Comunicação: veículos públicos mostram diferencial, mas buscam ser reconhecidos

26 de setembro, 2014

(Agência Brasil, 26/09/2014) “Possibilitar que os cidadãos consigam se comunicar por meio do rádio em locais onde eles não têm outro acesso à comunicação, porque não tem sinal de internet, celular não pega, nem televisão”. Esse é, para Mário Sartorello, gerente da Rádio Nacional da Amazônia, o papel da instituição, uma das nove emissoras públicas produzidas pela Empresa Brasil de Comunicação (EBC).

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Criada por meio da Lei 11.652, de 2008, a EBC é hoje a principal expressão do sistema público de comunicação. Ainda em construção, esse sistema só veio a ser regulamentado com o estabelecimento da norma, embora a Constituição Federal, que estabelece a complementariedade dos sistemas público, privado e estatal, já apontasse a sua necessidade.

“Até então, você tinha experiências regionais de emissoras não comerciais, a maioria delas não era pública, era estatal, eram veículos vinculados aos governos dos estados”, destaca o professor da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) Laurindo Lalo Leal Filho.

O atraso na criação do sistema público e o fato de o Brasil ter, historicamente, privilegiado os meios comerciais deixaram algumas lacunas no modelo de comunicação do país. Uma delas é a pouca clareza sobre o caráter diferenciado dos veículos públicos.

Para o diretor-geral da EBC, Eduardo Castro, a população ainda precisa se apropriar desses meios. “Essa é, talvez, a coisa mais importante: essa percepção da população de que isso aqui é um meio de comunicação de todos nós brasileiros. Cada um de nós tem um pedaço e o país como um todo é o dono dele, na sua integralidade”, destaca.

De acordo com a legislação, o sistema público tem o objetivo de promover acesso à informação por meio da pluralidade de fontes de produção e distribuição do conteúdo; produzir conteúdos educativos, artísticos, culturais, científicos e informativos; estimular a produção regional e independente, dentre outros.

Para tanto, deve ter “autonomia em relação ao governo federal para definir produção, programação e distribuição de conteúdo no sistema público de radiodifusão”, bem como garantir “participação da sociedade civil no controle da aplicação dos princípios do sistema público de radiodifusão, respeitando-se a pluralidade da sociedade brasileira”.

Esses princípios norteiam a programação dos veículos, que privilegiam programas infantis, jornalísticos, culturais e de debates. Embora todos os especialistas consultados pela Agência Brasil apontem que esse modelo ainda precisa ser consolidado, inclusive para garantir mais independência em relação aos governos, é possível perceber diferenças na cobertura, que tem como foco o cidadão, independentemente de aspectos comerciais.

O exemplo europeu

Especialista em estudos sobre comunicação pública, Laurindo Leal Filho acredita que, desde a criação da EBC, o debate sobre os meios públicos tem crescido no Brasil. Uma diferença significativa em um país em que “muitas gerações nasceram e morreram achando que a comunicação é um negócio privado”.

Ele compara a situação com a vivenciada no continente europeu, onde, desde o surgimento do rádio, na década de 1920, os estados nacionais tomaram para si a incumbência de promover a radiodifusão. O caso mais emblemático é o da britânica BBC, do qual se destacam os dois elementos centrais para que um veículo possa efetivamente ser considerado público, na avaliação do professor: a legislação e os mecanismos para garantir a participação social.

“No caso da BBC, a participação é alta por meio dos conselhos, dos mecanismos e órgãos reguladores que eles têm para que o público possa intervir no meio público e, principalmente, pelo financiamento, que é todo feito pelo público”, explica.

Para financiar a produção e a transmissão de TV, dos serviços de rádio e internet oferecidos à população pela BBC, é cobrado um imposto anual por domicílio que tenha aparelho de televisão. O valor, que vai diretamente para os cofres da empresa, está em torno de R$ 550.

“Isso tem dois aspectos. Primeiro, o aspecto da independência total em relação ao governo e ao Estado. E, em segundo lugar, gera no público um sentimento de poder sobre a BBC. Se eu pago, eu exijo qualidade. Há um estreitamento muito grande da relação entre o cidadão e a empresa. As cobranças são muito fortes, e há espaços para que elas sejam feitas, tanto na mídia quanto em mecanismos que facilitam essa interlocução dos cidadãos com a BBC”, detalha Laurindo Leal.

O caso britânico não é o único. Alemanha, França, Canadá, Argentina, Colômbia, Portugal e Japão, entre outros países, também têm meios de comunicação sem fins comerciais. A forma como se relacionam legalmente com o Estado e como angariam recursos difere em cada caso. Alguns não podem veicular publicidade para não comprometer o conteúdo público com a busca pela audiência e a veiculação de propagandas. Outros sistemas adotam a publicidade, como as emissoras da Alemanha, que também cobram taxas anuais pela prestação dos serviços.

Os desafios institucionais dos veículos brasileiros

No Brasil, um dos desafios para a consolidação do sistema público é a diversificação das fontes de renda, segundo Eduardo Castro. Hoje, aEBC, por exemplo, recebe recursos do Estado, via Secretaria de Comunicação Social, bem como de serviços que presta, como produção de publicações, e ainda com a exibição de apoio institucional, já que a empresa é proibida por lei de veicular propaganda.

De acordo com Eduardo Castro, essa diversificação será maior a partir da arrecadação dos recursos da Contribuição para o Fomento da Radiodifusão Pública, instituída pela lei que criou aEBC.

Segundo a norma, os recursos da contribuição, formados por um percentual do Fundo de Fiscalização de Telecomunicações (Fistel), devem ser divididos da seguinte forma: 75% para a EBC; 2,5% para a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), que recolhe a taxa, e 22,5% para as demais emissoras públicas. A forma como será feita a distribuição para as demais emissoras ainda não foi definida.

Desde 2009, os valores vinham sendo depositados em juízo, devido a contestação das empresas de telecomunicações. Após disputa judicial, os recursos começaram a ser liberados no ano passado. Apenas a liberação dos depósitos da empresa TIM aportará cerca de R$ 320 milhões, que irão para a Conta Única do Tesouro Nacional. Será preciso, agora, garantir o envio às emissoras.

Outra meta da empresa é ampliar a participação social. Hoje, a EBC tem um Conselho Curador que é formado, segundo composição descrita em lei, por 22 membros: 15 representantes da sociedade civil, quatro do governo federal (ministros da Educação; Cultura; Ciência, Tecnologia e Inovação e Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República), um da Câmara dos Deputados, um do Senado Federal e um funcionário da própria empresa.

Embora os representantes da sociedade civil sejam indicados e recebam votos de outras entidades, cabe à Presidência da República indicar os representantes que assumirão o conselho. Um modelo que, na opinião de Laurindo Leal, limita a participação. O Conselho Curador da EBCtem atuado frequentemente com a sociedade, promovendo audiências públicas, reuniões abertas e debates sobre temas diversos, como a qualidade da cobertura, a autonomia no conteúdo e na participação. A instância também opina e interfere na elaboração de avaliações e metas da empresa.

A existência de conselhos como o da EBC deveria ser uma das marcas das emissoras públicas. No entanto, poucas são as que têm conselhos eleitos e atuantes, lamenta o presidente da Associação Brasileira das Emissoras Públicas, Educativas e Culturais (Abepec), Pedro Osório.

Ele defende a criação de normas para organizar a atuação dessas emissoras, diferenciando-as dos meios estatais, especialmente nos casos de veículos ligados a administrações estaduais e municipais.

Digitalização: problema ou possibilidade de ampliação?

Osório também destaca a preocupação com o processo de transição para o universo digital, porque emissoras espalhadas por todos os estados do país enfrentam “grande dificuldade de migrar para a tecnologia digital, seja por falta de recursos para a compra de equipamentos ou por falta de quadro técnico atualizado no sentido de viabilizar um projeto de digitalização”.

Para resolver a situação, ele defende políticas públicas voltadas a esse segmento, com o incentivo à formação tecnológica e a abertura de linhas de crédito específicas para a aquisição de equipamentos. Sobre financiamento, ele diz que é necessário ampliar as formas de contribuição da sociedade na gestão e manutenção desses veículos, de modo que, além de serem sustentáveis, possam ser públicos de fato.

Um problema ainda maior chegou a ser enfrentado por esses meios. Na discussão do leilão da faixa de 700 mega-hertz (MHz), que será utilizada para oferta de internet em alta velocidade, a 4G, organizações como o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) alertaram para a possibilidade de os canais públicos perderem lugar no espectro. Em maio deste ano, o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, garantiu que as emissoras terão espaço garantido.

O presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), João Rezende, diz que a digitalização não vai interferir nos meios de comunicação existentes. “[Foram feitos] regulamentos de interferências, estudos de replanejamento de canais no Brasil inteiro, e todo mundo que está hoje [na faixa] está garantido. Ninguém vai ficar fora do ar”, diz. Ele aponta ainda que essa é uma janela de oportunidades para esses meios, já que apenas eles podem praticar a multiprogramação. “Um canal hoje, que é analógico, é um canal. No digital, você pode fazer oito. É um ganho violentíssimo”, avalia.

Diante desse cenário, o diretor-geral da EBC aponta que a digitalização pode ampliar o alcance dessas emissoras. Em 2013, segundo dados oficiais, a empresa chegou a 3.580 cidades brasileiras. A Rede Nacional de Comunicação Pública de Televisão, encabeçada pela empresa e que conta com veículos universitários e educativos, ampliou seu alcance para 55 geradoras e 728 retransmissoras de TV.

“Com a mudança para o digital, tem mais gente nos procurando. A gente já começa a discutir como vai ser a rede do futuro da EBC, essa rede analógica que temos hoje em dia não vai atender às necessidades quando toda digitalização tiver executada, quando a migração estiver pronta. É algo que já nasceu, já está aí, mas, de certa forma, está sendo rediscutido por causa das mudanças de cenário que são impostas para a comunicação como um todo”, destaca Castro.

Acompanhe

Na segunda-feira (29), a Agência Brasil dará destaque às mudanças no cenário das telecomunicações. Da telefonia à internet, o setor se renova a cada instante e é pressionado para que os serviços sejam universalizados com qualidade.

Helena Martins

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