Falta de vagas em Rocinha e Rio das Pedras prejudica vida profissional e financeira das responsáveis e afeta o desenvolvimento das crianças
A educação na primeira infância é uma etapa crucial para o desenvolvimento das crianças, essencial para garantir igualdade de oportunidades desde o começo da vida. No entanto, o Rio de Janeiro enfrenta um déficit nessa área: a falta de vagas em creches e pré-escolas.
O problema é acentuado ainda mais nas áreas periféricas da cidade, como as favelas de Rio das Pedras e Rocinha, onde a escassez de unidades públicas e conveniadas compromete o acesso às unidades educacionais.
De acordo com dados do Censo Escolar 2023 analisados pela Gênero e Número, a Rocinha conta com 21 creches e pré-escolas, mas apenas seis são municipais. O bairro tem 16 unidades de ensino integral, quatro delas são públicas e 12 são privadas conveniadas.
Entre os 15 estabelecimentos privados de ensino infantil que funcionam no bairro, 13 têm convênio com a Prefeitura, o que indica que a maior parte da oferta fica por conta da parceria entre o poder público e as unidades privadas.
Para Marcel Gavazza, professor de História no município do Rio de Janeiro, pesquisador e coordenador geral do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Estado do Rio de Janeiro (Sepe-RJ), esse modelo não deveria ser encarado como uma solução para o déficit de vagas na rede.
“A transferência de recursos públicos para as creches conveniadas, que são privadas, tem sido a solução imediata adotada pela prefeitura para garantir vagas nas creches. No entanto, isso não substitui a necessidade de planos para a construção de novas unidades”
Para o educador, a solução passa pela convocação de aprovados no concurso para professores adjuntos de educação infantil, o que ajudaria a suprir a carência de professores nas creches e pré-escolas e possibilitaria a abertura de novas turmas. Além disso, Marcel afirma que o investimento na construção de novas unidades é essencial.
“O ideal seria a construção de novas unidades. Isso é cobrado em reuniões com a Secretaria Municipal de Educação, em atos em frente à prefeitura e em audiências públicas com vereadores. O sindicato tem feito vários requerimentos de informação e tenta pressionar por todos os meios para garantir a ampliação da rede e a convocação dos concursados, o que ajudaria a zerar a fila de espera.”
Em entrevista à Agência Lume, o atual prefeito e candidato à reeleição, Eduardo Paes, citou que, se eleito, pretende ampliar o número de creches conveniadas. “Vamos adotar a mesma fórmula que usamos nessa gestão para atingir o nosso objetivo: realizar convênios com creches privadas, porque esse tipo de parceria acelera a resolução dessa carência.”
A presença de 21 creches na Rocinha pode parecer positiva, mas muitas dessas unidades educacionais enfrentam limitações de espaço, o que afeta a quantidade de turmas oferecidas. Algumas creches funcionam com apenas três ou quatro turmas para a primeira infância, com no máximo 20 crianças por turma, a depender da quantidade de funcionários disponíveis.
Já em Rio das Pedras, a oferta de creches e pré-escolas é ainda mais escassa. Entre os oito estabelecimentos registrados pelo Censo Escolar 2023, seis são municipais e dois são privados sem convênio com a Prefeitura. Somente duas unidades públicas oferecem ensino em turno integral.
“Todos os dias chegam novas crianças”, explica Flávia Amaral, pedagoga e diretora do EDI Professora Edir Caseiro Ribeiro, que atua há 25 anos com educação na Rocinha. Ela aponta que a falta de vagas na Rocinha está ligada também ao fluxo migratório constante nas favelas, um fenômeno recorrente também em regiões como Rio das Pedras. Existe lista de espera por vagas em creches tanto na Rocinha quanto no Rio das Pedras.
A migração, impulsionada pela concentração de oportunidades de emprego nas regiões metropolitanas, torna as favelas opções mais atrativas de moradia devido ao custo de vida mais acessível para famílias em busca de melhores condições. Isso impacta diretamente a falta de planejamento governamental na oferta de creches.
Embora a lei não preveja a obrigatoriedade de matrícula de crianças com menos de 4 anos em unidades educacionais, Flávia Amaral defende que essa diretriz deveria ser revista.
“A educação infantil para primeira infância é de suma importância, é a base de tudo. A criança é estimulada, aprende a utilizar o corpo e várias habilidades que ela necessita. E eu não falo só a partir dos quatro anos, eu gostaria que a lei se estendesse para minha faixa etária, que é de seis meses”
Papel da prefeitura na oferta de creches e pré-escolas
O debate sobre a falta de vagas em creches e pré-escolas no Rio de Janeiro não é novo, mas a solução para o problema parece distante. Em ano eleitoral, especialmente quando falamos de eleições municipais, é muito importante que a sociedade esteja atenta às obrigações da prefeitura relacionadas ao tema – e também ao que dizem os candidatos – para garantir que essa situação seja realmente enfrentada.
O prefeito desempenha um papel essencial na gestão e expansão das creches municipais. É responsabilidade do executivo municipal formular e implementar políticas públicas que garantam o acesso à educação infantil.
É a prefeitura que define o orçamento destinado à educação para a primeira infância, garantindo que haja recursos suficientes para a manutenção e expansão das creches e pré-escolas. Ela também pode buscar fontes alternativas de financiamento, como fundos municipais específicos, para garantir a sustentabilidade dos serviços.
Falta de vagas afeta vida profissional de mães e desenvolvimento infantil
Para muitas mães que vivem nas favelas de Rio das Pedras e da Rocinha, a falta de vagas em creches significa um obstáculo para ingressar ou se manter no mercado de trabalho.
A dona de casa Vilma Carvalho, de 37 anos, é uma delas. Moradora de Rio das Pedras e mãe de quatro filhos, ela tenta conseguir uma vaga na creche para a filha mais nova desde que a menina tinha dois anos.
“Isso me atrapalhou a voltar a trabalhar, porque a creche está muito cara”, conta ela. Sem a vaga, Vilma enfrenta o dilema de pagar alguém para buscar e levar os outros filhos na escola ou desistir de trabalhar.
Além das dificuldades financeiras, há também o impacto na socialização das crianças. A dona de casa comenta que sua filha é muito inteligente, mas não tem convivência com outras crianças da mesma idade. Se estivesse na creche, a menina teria mais oportunidades de desenvolvimento social e cognitivo.
Quem consegue uma vaga na creche para o seu filho consegue notar os benefícios que esse acesso pode trazer. A creche desempenha um papel fundamental no desenvolvimento integral da criança, oferecendo não apenas um ambiente seguro, mas também estímulos essenciais para o seu crescimento cognitivo, social e emocional.
Segundo Mônica Sacramento, pesquisadora e coordenadora programática da ONG Criola: “A creche é um espaço que reúne várias políticas, que atuam na segurança alimentar, no desenvolvimento das crianças e na socialização.”
“A insuficiência de políticas ou a falta de uma oferta adequada provoca efeitos que atingem toda a comunidade, não apenas os cuidadores, mas também, a vizinhança, já que essas mulheres recorrem a redes de apoio”
Para a pesquisadora, quando esse direito não é garantido: “as consequências não são só imediatas, mas também a longo prazo, porque isso se desdobra na vida escolar das crianças”, analisa.
Kátia Monique Nunes, mãe de um menino de três anos do Rio das Pedras, conseguiu notar como o ingresso na creche pode impactar positivamente o desenvolvimento infantil. Após indicação da fonoaudióloga, a criança foi matriculada com dois anos e um mês, período crucial para sua socialização e desenvolvimento da linguagem.
A moradora do Rio das Pedras destaca que o contato com outras crianças e as atividades estruturadas da creche ajudaram no avanço do filho, que inicialmente falava pouco e demonstrava dificuldades de interação.
“Todos os dias ele fala comigo, “mamãe gosto da escola”. Ele está mais comunicativo, participa das atividades, sabe as cores, sabe os nomes dos amigos e das tias. A escola trabalha com projetos pedagógicos e todo bimestre tem reunião com as professoras, que apresentam um relatório de habilidades e conhecimentos.”