Autora revela que alguns doadores impõem critérios para doação que fortalecem lógica patriarcal de controle sobre os corpos das mulheres
A inseminação caseira é uma prática que se popularizou em grupos do Facebook, WhatsApp e Telegram como alternativa ao alto custo da reprodução assistida em clínicas. O método, que consiste na introdução de sêmen sem contato sexual, é feito em casa sem a assistência de profissionais, o que aumenta os riscos para a saúde.
Mas, afinal, o que é inseminação caseira? Para responder essa pergunta, é necessário entender o que é inseminação artificial. Trata-se de um procedimento da medicina reprodutiva no qual o esperma é inserido no útero ou canal vaginal com técnicas específicas para aumentar as chances de fecundação. A inseminação caseira — ou IC, como é conhecida na internet — por outro lado, busca imitar esse processo de maneira informal, sem acompanhamento médico.
Como fazer inseminação caseira
A prática consiste em coletar sêmen humano fresco em recipientes descartáveis e transferi-lo para o útero de uma pessoa por meio de um kit de inseminação artificial caseira, que contém seringas ou cateteres, sem envolvimento de contato sexual.
Mulheres solteiras, casais heterossexuais e, principalmente, casais de mulheres lésbicas recorrem a essa opção para engravidar.
A psicóloga e pesquisadora Roberta Gomes Nunes, autora da tese de doutorado “Uma análise cartográfica da inseminação caseira: caminhos possíveis para maternidades lésbicas”, contou à CRESCER que a principal motivação para a escolha da inseminação caseira está no fator financeiro.
“O sistema público de saúde não oferece ampla cobertura para técnicas de reprodução assistida, tornando a IC uma opção viável”, explicou.
A especialista também constatou em sua pesquisa, orientada pela professora e pesquisadora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Anna Paula Uziel, que algumas mulheres optam pelo método porque buscam maior autonomia no processo reprodutivo. Entretanto, essa busca costuma esbarrar em relações abusivas.
“As mulheres enfrentam relações de poder desiguais na inseminação caseira, especialmente na interação com os doadores, que impõem muitas vezes critérios para a doação, cobram pelo sêmen ou tentam persuadir as tentantes a aceitar a ‘inseminação natural’ (relação sexual). Os doadores falam das mulheres como pessoas frágeis, desprotegidas, que serão ensinadas e guiadas por eles sobre seus corpos”, contou.
Para a pesquisadora, a presença desses abusos reforça a lógica patriarcal de controle sobre os corpos das mulheres e a ideia de que a maternidade só é legítima quando mediada por figuras masculinas.
Inseminação caseira: quais são os riscos
O ginecologista e obstetra Renato Tomioka, especialista em medicina reprodutiva da clínica Vida Bem Vinda (SP), contou que a introdução de um material biológico sem a devida avaliação pode trazer diversos riscos à saúde. “Existe a possibilidade de transmissão de várias doenças, como infecções genitais e a contaminação do sêmen por vírus como HIV, hepatites e zika, que podem afetar tanto a mãe quanto o futuro bebê. Além disso, a manipulação inadequada dos materiais pode causar traumatismos vaginais”, alertou o especialista.
A pesquisa também mostra que o envolvimento de um terceiro na concepção ainda gera questionamentos e receios. “Há desafios jurídicos para o reconhecimento da dupla maternidade sem intervenção judicial. Além disso, há o medo do envolvimento do doador na vida da criança”, diz a pesquisadora. Algumas entrevistadas optaram por não revelar que a gravidez aconteceu por IC. “Isso sugere que há um receio do julgamento. Talvez seja uma tentativa de evitar associações ao contato com uma substância masculina no próprio corpo”, reflete.