(Carta Capital, 26/08/2014) A legislação eleitoral é sucinta quanto à participação de candidatos em entrevistas, programas, encontros ou debates no rádio, na televisão e na internet durante o período eleitoral. Cabe às emissoras o dever de “conferir tratamento isonômico” aos postulantes ao cargo. O grande número de candidatos, no entanto, faz com que as emissoras adotem novos critérios para cobrir as atividades de campanha de cada um deles. A alternativa encontrada pelos veículos é dar espaço diário aos nomes que têm bom desempenho nas pesquisas de intenção de voto, o que costuma causar a ira dos partidos pequenos.
Essa polêmica ganhou novas proporções depois que a TV Globo decidiu cobrir apenas as atividades de campanha dos candidatos que tivessem pelo menos 6% na última pesquisa de intenção de voto. Desta vez, além dos nanicos, a decisão afetou o candidato do PT ao governo de São Paulo, Alexandre Padilha. Com a medida, o indicado por Lula perdeu espaço diário nos telejornais locais da emissora. Isso quer dizer que, em São Paulo, a emissora carioca exibe todos os dias apenas as agendas políticas do governador do Estado e candidato à reeleição, Geraldo Alckmin (PSDB), e do candidato do PMDB, Paulo Skaf. O restante ganha espaço conforme um sistema de rodízio estabelecido pela Globo.
A situação fez o PT levar o caso à Justiça. A legenda de Padilha ingressou com representação com pedido de liminar no Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo e argumentou que as emissoras são concessões públicas. Elas não poderiam, argumenta o PT em nota oficial, “ser usadas para beneficiar esse ou aquele candidato, essa ou aquela candidatura; devendo pautar sua atuação durante as eleições pela imparcialidade”.
O PT se baseia, principalmente, em caso parecido das eleições municipais, há dois anos. “Em 2012 a TV Globo também tentou limitar a participação de postulantes à Prefeitura de São Paulo e a Justiça julgou que todos os candidatos teriam o mesmo direito à cobertura diária da emissora”, explicou o partido no comunicado à imprensa. Apesar dessa decisão anterior, o caso ainda está longe de ter uma jurisprudência. Na realidade, há muita divergência entre advogados e juízes, especialistas em direito eleitoral.
A reportagem conversou com a vice-presidente do Superior Tribunal Federal (STF), ministra Carmen Lúcia, sobre o assunto. Ela presidiu o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por aproximadamente dois anos e defende que as emissoras podem, sim, usar “dados oficiais” para selecionar os candidatos considerados mais importantes pela sociedade. “É um critério, não sei é o melhor, nem se é o único, mas essas pesquisas normalmente ajudam, sim, a ter pelo menos uma ideia daqueles [candidatos] que podem importar mais, então acho que continua sendo uma boa alternativa”, afirma. “Aliado a outros, esse (critério) pode conduzir a uma igualdade de oportunidade do eleitor, senão do candidato, do eleitor com certeza”, disse Carmem Lúcia após dar palestra em evento da Associação Nacional de Editoras de Revistas (ANER).
Essa forma de fazer a cobertura eleitoral não é unanimidade, no entanto, nem entre os veículos de imprensa. CartaCapital procurou as principais emissoras de TV aberta, concorrentes da Rede Globo, para saber como cada uma delas irá fazer a cobertura jornalística das eleições. O SBT e a Rede TV não quiseram informar se haverá ou não algum critério para expor os candidatos. Já a TV Record e a TV Bandeirantes enviaram nota em que garantem que mesmo os candidatos menos expressivos terão espaço regular na grade de programação, seja por meio de debate, cobertura diária ou entrevistas. Não há nenhum mecanismo de controle, no entanto, que garanta que todas estão cumprindo a legislação.
Segundo o advogado Alberto Rollo, que já defendeu candidatos com o ex-deputado Carlos Apolinário (PDT), o comum é que os políticos recorram à Justiça quando se sentem lesados. Na opinião dele, no entanto, a Justiça brasileira não costuma dar ganho de causa aos candidatos e, sim, às emissoras. “Existe isonomia, e quando alguém é prejudicado reclama. Eu perdi [na Justiça] duas vezes. Eu acho que realmente é válido. Quem tem de participar são os principais mesmo. O resto é chatice”, resumiu.
A advogada Vânia Siciliano Aieta, do escritório Siqueira Castro, explica que o entendimento dos magistrados em favor das redes de TV e rádio leva em conta o fato de que várias emissoras fazem acordo com os partidos antes do início das eleições para explicar os critérios estabelecidos e oferecer compensações aos candidatos que estão fora da linha de corte, com o objetivo de combinar com todos os envolvidos no processo eleitoral. Para ela, quando há esse tipo de conduta já está cumprido o princípio de isonomia.
“Sempre foi assim [acordos entre TVs e partidos]. Acho que é isso que leva a emissora a ganhar [na Justiça]. A emissora tem toda razão. Você tem de criar um critério. A isonomia é respeitada no momento em que a emissora chama todos [partidos] para fazer um acordo”, argumentou antes de alertar para a importância dessa conduta. “Se [a emissora] não chamou para o acordo, aí sim não se cumpriu o princípio de isonomia”, complementou.
A reportagem insistiu, mais de uma vez, com a assessoria de imprensa da Rede Globo para saber se foi feito algum tipo de acordo como esse com a equipe de campanha de Alexandre Padilha, antes do ex-ministro da Saúde estacionar nas pesquisas de intenção de voto. A emissora carioca, entretanto, se negou a responder o questionamento.
Renan Truffi
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