AM 070) para trazer a filha para Manaus, para a realização das consultas periódicas de neurologia pediátrica.
A criança, que hoje tem 1 ano de idade faz parte dos onze casos de microcefalia notificados que estão tendo como causa investigada para saber se está associada ao vírus zika. Segundo a Secretaria Municipal de Saúde (Semsa) do município de Iranduba, Luciane é a única criança da localidade com a malformação congênita.
No município, segundo a coordenadora de Estratégia e Saúde da Família vinculada à Semsa de Iranduba, Vita Karla Gomes, apenas um neurologista, que não possui especialidade infantil, faz o atendimento de todos os pacientes da cidade.
De acordo com a primeira versão do Protocolo de Vigilância e Resposta à Ocorrência de Microcefalia Relacionada à Infecção pelo vírus zika, do Plano Nacional de Microcefalia no Brasil, o vírus zika foi introduzido no Brasil a partir da segunda metade de 2014.
Luciane nasceu com 26 centímetros de perímetro cefálico, em fevereiro de 2015 e, segundo a Semsa de Iranduba, o diagnóstico da malformação congênita foi atribuído inicialmente a uma infecção por toxoplasmose, proveniente da mãe. Mas, segundo Vanessa, nenhum exame para atestar a infecção foi realizado.
“Até hoje eu não tenho uma prova concreta para dizer se ela nasceu realmente com toxoplasmose ou zika. Quando começou a passar na televisão pensei que minha filha vinha do zika”, disse ela.
Para a consulta médica, a mãe de Luciane precisa acordar às 5h para pegar a senha do atendimento na Unidade Básica de Saúde (UBS) Eleonor de Freitas, no bairro da Compensa, na zona oeste de Manaus, onde Luciane realiza o acompanhamento.
A renda média da família de cinco pessoas, segundo Vanessa, gira em torno de R$ 300 e, sem transporte público, um carro precisa ser alugado para sair do ramal e chegar até a capital.
“Eu tenho que sair cedo daqui para pegar uma ficha, bem antes das 6h e às vezes nem consigo pegar. É complicado porque eu tenho que emprestar o carro da minha tia ou alugar. Eu fico pensando será que vai dar tempo de chegar, uma convulsão, é arriscado ela ir e não voltar mais”, disse ela sobre a dificuldade.
Após um ano do nascimento, a pequena Luciane conseguiu, segundo a mãe, realizar sua primeira tomografia. A maior dificuldade, no entanto, conforme a mãe da criança, é sentida em momentos de emergência. No início do mês passado, por causa da falta de remédios, Luciane começou a ter convulsões logo após o almoço, quando o marido dela estava trabalhando.
“Quando os remédios acabaram, Luciane teve uma convulsão, ela se entortou aí eu não tinha como arrumar carona porque ele estava trabalhando. Eu estava aqui desesperada, estava chovendo muito, entrei no choro. Liguei para o meu esposo e depois de três horas ele arrumou um carro, não sei da onde. Ele chegou aqui tremendo. Levamos ela até Manaus. Mas é sempre essa agonia, porque temos que arrumar um transporte para poder sair”, contou a mãe angustiada.
Luciane conseguiu, recentemente, o acesso ao Benefício de Proteção Continuada (BPC), instituído pela Constituição Federal, que garante um salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência sem condições de sustento.
O salário, no entanto, não consegue manter todos os gastos com alimentação, transporte e medicação de Luciane. Cada lata de leite, que dura em torno de uma semana, custa para a família da criança R$ 30.
Por causa de um problema intestinal, Luciane também não consegue realizar a digestão normalmente. A alimentação é feita à base frutas e comida processada, conhecida também como ‘papinha’, a um custo de R$ 5, em média, cada refeição.
Como principal preocupação está os gastos com os remédios controlados que a criança precisa tomar para evitar convulsões. Vanessa afirma não ter conseguido o medicamento gratuitamente.
Na UBS Maria de Fátima Monteiro Nunes, que atende a região onde mora em Iranduba, nenhum dos medicamentos que evitam as convulsões está disponível.
Preconceito
A falta de informação nos municípios do interior do Estado, para Vanessa faz com que o preconceito seja grande. Ela relata que evita sair com a criança para que comentários pejorativos não sejam feitos contra a filha.
“Quando eu saio na rua tem gente que critica, várias vezes quando eu chego num canto, tem gente que se espanta, parece que está vendo um bicho. Perguntam: ‘meu Deus o que é isso?’ Eu fico aguentando para não fazer um barraco”, disse.
Segundo Vanessa, o pai da criança também sofre com o preconceito. “Até mesmo no supermercado, uma vez a gente foi e tinham pessoas que se espantam, tem medo, perguntam se ela é doente, deficiente. E o meu esposo sempre responde que ela é gente como você e como todo mundo. Ele fica muito revoltado, quando a gente sai ele pede para eu cobrir ela”, relatou.
Ela relata que os moradores da cidade chegam a pensar que é um vírus e que a microcefalia é contagiosa. “Ela me dá força e me mostra que ela que está me dando o exemplo, que ela tem a capacidade de mostrar para todo mundo que ela é normal e não um bicho. Minha maior emoção foi falar mamãe e papai, quero que ela cresça estude e vire uma médica, lá na frente ela vai mostrar para as pessoas que: ‘eu tenho a microcefalia, mas sou capaz de fazer a mudança no mundo”, finalizou a mãe.
Na Paraíba, MP interfere e consegue apoio
No Estado da Paraíba, as prefeituras de municípios localizados no interior em que possuem casos de crianças com microcefalia deverão garantir o transporte de pacientes com microcefalia e de seus familiares no deslocamento de suas cidades para o hospital de referência, em Campina Grande, onde fica o único estabelecimento da Paraíba tido como referência no tratamento da microcefalia.
Para que isso ocorra, a promotora de Justiça da Saúde de Campina Grande do Ministério Público da Paraíba (MPPB), Adriana Amorim de Lacerda, solicitou a relação dos municípios cujos casos de microcefalia estão sendo acompanhados em Campina Grande para que, mediante esse relatório, certificar os promotores de Justiça dessas localidades sobre a situação, para que eles possam tomar as providências cabíveis junto ao poder público.
Atualmente, o Hospital Pedro I faz o acompanhamento de 30 casos de crianças com microcefalias, oriundos de praticamente todas as regiões da Paraíba. De acordo com o MPPB, a maioria das mães desses recém-nascidos com microcefalia é carente e as prefeituras têm dificultado ou até negado o transporte para que elas possam chegar a Campina Grande e retornar aos seus respectivos municípios após cada sessão de tratamento. Há casos, no órgão, em que as famílias, mesmo com dificuldades financeiras, são obrigadas a colocar combustível nos carros oficiais das prefeituras para chegar a Campina Grande e voltar às suas cidades.
No Amazonas, segundo o diretor-presidente da Fundação em Vigilância e Saúde (FVS), Bernardino Albuquerque, a garantia de acompanhamento médico para crianças com microcefalia é “crítica”.
Segundo ele, estão sendo estudadas alternativas para melhorar o atendimento das crianças que possuem a malformação no Interior do Estado.
Atualmente, nove municípios já possuem pessoas com casos suspeitos de zika. Duas notificações de crianças com microcefalia, uma no município de Iranduba e outra no município de Manacapuru já foram realizadas, no Estado.
Gisele Rodrigues
Acesse no site de origem: Zika Vírus revela a deficiência no tratamento da microcefalia no Amazonas (Portal D24, 03/04/2016)