Atriz fará espécie de Mulher Maravilha do sertão na série ‘Onde nascem os fortes’, da Globo. Ela sofreu com a imagem na adolescência e diz que feminismo a ajudou a se conhecer
(El País, 24/12/2017 – acesse no site de origem)
Alice Wegmann passou anos sem usar regata. Na visão distorcida de sua própria aparência, o decote da camiseta expunha o que ela mais odiava. Os ombros e braços ela julgava excessivamente fortes após anos de ginástica olímpica. Chegou a desistir de sair de casa algumas vezes, fez dietas da moda. Não fosse tão comum a narrativa de pena infligida e autoinfligida às mulheres e seus corpos desde jovens, a história não pareceria de forma alguma pertencer à protagonista da série Onde nascem os fortes, prevista para estrear na Globo em abril.
Com os cabelos curtos afetados pela brisa forte do sertão paraibano, a atriz conversou com o EL PAÍS sobre o papel na produção em uma noite de dezembro. Falava do trabalho de uma maneira íntima, como se ele fosse parte de uma jornada sobre seu corpo, a história desse corpo e das mulheres à sua volta. “Minha preparação para o papel veio anos antes, muitos antes. Eu treinava sete horas por dia na ginástica olímpica. Fiz street dancing, pulei de asa delta. Sabia que isso ia me servir um dia.”
Em parte, foi precisamente por causa de seu vigor e atuação física que ela acabou escolhida, e de última hora, pelo diretor artístico José Luiz Villamarin para viver Maria na série de 53 capítulos _algumas cenas chegaram a ser gravadas com outra neoestrela global, Pâmela Tomé. Os cabelos curtos de Wegmann já são uma transformação para encarnar a personagem, espécie de Mulher Maravilha do sertão, cruzamento de Maria Bonita e Diadorim. Na história, Maria se embrenha pela região natal da mãe, lá perde a pista do irmão e se transforma na luta para encontrá-lo, sem nem mesmo abrir mão de pegar em armas.
“A bandeira do feminismo eu levanto com muito orgulho e tem feito eu me entender cada vez mais, me aceitar e me amar cada vez mais, entender o feminino”, reflete. “Eu tenho uma força dentro de mim. Dentro dessa divisão tradicional do masculino e feminino, eu sempre me via com um lado masculino (por causa dessa força). Agora eu entendo meu feminino como força”, conta ela no hotel-fazenda a 100 de km de Campina Grande onde a maior parte dos atores está concentrada desde o fim de outubro para as filmagens.
Em uma das fortes cenas já gravadas, a personagem de Wegmann é vítima de uma tentativa de estupro e a repetição exaustiva da gravação da tomada também a fez pensar. “Eu só conseguia pensar nas mulheres que eu conheço que já passaram por coisas parecidas. Cada vez que ele puxava meu cabelo, eu pensava: Joana, Isabel, Maria… Pensava nos nomes de todas as mulheres fortes que passaram pela minha vida”.
É então incontornável perguntar como ela viveu a denúncia de assédio feita por uma figurinista contra o ator José Mayer, afastado da Globo em meados do ano, e se ela acompanha as escabrosas histórias contadas por atrizes que conviveram com o megaprodutor de Hollywood Harvey Weinstein. A atriz de 22 anos responde que as mulheres na Globo continuam mobilizadas para lutar contra o assédio e outras formas de machismo após Mayer. “A campanha #meuprimeiroassédio foi para mim um grande um grande marco”, segue, dizendo nunca ter sofrido situações de assédio no trabalho. Já nas ruas ela diz que não faltam exemplos, e conta o episódio em que ficou aterrorizada com o ataque de um homem que resolveu se masturbar na frente dela e das amigas. “Estou falando do Jardim Botânico. Imagina as mulheres no transporte público, sem ter para onde correr.” “Não é só na ginástica. Não é só na Globo, não é só no meio. Meu irmão trabalha com economia. Eu sei que nesse ramo tem muito assédio. Tem seleção de mulheres pela aparência. A gente é uma janela para que as pessoas vejam e falem sobre isso.”