“Seja homem!” Em pleno 2016, muitos meninos ainda escutam essa frase em casa e na rua, reiterando velhos conceitos sobre o que é ser homem: não chorar, não demonstrar afeto pelos amigos, não participar de certas brincadeiras, não perder para as meninas… Mas será que precisa ser assim? Em um mundo onde os estereótipos de gênero caducam dia a dia, não está na hora de os garotos – e, principalmente, de quem os ensina – deixarem a imagem do macho alfa para trás?
(Revista Donna, 29/08/2016 – acesse no site de origem)
Essa é a aposta de movimentos como o Já falou para seu menino hoje?, que convida os adultos a educar seus meninos para a sensibilidade e a consciência social. Criada em outubro do ano passado, a página da iniciativa no Facebook já alcançou mais de 69 mil curtidas. Além de artigos e imagens enviadas pelos seguidores, são compartilhados cards com a pergunta que nomeia o projeto (“Já falou que…”) para abrir o debate em torno de tabus e atitudes machistas.
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A página é a extensão virtual do projeto idealizado pela Escola de Ser, da cidade goiana de Rio Verde. O colégio se inspira na Escola da Ponte, referência internacional em uma educação mais democrática, incentivando os alunos a ter mais autonomia, solidariedade e responsabilidade.
– Nas assembleias da escola, eles sempre traziam situações de suas realidades: uma menina que era impedida de jogar futebol na escola, um menino que sofreu bullying por chorar, um grupo de meninas que levou advertência pelo tamanho do shortinho – conta a diretora Caroline Arcari, pedagoga e presidente do Instituto Cores, ONG que mantém a escola.
Quando foram organizadas oficinas de empoderamento feminino e os meninos se mostraram resistentes aos conteúdos, as educadoras perceberam que o caminho era explicar como o machismo também os afeta. Ao mesmo tempo em que as meninas conheciam seus direitos e possibilidades, os garotos puderam aprender a respeitá-las, tomar parte nas tarefas domésticas e desassociar a masculinidade da violência e do controle.
– É um trabalho que se complementa e se potencializa ao incluir os dois gêneros nas metas pela diminuição da violência de gênero, doméstica e sexual – avalia Nathália Borges, mestranda em Psicologia e coordenadora do projeto de Relações de Gênero no Instituto Cores.
Nas assembleias seguintes, os alunos relataram como vinham reconhecendo – e enfrentando – o machismo no seu cotidiano. Caroline cita a reação de um estudante de 11 anos quando um colega chamou sua amiga de “gostosa”: “se fosse com ele ou alguém da família dele, ele não iria gostar. Por que achou que ela gostaria?”.
– Em outra situação, quando foram questionados sobre o que os motivaria a protestar nas ruas, os meninos imediatamente responderam “contra o machismo” – diz a pedagoga.
Os frutos da iniciativa animam especialmente por ela se tratar de uma excessão no país. Denise Regina Quaresma da Silva, doutora em Educação e professora do curso de Psicologia da Universidade Feevale, pesquisa a educação sexual desde 2007 e afirma que a maioria das escolas brasileiras ainda se limita a estudar a biologia dos corpos e a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis. A falta de um olhar para a diversidade humana dificulta a ampliação dos conceitos de homem e mulher em sala de aula.
– De maneira geral, a sexualidade não encontra um espaço na escola para ser discutida e problematizada – resume Denise.
Para falar em casa
Antes mesmo que os pequenos cheguem à idade escolar, porém, os primeiros padrões de gênero se estabelecem no convívio com os pais e familiares.
– Constatamos que as crianças querem borrar as fronteiras do gênero, mas os pais não aceitam com naturalidade que os filhos brinquem de bonecas e panelinhas e as filhas, com armas e estilingues – comenta Denise.
As censuras feitas aos meninos – que normalmente buscam reafirmar uma masculinidade agressiva – tendem a prejudicar a capacidade de se colocar no lugar do outro e ter cuidado com ele.
– Se o menino aprende que chorar é “coisa de menininha” e desrespeita alguém que ele vê chorando, ele está reproduzindo o que a cultura espera dele – explica a psicóloga Claudia Petlik Fischer.
Como o comportamento das crianças é moldado em grande parte pela observação, a família têm a tarefa de educar pelo exemplo: pouco adianta ensinar o respeito à diversidade ao filho se o preconceito aparece nas atitudes dos próprios pais. Além disso, estimular os meninos a expressarem seus sentimentos é um meio de desenvolver a inteligência emocional deles – e de fortalecer a autoestima, para que não tomem decisões somente para se adequar aos amigos e outros círculos sociais.
– Se os garotos reconhecem o que sentem, eles sabem o que querem e o que não querem independentemente do grupo – pontua Claudia.
Ainda que reinventar o gênero seja um esforço coletivo, fornecer uma base sólida de empatia e responsabilidade em casa contribui para a construção de uma sociedade mais livre. E então, o que você vai falar para o seu menino hoje?
Stefanie Cirne