(Folha de S.Paulo) Dilma Rousseff tem o desafio de iniciar a universalização do saneamento; país sem miséria não pode ter 11% de casas perto de valas de esgoto
Beneficiado pelo crescimento chinês e pela alta de preços de commodities que produz, como minério de ferro e soja, o Brasil transformou-se em 2011 na sexta economia do mundo, ultrapassando o Reino Unido. Tornou-se uma vedete no mundo emergente, atraindo admiração e investimentos.
No mesmo ano, constatou-se que o país se encontra em 84º lugar no ranking de desenvolvimento humano das Nações Unidas, baseado em mescla de indicadores socioeconômicos como educação, expectativa de vida e renda média.
Tal contraste deveria bastar para conter manifestações de euforia -ou autoengano. A economia brasileira melhora, mas o país está longe de alcançar padrões civilizados de progresso material e humano.
A renda per capita do Brasil é um terço da inglesa, há quase 14 milhões de jovens e adultos analfabetos em sua população e a distribuição de riqueza é uma das piores do mundo -os 10% mais ricos detêm 42,8% da renda, e os 10% mais pobres, apenas 1,3%.
Esse cenário de assimetria é corroborado pelas estatísticas sobre a situação dos domicílios brasileiros, segundo o Censo de 2010.
Pesquisa do IBGE verificou que, nos municípios, 11% das moradias regulares convivem com esgoto a céu aberto no seu entorno -ou seja, a maioria das casas ao redor carece de fossa séptica ou ligação com a rede coletora. Na região Norte, a parcela é de 32,2%; em Belém, com 1,4 milhão de habitantes, 44,5%.
Registre-se que nem tudo são trevas nas ruas e casas da potência econômica emergente: pelo menos a iluminação pública já estava presente, em 2010, nas redondezas de 96,3% dos lares brasileiros.
Mas há vários outros sinais de deficiências urbanas. Apenas 41,5% dos domicílios do país localizam-se próximos a bueiros para escoamento de água. Entre as cidades com mais de 1 milhão de habitantes, a maior proporção de habitações com essas galerias pluviais nas proximidades (84%) foi verificada em centros do Sudeste e do Sul, como Rio e Curitiba.
Já em Fortaleza e São Luís, capitais nordestinas, o percentual cai, respectivamente, para 16,5% e 17,1%. Embora no interior do Nordeste sejam mais raras as chuvas torrenciais, não é este o caso nessas grandes cidades litorâneas -a falta de bueiros é, em realidade, mais uma evidência das conhecidas disparidades regionais.
O quadro é de subdesenvolvimento renitente na infraestrutura. Os vários níveis de governo precisam lançar mão de menos marketing e mais investimentos e parcerias com a iniciativa privada para eliminar tais descompassos em nosso modelo de desenvolvimento.
Para a Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base, o saneamento básico -redes de água e esgotos tratados- pode ser universalizado em 15 anos, ao custo de R$ 20 bilhões anuais; em 2010, último dado disponível, o investimento foi de R$ 7,5 bilhões.
Um país sem miséria é também um país sem esgotos a céu aberto.
Acesse e4m pdf: A céu aberto, editorial (Folha de S.Paulo -30/05/2012)