Quem passou pelo Centro de Florianópolis na tarde de ontem pôde observar uma concentração de mulheres sob duas tendas montadas no calçadão da Avenida Paulo Fontes, em frente ao Terminal Integrado do Centro (Ticen). Apesar do gênero bem definido do público, era possível identificar uma variedade de vivências. Índias, negras, camponesas, trans e lésbicas, por exemplo, estavam juntas. Eram identificadas por apetrechos como um cocar ou um chapéu de palha, mas sem deixar de vestir cores predominantemente roxas, em alusão ao movimento feminista. Todas manifestaram-se por pautas tão diversas quanto na Marcha Internacional Mundos de Mulheres, que integrou a programação do 13º Congresso Mundos de Mulheres, na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
(Diário Catarinense, 02/08/2017 – acesse no site de origem)
Para a organização do protesto, foram 10 mil participantes. A Polícia Militar, no entanto, contabiliza a metade dessa estimativa. Ambos concordam a respeito da pacificidade da marcha, que percorreu as principais ruas da região central entre as 17h e as 19h.
O movimento de mulheres negras foi convidado a puxar a manifestação. As mulheres indígenas fizeram-nas companhia, tanto na caminhada, quanto no entoamento de cânticos acerca de pautas como a violência e os preconceitos de gênero e sexualidade, o feminicídio, o direito ao aborto livre e seguro, e a desigualdade social entre homens e mulheres. Os cartazes confeccionados na Tenda Mundos de Mulheres ao longo da semana também foram levantados coletivamente.
_ Estou aqui em solidariedade ao movimento indígena, porque essa é minha origem. As índias têm sofrido muita violência. As mulheres mortas no Mato Grosso do Sul recentemente comprovam isso. Nossos direitos como um todo estão sendo retirados _ desabafou a descendente indígena Rose Piratopuia, que é bióloga e faz doutorado em antropologia na UFSC.
Homens também participaram da marcha, como Marcos Paulo Ferreira, que percorreu o trajeto sempre à frente, com as mulheres negras.
— Nós, homens, precisamos entender que também tendemos a reproduzir o machismo e o racismo contra as mulheres. E precisamos mudar essa lógica opressora contra todas elas — disse o secretário estadual da União de Negros pela Igualdade (Unegro).
Gerações diferentes de uma mesma luta
Esbarrões entre quem saía do trabalho e quem participava, uma moto que acelerou em meio aos manifestantes e uma loja que aumentou o som enquanto elas passavam foram os momentos mais críticos de todo o trajeto.
O término aconteceu no Mercado Público, com o coro puxado pela banda de mulheres negras e percussionistas Cores de Aidê, e não no Ticen, conforme inicialmente previsto. O itinerário foi encurtado para compensar o esforço de mulheres como Diles Tombini, 77, e também para não ultrapassar as 20h.
Enquanto o cortejo ia passando, a senhora chamava a atenção pela velocidade com que distribuía os panfletos que continham as pautas defendidas ao longo da marcha. Fazia questão de entregar o manifesto, principalmente, para os homens que assistiam ao movimento. Para a professora aposentada, não havia motivos para não estar ali.
— Eu sou do tempo da ditadura. Já estou acostumada a essas manifestações. É triste que ainda tenhamos que estar aqui, mas estou pelas mulheres e pela democracia _ disse a senhora sobre o protesto que coincidiu com a votação sobre o arquivamento da denúncia contra o presidente Michel Temer (PMDB) na Câmara dos Deputados.
Mais jovem, a participação da artista plástica Gabriela Goulart, 30, comprova o diálogo entre movimentos feministas de diferentes gerações e a consequente necessidade de manutenção da luta de gênero.
— Estou emocionada. É lindo, é triste e é forte. É tudo ao mesmo tempo. A gente olha para outra mulher e nem precisa dizer nada, só sentir — disse, enquanto a marcha tomava cinco quadras da rua Felipe Schmidt.
Este foi o maior protesto recente do movimento feminino em Santa Catarina. A marcha superou, inclusive, a manifestação 8M, em Florianópolis, no Dia Internacional das Mulheres, em 8 de março, quando 3 mil pessoas foram às ruas.