(O Globo) O orçamento das famílias brasileiras ficou mais gordo em 2013. Poderia até ter sido melhor, não fosse a inflação que comeu um pedaço da renda. Os ganhos, sejam por reajuste salarial, por troca de emprego ou por atividades extras, variaram de 5,5% a 17,7%, provocados por um mercado de trabalho ainda aquecido. A taxa de desemprego de 5,2% em outubro foi a mais baixa para o mês em 11 anos, mesmo com a economia crescendo pouco: 2,4% no acumulado de 2013. Na casa de Vanessa e Marcos Roberto Lima, de São Paulo, todos os fatores se uniram para aumentar a renda familiar em 17,7%, o que representou um ganho de poder aquisitivo de mais de 10%, considerando uma inflação que, em São Paulo, está acumulada em 5,72% nos últimos 12 meses até novembro.
Vanessa espelha bem o momento do mercado. Ela trabalhava há cinco anos na mesma empresa como recepcionista. Em abril, veio a demissão e a renda familiar caiu pela metade. O susto foi rápido. Cinco dias depois, ela já estava em um novo emprego, ganhando mais e com mais chances de crescimento profissional na área de comércio eletrônico.
– O salário é melhor do que eu ganhava, e a empresa é de porte maior, acredito que possa crescer lá dentro – diz Vanessa, ao ver o salário subir de R$ 2.400 para R$ 2.800.
A troca de emprego de Vanessa fez o salário da estudante de Administração pular 16,7%. Já Marcos Roberto foi promovido a gestor de produção de uma indústria de autopeças. Com isso, seu salário subiu de R$ 2.700 para R$ 3.180, uma alta de 17%. A renda total saiu de R$ 5.100 para quase R$ 6 mil, permitindo que a família mudasse de carro.
Greve rendeu aumento de 33% parcelado
O empreiteiro Jerri Adriani Schmaedecke, de Porto Alegre, não só trocou de trabalho como de ramo de atuação. Sair do trabalho autônomo como empreiteiro de obra para a gerência de um açougue fez subir o salário em 13,9%, numa cidade que ostenta o título da menor taxa de desemprego entre as seis maiores regiões metropolitanas brasileiras, de 3,7% em outubro. Já a mulher Kátia, que trabalha como merendeira, conseguiu repor a inflação e ganhar mais um pouco. O salário da auxiliar de serviços gerais foi reajustado em 7,5%, pouco acima da inflação de 5,5% da cidade de Porto Alegre, onde mora:
– Tinha pouca obra e no açougue tenho um ganho fixo. Estou até ganhando mais.
O veterinário Laurício Cruz, funcionário público de Brasília com dois empregos, no Tribunal de Justiça e na Secretaria de Saúde da capital, teve um aumento salarial em um dos cargos. Com isso, a renda familiar subiu em torno de 6%. O rendimento domiciliar é alto para os padrões brasileiros. Laurício e a mulher, Andreza, que também é funcionária pública, chegaram ao fim do ano ganhando R$ 17,4 mil. Ambos têm ensino superior e especialização.
– Chegamos a fazer duas semanas de greve este ano. Algumas gratificações foram incorporadas, mas nada que reponha a inflação – diz Andreza, que trabalha na Secretaria de Saúde do DF.
Já Laurício diz que, no tribunal, a partir de 2013, teve aumento de 33% em três parcelas:
– Não sei nem por que o sindicato aceitou. Era para continuar lutando.
Enquanto as famílias viram a renda crescer por mudança de emprego ou reajuste salarial, Ivanilda da Silva, de São Caetano, em Pernambuco, ficou com o orçamento mais apertado. A parte fixa, de R$ 1.300 – da aposentadoria rural do marido e do Benefício de Prestação Continuada do enteado aposentado por invalidez, de um salário mínimo cada – sustentou a família durante o ano, já que a seca impediu ganho com animais e plantio. Para manter quatro cabeças de gado e cabritos se endividou.
– A seca me quebrou, mas vou recuperar tudinho porque Deus quer e tenho força de vontade. Também não recuso o trabalho da enxada. Caiu uma chuvinha esse ano, e a gente plantou feijão, milho, abóbora. Colhi tudo. A chuva também serviu para deixar o mato mais verdinho e garantir pasto para o gado. Mas o sol voltou a castigar, já secou tudinho, e estou gastando mais com ração de novo. Tem duas vacas prenhas, e elas precisam comer mais para garantir a saúde dos bezerrinhos que vão nascer – afirma.
Os negócios da família de Flávia Ritto, do Rio, foram bem este ano. O faturamento subiu 10%, o que fez a renda de pró-labore crescer na mesma proporção, de R$ 57 mil para R$ 62,7 mil. O pró-labore é fixo, mas há distribuição de lucros.
– Fechamos contrato com o Rock in Rio nos 45 minutos do segundo tempo e conseguimos avançar, oferecendo serviços integrados.
Dificuldade para contratar
O mesmo mercado de trabalho que ajudou Vanessa dificultou a vida da empresária, que emprega 30 mil pessoas na empresa que mantém com os irmãos, de terceirização de serviços de limpeza, segurança, recepção e administração. A rotatividade nas diversas empresas que compõem o grupo ultrapassa 70 admissões por dia. No ano que antecede à Copa do Mundo e às eleições, a construção civil tem tomado os potenciais funcionários de Flávia.
-O piso do setor de asseio e conservação é menor que o da construção civil. Tentamos ter um diferencial, oferecendo plano de saúde, cesta básica, mas mesmo assim é difícil, principalmente mão de obra masculina – reclama Flávia, acompanhada do marido Diego Dias Batista, que abandonou o trabalho de consultor para investir na sociedade em uma empresa de construção civil:
– Tive que trazer 20 profissionais de São Paulo.
A diarista Solange Moraes não conseguiu aumentar a renda com as faxinas, em torno de R$ 1.000 por mês. Manteve o mesmo número de casas, mas resolveu absorver o negócio do filho: um trailer de lanches que funcionava na frente da casa dela, em Saracuruna, bairro de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. O filho conseguiu emprego de montador no porto e abandonou o negócio:
– Ele já tinha conquistado uma freguesia e não queria desperdiçar. Resolvi improvisar o trailer na varanda de casa, até conseguirmos terminar uma lojinha aqui no quintal.
A renda total então subiu para R$ 1.200.
Waldir Quadros, professor da Unicamp, afirma que apesar do crescimento fraco do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços do país), o mercado de trabalho vem se comportando bem: o desemprego não cresce e a renda aumenta.
– As pessoas estão trocando de emprego para ganhar mais, principalmente para a faixa de renda de Vanessa e Marcos Roberto. Nas faixas de renda mais altas, o mercado não está tão aquecido.
Acesse o PDF: Renda das famílias subiu até 17,7% (O Globo – 15/12/2013)