Estado proíbe campanhas ofensivas; multa para quem infringir a regra pode superar R$ 1 milhão
(Nexo, 13/01/2018 – acesse no site de origem)
O Estado do Rio de Janeiro tem agora uma lei que proíbe a veiculação de propaganda “misógina, sexista ou estimuladora de agressão e violência sexual”. A lei, válida para empresas com sede no estado, foi sancionada pelo governador Luiz Fernando Pezão nesta quarta-feira (10).
A multa para quem infringir a regra será determinada de acordo com o tipo de veículo em que a propaganda for veiculada (rádio, TV, impresso ou redes sociais). Os valores se acumulam se a peça for propagada em mais de um meio. A multa mais alta é para as redes sociais, de R$ 640 mil. Para empresas reincidentes, o valor é dobrado, podendo superar R$ 1,2 milhão.
“A mulher passou a ser vista como um produto a ser consumido. Assim, através dela, as propagandas fazem alusões ao erotismo em busca do consumo pelo desejo”
Enfermeira Rejane Deputada estadual (PC do B – RJ)
A lei determina que denúncias sobre propagandas sexistas sejam encaminhadas à secretaria estadual de Direitos Humanos e Políticas para Mulheres e Idosos. A pasta irá criar uma comissão para apurar as acusações. Ela será formada por 13 pessoas, entre elas representantes da Defensoria Pública do Estado, do Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária), do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher e do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos.
Os critérios para definir se uma propaganda infringe ou não a lei ainda não foram definidos. Determinar o que é sexista ou não deve ser um dos desafios para a aplicação da lei, já que nem sempre há uma única leitura sobre o significado de determinados conteúdos publicitários. Isso aconteceu, por exemplo, em 2016, com uma campanha do Boticário.
Na justificativa do projeto de lei, a autora, deputada estadual Enfermeira Rejane (PC do B-RJ), afirma que a iniciativa “não outorga ao governo qualquer poder de censura”.
O projeto de lei foi assinado por outros 39 parlamentares. A deputada afirmou, segundo a Alerj, que a lei é necessária para criar ferramentas de combate ao machismo. “É muito comum vermos na mídia empresas utilizando o corpo da mulher para vender seus produtos. Usam de forma sexista, menosprezando a mulher. Esse projeto visa combater essa prática apurando e educando.”
Publicidade sexista
As críticas e o debate sobre o sexismo na indústria publicitária, responsável por R$ 358 bilhões do PIB brasileiro, vem ganhando corpo nos últimos anos. O Brasil ocupa, hoje, o 6º lugar em investimento publicitário no mundo. Há denúncias sobre sexismo não apenas na criação das campanhas como também no próprio mercado publicitário, onde haveria baixa representatividade feminina e perpetuação de atitudes machistas no ambiente profissional. Nesse contexto, diversas campanhas foram denunciadas por ter cunho sexista, embora não haja consenso sobre algumas. Veja abaixo:
1.Cervejarias
As cervejarias foram apontadas diversas vezes como um setor que promovia campanhas publicitárias sexistas. Em 2015, a Ambev retirou do ar uma campanha da Skol que trazia frases como “esqueci o não em casa”. As peças foram suspensas após usuários de redes sociais reclamarem que o conteúdo era sexista e poderia ser visto como um incentivo ao estupro.
No Dia Internacional da Mulher de 2017, a Ambev, dona da Skol, assumiu que havia errado no passado e chamou ilustradoras para refazer algumas campanhas do passado. “Já faz alguns anos que algumas imagens do passado não nos representam mais”, afirmou a empresa em um post publicado no Facebook.
Outras cervejarias têm alterado o tom de sua comunicação, em resposta à mudança de recepção do público. Mas isso não significa que o problema tenha acabado. Em fevereiro de 2017, a cervejaria Irada! fez uma campanha que prometia chope grátis a mulheres que fizessem topless na praia. Nas redes sociais, a empresa foi acusada de propagar “machismo oportunista disfarçado de pauta feminista libertária” e teve que pedir desculpas. A cervejaria se desculpou.
2.Ministério da Justiça
Em 2015, o Ministério da Justiça também teve que suspender uma propaganda acusada de sexismo e misoginia por usuários de redes sociais. A campanha “Bebeu, Perdeu” pretendia conscientizar jovens sobre os perigos do consumo excessivo de bebidas alcoólicas.
Um cartaz da campanha divulgado nas redes sociais dizia “Bebeu demais e esqueceu o que fez? Seus amigos vão te lembrar por muito tempo.” O cartaz era ilustrado com a imagem de uma garota, com um celular nas mãos. Ao fundo, duas jovens riem, também segurando um aparelho. Diversas pessoas afirmaram que a campanha culpava as vítimas pelo seu sofrimento, ao associar o vazamento de vídeos íntimos e o abuso sexual ao comportamento dela.
3.Boticário
Uma campanha do Boticário, veiculada em 2016, dividiu opiniões entre o público. A propaganda mostrava mulheres reais e recém-separadas, que falavam sobre os motivos do término. Depois, elas apareciam maquiadas para assinar o divórcio, e a câmera focava na expressão dos homens ao vê-las arrumadas.
Diversas pessoas denunciaram a peça ao Conar, alegando que o comercial reforçada estereótipos de gênero, sugerindo que a beleza física era o único fator importante na manutenção do casamento. Para outras pessoas, porém, a peça apenas mostrava a importância da auto-estima e da segurança em momentos delicados da vida de uma mulher. O Boticário disse que a intenção da campanha era mostrar que as pessoas se sentem mais seguras quando estão bonitas.
4.Corpo de praia
Em 2015, um anúncio de um suplemento alimentar para emagrecimento veiculada no metrô de Londres gerou protestos na cidade. A propaganda pergunta se as mulheres “já estavam com o corpo pronto para a praia”, e mostrava uma modelo magra de biquíni. A peça foi interpretada como promoção de um corpo inatingível, em uma sociedade que já exige que as mulheres sejam magras demais.
Diversas pessoas reagiram escrevendo, nos cartazes, que todos os corpos estavam prontos para ir à praia. Após receber reclamações de que a campanha objetificava mulheres, o órgão responsável pela regulação da propaganda no país decidiu proibir sua veiculação. A Protein World, responsável pelo produto, não se desculpou publicamente.