Igualdade de gênero não será conquista espontânea, diz representante da ONU

08 de março, 2015

(Veja, 08/03/2015) Nadine Gusman, da ONU Mulheres, reforça importância de adoção de políticas públicas e defende força-tarefa entre homens e mulheres na luta por igualdade

A desigualdade de gênero no mercado de trabalho, no Brasil e no mundo, existe desde o dia em que a primeira mulher conseguiu o primeiro emprego. No país, a diferença salarial, que revela apenas uma das facetas do problema, mostra que elas ganham, em média, 73,7% do benefício recebido pelos homens, segundo dados da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), divulgada no fim do ano passado. Tal abismo tem diminuído ao longo do tempo, mas só será efetivamente extinto com a adoção de políticas públicas e outras ações afirmativas. Esta é opinião de Nadine Gasman, representante do Escritório da ONU Mulheres no Brasil. “Se for pela vontade espontânea, ou pela consciência, demoraremos mais 80, 100 ou 200 anos para atingir a igualdade”, afirmou, em entrevista ao site de VEJA. Para Nadine, que tem mestrado em Saúde Pública pela Universidade de Harvard, os homens ainda estão à margem dessa discussão por uma questão de comodidade. “Eles acham que é uma problema das mulheres”, diz. Confira trechos da entrevista.

A última Pnad mostrou que mulheres recebem, em média, 27% menos do que homens no Brasil. O que este dado representa?

Esta é uma diferença salarial muito grande, comparada com outros países. É um tema recorrente e central na agenda da igualdade de gênero. É gritante, não só no Brasil, mas no mundo todo. Aqui no país, temos registrado avanços em outras áreas, como a educacional, mas em relação à remuneração, especificamente, as conquistas têm sido difíceis. Trata-se de uma questão histórica, com raízes na cultura e sociedade, que se expressam no mercado de trabalho, nos setores público e privado.

Além da questão salarial, quais são as principais dificuldades enfrentadas pelas mulheres no mercado de trabalho?

As mulheres têm lutado para entrar na vida pública. Temos ampliado nossa participação não apenas na educação básica, mas também superior, inclusive superando a presença masculina. Mas quando elas entram no mercado de trabalho, as oportunidades não são as mesmas – elas ingressam com salários menores e ainda têm de enfrentar diversos preconceitos de empregadores privados. A sociedade ainda não criou todas as estruturas para garantir uma vida produtiva fácil e igualitária entre homens e mulheres.

Quais são os preconceitos ainda enfrentados pelas mulheres no âmbito do trabalho?

Os preconceitos típicos. O primeiro é o que diz que contratar mulheres é mais caro. Você escuta isso o tempo todo, relacionado à gravidez, a possíveis ajustes no ambiente de trabalho, entre outras coisas. Conforme subimos na escala laboral, acentua-se a questão da competição. Em cargos de chefia, as questões subjetivas ganham espaço. Em geral, os chefes falam que as mulheres são trabalhadoras, delicadas, não se corrompem, etc., mas “tem filhos”, “podem engravidar”, entre outras questões que são usadas contra a mulher, motivadas pela competição. Isso sem falar do racismo. Mesmo que as mulheres tenham uma boa formação, quando miram o topo da pirâmide de empresas privadas, elas tendem a ganhar menos que os homens. Isso em um país em que há pouca quantidade de mulheres no comando de grandes empresas, como diretoras e CEOs. E, a tirar pela experiência internacional, à medida que se tem mais igualdade de gênero nos negócios, as economias tendem as ser mais dinâmicas e competitivas. Dados do Fórum Econômico Mundial reforçam essa tese.

Como fazer para ampliar a presença feminina na liderança de empresas?

A grande dificuldade é que, para ter mulheres em espaços de poder, os homens precisam “deixar as cadeiras”. E nem estamos na fase em que eles sentem que seus privilégios estão ameaçados, pois não há ainda uma consciência de privilégios. Estamos em um momento prévio: as pessoas ainda acham que os homens, de fato, merecem estar lá. E junto a isso, há uma ideia de que as mulheres ainda não têm capacidade e formação para ocupar posições mais altas. Com isso, concluímos que é preciso criar oportunidades e promover ações afirmativas e políticas públicas. Não tem jeito. Se for pela vontade espontânea, ou pela consciência, demoraremos mais 80, 100 ou 200 anos para atingir a igualdade. Por isso é muito importante termos políticas, acordos, fazer o esforço de dizer: “queremos um planeta com igualdade de gênero antes de 2030”, que é a mensagem da diretoria executiva da ONU Mulheres, Phumzile Mlambo-Ngcuka.

Quais são os recentes avanços conquistados pelas mulheres no país?

Há cada vez mais mulheres bem formadas, informadas e capacitadas. Há uma massa crítica competente saindo das universidades. O número é cada vez maior de mulheres no ensino superior. Precisamos, agora, que o mercado laboral esteja aberto e preparado para recebê-las em condições de igualdade em relação aos homens.

Os homens ainda estão à margem da luta por igualdade de gênero?

Sim. É bastante cômodo para eles ficar à margem dessas questões. E não porque não tenham oportunidade ou porque nunca ouviram falar sobre a questão. Eles acham que é um problema das mulheres. Tem que ter uma movimentação social, de homens e mulheres, para que haja uma conscientização de que um mundo mais igualitário é melhor para todos: é maravilhoso para as mulheres, mas também é ótimo para os homens.

Poderia citar exemplos de políticas públicas bem-sucedidas que o Brasil implantou em prol da igualdade de gênero no mercado de trabalho?

Um exemplo bastante importante é o Programa Pró-Equidade de Gênero da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM). A iniciativa faz com que empresas voluntariamente se cadastrem e promovam uma avaliação da situação de gênero no ambiente corporativo. Em um segundo momento, elas formalizam compromissos para melhorar o cenário, e, com isso, ganham um selo de compromisso com a causa. É um programa muito interessante, pois evidencia a questão de gênero e motiva o diálogo entre as empresas participantes.

O fato de termos uma presidente mulher faz alguma diferença prática na vida das mulheres?

Ter uma presidente mulher para o Brasil e para o mundo é um exemplo muito importante em diversos aspectos. O primeiro é simbólico. Saber que uma mulher pode dirigir um país é muito importante para as crianças. Ela também tem estimulado políticas públicas com o foco na inserção das mulheres em todas as atividades da sociedade, incluindo o mercado de trabalho.

Qual a perspectiva para o avanço das conquistas das mulheres no mercado de trabalho brasileiro nos próximos quatro anos?

É difícil fazer uma previsão para os próximos quatro anos. Vivemos um momento de turbulência. É fase em que as questões econômicas, que têm um impacto importante para o Brasil, estão se acomodando, em fase de transição. Mas, mesmo assim, sou muito otimista. O Brasil tem uma vocação de políticas públicas. O país consegue manter o foco em esforços para a redução da desigualdade. Se o país conseguir manter esse compromisso, os resultados serão positivos.

Luís Lima

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