Falta de saneamento prejudica 27 milhões de mulheres no Brasil, diz estudo, por Amelia Gonzalez

05 de novembro, 2018

Críticos à mudança no marco legal do saneamento básico que foi aprovada às pressas por uma comissão mista no Congresso Nacional e segue agora para o plenário da Câmara afirmam que a medida provisória abre caminho para a privatização irrestrita do serviço de saneamento básico, como revela a reportagem aqui no G1. Dizem ainda que a proposta pode elevar os preços das tarifas e aumentar a desigualdade no serviço de saneamento entre as cidades mais ricas e as mais pobres.

(G1, 01/11/2018 – acesse no site de origem)

O alerta foi dado e a nós, cidadãos comuns, só nos resta esperar e acompanhar, já que os deputados e os senadores é quem decidirão. Assim é a democracia.

Mas fiquei mesmo encafifada foi com a declaração do ainda presidente Temer sobre o propósito principal da MP: “Garantir maior segurança jurídica aos investimentos no setor de saneamento básico e aperfeiçoar a legislação de gestão dos recursos hídricos”. Ora, pensei com os meus botões: não teria que ser uma preocupação com a falta de saneamento básico, que afeta mais de cem milhões de brasileiros? A declaração de Temer mostra, claramente, a prioridade ao lucro, às instituições, e um mega distanciamento das pessoas. Isto é de amargar.

Aproveito a notícia para atualizar os leitores com relação à questão do saneamento básico no país. Existe uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) chamada Instituto Trata Brasil, formada por empresas com interesse nos avanços do saneamento básico e na proteção dos recursos hídricos do país, que basicamente funciona coletando dados e informando os cidadãos sobre os progressos e os retrocessos na área de saneamento básico. O Trata Brasil existe desde 2007 e eu, na época editora do caderno Razão Social, do jornal “O Globo”, que atualizava temas ligados à sustentabilidade, noticiei quando Édson Carlos, presidente executivo, lançou o Instituto.

Seria bom que os gestores públicos se dessem ao trabalho, vez por outra, de acessar o site para rever alguns números sobre saneamento. Fiz isto nesta manhã e descobri ali um interessante estudo sobre o impacto da (falta de) saneamento na mulher brasileira. O relatório aponta que 27 milhões de mulheres, o que quer dizer uma em cada quatro no país, não têm acesso adequado à infraestrutura sanitária e ao saneamento. E a investigação principal é sobre como isto afeta a saúde dessas pessoas.

O acesso ao abastecimento de água e esgotamento sanitário tiraria imediatamente 635 mil de mulheres da pobreza, a maior parte delas negras e jovens. Além disso, o acesso ao saneamento traria ainda um acréscimo médio de R$ 321,03 ao ano na renda para cada uma dessas brasileiras, o que representaria um ganho total à economia do país de mais de R$ 12 bilhões ao ano”, diz o estudo.

Pronto. Eis um meio de unir lucro às pessoas, que com certeza não tem a ver com acumulação do capital, mas fica bem próximo aos que se quer chamar de desenvolvimento sustentável.

O economista Fernando Garcia de Freitas, responsável pelo estudo, lembra que quando há falta de água em casa, ou quando alguém da família adoece em decorrência da falta de saneamento, em geral a rotina das mulheres é mais afetada — o impacto desses problemas no tempo produtivo delas é 10% maior do que no dos homens. Além disso, a pesquisa descobriu que na idade escolar, as meninas sem acesso a banheiro têm desempenho estudantil pior, com 46 pontos a menos em média no Enem quando comparadas à média dos estudantes brasileiros.

Outro dado que causa impacto aponta que 1,5 milhão de mulheres não têm banheiro em casa e que essas brasileiras têm renda 73,5% menor em comparação às trabalhadoras com banheiro em casa.

“Os números também mostram que a falta de acesso à água tratada e ao esgotamento sanitário é uma das principais causas de incidência de doenças diarreicas, que levam as mulheres a se afastarem 3,5 dias por ano, em média, de suas atividades rotineiras. O afastamento por esses problemas de saúde afeta principalmente o tempo destinado a descanso, lazer e atividades pessoais. Meninas de até 14 anos são as maiores vítimas desse quadro, com índice de afastamento por diarreia 76% maior que a média em outras idades (132,5 casos de afastamento por mil mulheres contra 76). Já no caso da mortalidade, o déficit de saneamento é mais perigoso para a mulher idosa. Entre elas, 73,7% das mortes estão relacionadas à falta de acesso ao saneamento”.

São subsídios importantes que deveriam estar na mesa de debates sobre a criação ou não do novo marco regulatório.

E, só para não deixar cair o assunto, já que o presidente eleito está quase decidido a tirar do meio ambiente seu lugar de importância nas decisões (é disso que se trata, no fim e ao cabo, a união dos dois ministérios), é bom lembrar que o tema do saneamento básico faz parte do debate. Encerro aqui, com o conceito clássico sobre meio ambiente definido na primeira Conferência das Nações Unidas sobre o tema, realizada em Estocolmo em 1972:

“O meio ambiente é o conjunto de componentes físicos, químicos, biológicos e sociais capazes de causar efeitos diretos ou indiretos, em um prazo curto ou longo, sobre os seres vivos e as atividades humanas.”

Já a Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA) brasileira, estabelecida em 1981, diz que meio ambiente é “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”.

Portanto, é e será sempre sobre vidas humanas que estamos falando. Que os nossos gestores, legisladores, executivos, não se esqueçam disso.

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