(Antonio Gois, da sucursal da Folha de S.Paulo/RJ)
Apenas 2% da população de 60 a 74 anos anos vive com menos de US$ 2 ao dia
Redução em 30 anos se deu mesmo com aumento de 6 para 15 milhões de pessoas nessa faixa etária
Graças ao aumento de gastos públicos com aposentadoria após a Constituição de 1988, beneficiando até quem nunca havia contribuído, o Brasil conseguiu em 30 anos praticamente erradicar a pobreza entre idosos.
Do início da década de 80 até o final da passada, a proporção de brasileiros entre 60 e 74 anos vivendo com menos de US$ 2 por dia (linha de pobreza do Banco Mundial) caiu de 45% para 2%.
Os dados são de estudo dos pesquisadores Cassio Turra (Universidade Federal de Minas Gerais) e Romero Rocha (Banco Mundial).
Foi o maior declínio de todos os grupos etários. Esta redução é ainda mais expressiva quando se leva em conta que foi conciliada com um aumento populacional de 6 para 15 milhões de idosos.
A mesma eficiência não se verificou entre crianças. A pobreza também caiu significativamente (de 66% para 17%) no grupo, mas a proporção de pobres na população de zero a 14 anos hoje é o dobro da verificada entre adultos e quase oito vezes a encontrada entre idosos.
A discrepância na taxa de pobreza entre idosos e crianças é, em boa parte, explicada pelo perfil de gastos do poder público.
Num estudo que comparou 22 países, publicado em 2010 pela Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), o consumo per capita de idosos no Brasil representava praticamente o dobro do das crianças.
Neste cálculo, leva-se em conta tanto o consumo bancado pelas famílias quanto o custo dos serviços públicos utilizados, como os gastos por aluno em escolas públicas ou por idosos em hospitais do SUS, por exemplo.
Do grupo comparado, apenas três países -os Estados Unidos, a Suécia e o Japão- gastavam mais do que o Brasil, proporcionalmente, com seus idosos.
Público e privado
A maior igualdade nos gastos entre mais velhos e crianças foi encontrada em países asiáticos como a China, a Coreia do Sul e Taiwan, graças, principalmente, ao alto investimento em educação.
Outra constatação do estudo foi que, no Brasil, 90% do consumo dos idosos é financiado por transferências do poder público.
No caso de crianças, esta proporção é de apenas 17%, ou seja, são as famílias que arcam com maior parte dos custos do investimento da infância no Brasil.
O pesquisador Cassio Turra explica que o percentual pequeno de idosos vivendo hoje com menos de US$ 2 dólares ao dia deve-se principalmente à Constituição, que deu aos trabalhadores rurais aposentadoria até para quem nunca havia contribuído.
Outro benefício constitucional que contribuiu para isso foi o BPC (Benefício de Prestação Continuada), que assegura a qualquer idoso com renda per capita inferior a um salário mínimo o pagamento de um salário mensal.
Na avaliação de Turra, no entanto, esses programas só foram possíveis porque o país passava por um momento demográfico favorável, com uma proporção ainda pequena de idosos em relação a adultos, que puderam contribuir com seus impostos para sustentar a Previdência.
“Isso não vamos conseguir fazer mais, pois haverá menos adultos e mais idosos no país”, afirma o pesquisador.
“Além de repensar as políticas para idosos, será preciso investir para aumentar a produtividade do trabalhador. Para isso, é fundamental aumentar o investimento em educação”, emenda.
Acesse em pdf: Pobreza no Brasil caiu mais para idoso que para criança (Folha de S.Paulo – 05/02/2012)
Leia também: Padrão no país é jovem receber ajuda de mais velhos (Folha de S.Paulo – 05/02/2012)
Apesar do crescimento econômico, não há sinais de redução da desvantagem relativa de crianças e jovens quanto à renda.
Isso significa que as políticas públicas de transferência de renda não estão operando de forma adequada, o que se deve às suas características de cobertura e às regras adotadas para a fixação do valor dos benefícios previdenciários e assistenciais.
A política de valorização do salário mínimo desde a década de 90 resultou em ganhos reais importantes para 60% dos aposentados que recebem o piso e para os beneficiários do BPC (Benefício de Prestação Continuada), cujo valor é igual ao salário mínimo.
A expansão do Bolsa Família tem sido incapaz de reequilibrar a situação de renda em favor dos jovens, já que os benefícios pagos pelo programa são relativamente baixos.
Hoje o valor por criança é R$ 32, e o valor médio pago às famílias beneficiárias, R$ 119 -em descompasso com o BPC dos idosos (R$ 622).
Corrigir as iniquidades entre idosos e jovens requer a adequação do gasto previdenciário à realidade demográfica (% de idosos na população) e econômica (% do PIB), já que o Brasil destoa de outros países a esse respeito.
Aumento da idade de aposentadoria e do tempo de contribuição e mudanças em relação aos regimes especiais e à aposentadoria rural são indispensáveis.
Trata-se ainda de desvincular o salário mínimo do piso previdenciário e do BPC, tornando-o estritamente um parâmetro para o mercado de trabalho.
Em contrapartida, é necessário aumentar o valor dos benefícios assistenciais pagos aos jovens. Mas, para eles, tão ou mais importante é o acesso a serviços públicos. A universalização da educação de qualidade é condição para garantir crescimento com progresso social.
SÔNIA ROCHA, pesquisadora e economista do IETS (Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade)
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