(Correio Braziliense) A Conferência Rio+20, essa janela de oportunidade única, se realizará em sua plenitude por meio de dois compromissos: o da inclusão social, como inegociável; e o da incorporação das mulheres como propulsoras do desenvolvimento sustentável. Para a implementação de um novo modelo de sustentabilidade, devemos considerar uma reordenação da divisão sexual do trabalho e da carga produtiva e reprodutiva das classes sociais.
A participação de todas as populações, classes sociais, etnias, cores, credos e tendências é o cimento sine qua non do processo que materializa uma nova atitude no mundo. Mas o debate da inclusão que se trava no momento no Brasil aponta equívocos, como o de acusar a nova classe média que começa a se apropriar de fatia ainda pequena do célebre bolo por tanto tempo prometido, de praticar um consumo “irresponsável”. O que precisa ser inserido no debate é a lembrança de que as classes sociais de maior poder aquisitivo é que têm praticado, secularmente, um consumo predatório.
Isso não elimina a convicção de que mudar o paradigma e a atitude de consumo é uma necessidade de todas as classes sociais. Mas como pôr no mesmo patamar uma pequena renúncia ao consumo por parte de quem nunca se aplicou limites, como é o caso dessas classes de maior poder aquisitivo, e a renúncia absoluta de quem sempre foi forçado a viver abaixo do limite, justamente no momento em que, por justiça, começa a desfrutar?
A outra questão central para um novo modelo se firmar via Rio+20 é o reconhecimento e incorporação da contribuição das mulheres à economia e ao desenvolvimento de múltiplas estratégias para enfrentar a pobreza e preservar os diferentes conhecimentos; da sua contribuição com práticas fundamentais para a sobrevivência e a sustentação da vida.
Isso foi reconhecido pelo Consenso de Brasília, aprovado em 2010 na XI Conferência Regional sobre a Mulher da América Latina e Caribe. Portanto, quando se fala em recorte de gênero no âmbito da Rio+20, fala-se na perspectiva transformadora que se abre por força da ótica proposta pelas mulheres e seus movimentos, fala-se em pensar os impactos de todas as políticas na vida de mulheres e de homens.
O Consenso de Brasília chama a atenção para o fato de que o acesso à propriedade da terra, à água, aos bosques e à biodiversidade em geral é mais restrito para as mulheres que para os homens; que o uso desses recursos naturais está condicionado pela divisão sexual e secular do trabalho; que a poluição ambiental tem impactos específicos sobre as mulheres na cidade e no campo.
A IV Conferência Mundial sobre a Mulher (Pequim, 1995) já incluía item específico sobre a mulher e o meio ambiente, e defendia: a) Envolver a mulher na adoção de decisões relativas ao meio ambiente; b) Integrar a perspectiva de gênero nas políticas e programas do desenvolvimento sustentável; e c) Fortalecer ou estabelecer mecanismos, em nível nacional, regional ou internacional, para avaliar o impacto das políticas de desenvolvimento e ambientais na vida das mulheres.
Todo esse acumulado de visões ecoa no Plano Nacional de Políticas para as mulheres, da Secretaria de Políticas para as mulheres, da Presidência da República. Nele, a justiça social e a equidade são articuladas sob os aspectos econômicos, políticos, sociais, culturais e ambientais.
Simultaneamente, não podemos pensar em um mundo sustentável que aceite a violência contra as mulheres e a exploração sexual de crianças, adolescentes e mulheres, tampouco o tráfico de pessoas. Não podemos pensar em um mundo sustentável que aceita uma educação discriminatória, sexista e racista. Nem numa economia verde que conviva com a diferença salarial ainda existente entre mulheres e homens.
Pensar o desenvolvimento sustentável com a inclusão das mulheres significa reconhecer o trabalho doméstico como trabalho decente, à semelhança de qualquer outro trabalho. Implica reconhecer a ação de cuidado e o autoconsumo, ainda concentrados nas mulheres, como elementos de sustentação da vida cotidiana que devem ser compartilhados pelos homens e por toda a sociedade.
Isso tudo compõe – aí, sim – um novo paradigma de desenvolvimento, em que sustentabilidade e desenvolvimento se associarão de forma estrutural a uma igual distribuição do trabalho e dos bens – à igualdade, enfim, entre mulheres e homens.
Eleonora Menicucci
Ministra de Estado Chefe da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República
Leia em PDF: Sustentabilidade com as Mulheres, por Eleonora Menicucci (Correio Braziliense – 18/06/2012)