(Jornal do Brasil) A inserção feminina no mercado de trabalho foi fundamental para a redução das desigualdades sociais e da pobreza no Brasil e na América Latina. Esta é uma das conclusões do estudo “The Effect of Women’s Economic Power in Latin American and the Caribbean”, lançado recentemente pelo Banco Mundial.
Em entrevista exclusiva para o Jornal do Brasil, o economista-sênior da Unidade de Pobreza, Gênero e Equidade do banco, João Pedro Azevedo, mostra que a entrada e permanência cada vez maior das mulheres no mercado de trabalho têm gerado grandes benefícios sociais para os países em desenvolvimento. “Elas ainda tiveram uma contribuição fundamental durante a última crise, ajudando a ‘blindar’ as famílias mais vulneráveis com sua renda”, afirma.
Segundo ele, avanços na equiparação de direitos têm sido feitos em todo o continente. O Brasil se destaca principalmente pelo “esforço” em promover legislações de proteção às mulheres mais pobres, como a Lei Maria da Penha e os programas de transferência de renda, como o Bolsa Família. “Apesar do salário ser o mais importante, estes programas alcançam, de maneira eficiente, aquela camada da população muito pobre, em que a renda feminina é extremamente importante”, analisa.
João Pedro Azevedo: “renda das mulheres evita que famílias caiam em pobreza”
Apesar dos avanços, Azevedo lembra que ainda há “um longo caminho a ser percorrido” e que os desafios são grandes. “Diferentemente da educação ou saúde, que são problemas pontuais, o combate a desigualdade de gêneros é multissetorial, pois atinge diversos segmentos da sociedade. O que torna o desafio ainda maior”, constata.
Na segunda reportagem da série do JB sobre a condição da mulher, Azevedo destrincha os resultados obtidos no Banco Mundial na luta pela igualdade de gêneros e alerta sobre a importância de investir em “uma agenda séria de ações para saber o que funciona e o que não funciona no país”. Assim, segundo ele, as políticas implementadas conseguirão atingir seus objetivos mais diretamente.
Qual o tamanho e como se dá a contribuição da mulher na redução da pobreza e das desigualdades que observamos no Brasil e na América Latina nos últimos anos?
Azevedo: O que procuramos responder, neste estudo, foi exatamente isso e o que ficou bem claro para a gente é que as mulheres foram uma força muito importante neste movimento. Para citar números, no caso da redução da pobreza por exemplo, o estudo aponta que as mulheres foram responsáveis por 30% nesta queda. E ela é definida pelo aumento tanto na participação do mercado de trabalho como na sua remuneração, ou seja, o quanto ela leva de dinheiro para casa.
Uma das características que notamos neste estudo foi a importância das mulheres nesta crise recente, de 2009. Vários países do continente registraram desaceleração e observamos que exatamente os domicílios onde, tanto o homem quanto as mulheres trabalhavam, ficaram mais protegidos, foram menos afetados pela crise, principalmente do ponto de vista de cair em pobreza, isso aconteceu menos nestes lares. E isso é muito importante, pois mostra que não só a renda delas contribuía na família, mas foi essencial para proteger a renda total dos domicílios.
Mulheres foram responsáveis por 30% na queda da pobreza e desigualdade no Brasil
Agora, tem um ponto importante nesta questão da criação de oportunidades. A gente acredita que é importante criar as circunstâncias que permitam que as mulheres tenham uma boa inserção no mercado de trabalho, a qualidade da inserção da mulher. Porque aumentar a participação em momentos de crise significa que ela vai lá no mercado buscar oportunidades de supetão, porque precisa. É muito melhor quando ela procura o emprego devido às suas circunstâncias em termos de localidade, experiência, escolaridade. Então, é importante ter políticas que permitam que as mulheres utilizem de sua plena capacidade produtiva.
Podemos dizer então que existe um círculo virtuoso em que a entrada das mulheres no mercado contribui para o crescimento da economia e esta, por sua vez, ao crescer, absorve ainda mais a mão de obra feminina?
O crescimento econômico facilita o processo de inserção da mulher, é lógico que é muito mais fácil dividir quando o bolo está crescendo. Agora é importante ter clareza na direção da causalidade quando falamos na redução da pobreza e desigualdade. Porque estas reduções são consequências exatamente dessa melhor inserção da mulher, até porque a gente vem observando que na parte mais pobre dos pobres, esta importância relativa da contribuição da mulher quando comparada dos homens é ainda maior. Claro que os programas de transferência de renda, como bolsa família também são importantes porque eles são desenhados para proteger o mais pobre dos pobres, mas do ponto de vista da contribuição de gêneros, o da mulher é mais importante, exatamente porque reduz esse profundo quadro de desigualdade da camada mais baixa da população.
Este estudo nos mostra a importância da inserção feminina, mas também nos coloca com um quadro em que vemos que ainda há muito a ser feito, temos um longo caminho a percorrer.
No Brasil, mesmo estudando mais, elas ainda recebem cerca de 70% da remuneração dos homens.
Do ponto de vista do salário, o que a gente percebe é que ainda existem algumas diferenças, mas estas discriminações ainda estão na parte de melhor remuneração, como os gerentes, os CEO’s, é mais neste espaço que você vê que as mulheres tem dificuldade muito maior de alcançar certos postos de trabalho. Isso é um aspecto importante, o que chamamos de Teto de Vidro, ou seja, o fato delas acabarem não conseguindo ultrapassar as barreiras que são menos explicitas no mundo de trabalho.
É importante combater principalmente estes gargalos que ainda impedem as mulheres de exercer suas capacidades produtivas de maneira muito mais plena. Elas precisam ter voz, ter seu poder usufruído e aproveitar e utilizar todas as oportunidades econômicas que lhe são de direito. É o que chamamos de Agency, ou seja, a capacidade de decisão plena.
Como é a situação do Brasil comparada com a da América Latina?
O Brasil tem uma posição relativamente boa, pois tem uma situação de aposentadorias, pensões e distribuições de renda institucionalizadas. O BPC (Benefício de Prestação Continuada) foi um importante divisor de águas, pois é um mecanismo que efetivamente evita que as mulheres entrem em pobreza. Várias delas não estão em situação ruim porque recebem o BCP. Há uma dicotomia, neste aspecto, entre os países do Cone Sul e resto da América Latina, já que o Chile e a Argentina também investiram muito nesta área. Em relação a redução da pobreza, o Brasil se mostra levemente à frente.
Agora, o Brasil precisa ficar atento aos problemas previdenciários que possam surgir a longo prazo. Estamos passando por um processo de envelhecimento no Brasil, a taxa de fecundidade já está abaixo da reposição, o que significa que em alguns anos vamos ter uma grande parcela da população elegível a este tipo de programa e eles serão maior do que a parte dos trabalhadores que contribuirão com impostos para o financiamento destes programas. A menos que consigamos aumentar nossa produtividade do trabalho ou ficarmos mais competitivos essa conta pode ficar difícil de fechar.
E aí temos um aspecto ainda mais específico que diz muito sobre esta questão da mulher especificamente e como é importante que ela entre no mercado e a pobreza se reduza: a longevidade da mulher é muito maior. Grande parte da contribuição para estes programas vem desta longevidade e é por conta deles que várias mulheres podem ter uma renda mínima.
Quais outros aspectos na vida desta mulher brasileira que também contribuem – além da pobreza e das dificuldades no mercado de trabalho – para que elas acabem dependendo mais destes programas?
Acho que um dos aspectos principais é a violência sofrida pelas mulheres, a violência doméstica. O Brasil tem atuado nesta área de maneira firme, a aprovação e principalmente implementação da Lei Maria da Penha, porém sabe-se que isso ainda é um grande problema enfrentado pelas mulheres, principalmente de baixa renda e ainda é preciso ser mais firme nestas políticas. A situação na América Latina, de maneira geral, é ainda uma situação onde a violência domestica está muito presente na vida das mulheres, isto tem importância significativa na capacidade de inserção no mercado de trabalho, de ter voz, e exercer sua plena cidadania.
É preciso investir em uma política série para sabermos que medidas podem ou não funcionar
Uma outra manifestação de alguns destes gargalos é a gravidez na adolescência. Este problema é relativamente importante, pois apesar dos índices no continente não serem os mais altos, o que observamos é que os números não estão caindo tanto quanto em outros lugares, como no caso da Ásia ou África. E o pior é que, no Brasil, por exemplo, quando você abre este número você percebe que há, inclusive, um aumento deste índice nas camadas mais pobres, principalmente entre as pardas e negras. Nós vemos isso muito mais como consequência da desigualdades de mulheres, mas sabemos que isso acaba agravando o quadro.
No estudo vocês destacam a necessidade de se investir em programas para se tentar descobrir o que “funciona” nos países.
Sim, este é um aspecto que consideramos muito importante. É preciso investir em uma agenda séria para identificar o que funciona e o que não funciona, principalmente nesta área de desigualdade de gêneros. Várias idéias são frequentemente colocadas sobre a mesa, mas a verdade é que existe um grande vácuo do conhecimento sistemático sobre o que pode ser feito para melhorar as condições de maneira efetiva. Além disso, a gente também quer reconhecer a importância de iniciativas de legislação para coibir e penalizar certas condutas. Os governos precisam cuidar de todo o aparato de proteção social que permite que esta legislação funcione.
Qual a situação do Brasil nesta agenda?
O Brasil tem avançado, a gente está tentando enfrentar, tem um caminho importante para desenvolver. Mas ainda é preciso ser mais sistemático, o México e a Colômbia, por exemplo, estão à frente neste aspecto. No caso do Brasil, há setores como educação e saúde em que existe um melhor entendimento do que funciona e do que não funciona, em particular porque foram usadas metas e sistemas de informação, como o Ideb, o Prova Brasil, que criaram as condições mínimas necessárias para que os gestores públicos pudessem colocar suas dúvidas e perguntas nestes termos.
Mas em outros campos isso não vem sendo feito, como na área de gêneros, por exemplo. Políticas de gêneros são intrinsicamente multisetorias, não é um desafio tão bem comportado quanto o desafio de melhorar a educação. Na área de gêneros o que percebemos é que é preciso atuar em diferentes frentes, o que não é nada trivial, tanto no ponto de vista da implementação quando da avaliação. Também não torna o problema menos importante!
Como o Banco Mundial vêm atuando no combate a desigualdade de gêneros e implementação de políticas de “funciona e não funciona”?
O Banco Mundial, por estar presente em vários países, atua muito como uma instituição de conhecimento, mais até do que financiamento. Os países membros nos procuram não só pela necessidade de financiamento, mas também na busca por idéias do que fazer, como fazer e como melhorar o que está sendo feito. E o banco pode e vem dando uma contribuição importante exatamente nesta área de gerar trabalhos analíticos. Nós permitimos a comparação entre as experiências dos países, melhorando os sistemas de informação dos países, as bases de dados, compartilhando experiências bem sucedidas. A polinização cruzada do que a Turquia está fazendo que pode ser útil pro Brasil, do que o Brasil está fazendo que pode ser útil pra Nigéria e assim por diante, é muito importante no desenvolvimento de políticas públicas. E como estamos presentes em diversos países podemos ajudar as nações a encontrar suas próprias respostas.
Nós fornecemos informações daquilo que está efetivamente sendo implementado pelos governos dos países em que atuamos como colaboradores e assim percebemos coisas muito importantes. Essa troca de experiencias é um caldo muito fértil para as inovações. O banco atua muito mais como um colaborador, facilitando. As vezes o que pode dar certo é um pedacinho do que a Bolívia fez, combinado com o pedacinho da Turquia, e aquilo ali em conjunto que pode gerar uma inovação social que pode responder os problemas de determinado país. E aí que o Banco Mundial tem um importante papel. É esta troca sistemática que pode conseguir juntar as peças deste quebra-cabeça.
Acesse em pdf: Pobreza diminui com aumento das mulheres no mercado de trabalho (Jornal do Brasil – 22/10/2012)