Conar puniu sete peças publicitárias por denúncias de machismo em 2016

11 de abril, 2017

#chegadeassedio, #meuamigosecreto, #meuprimeiroassedio. As hashtags mostram que a luta pela igualdade de gênero da atual era da informação não está só nas manifestações de rua, mas dentro meios digitais.

“O Facebook hoje é um grande balcão das denúncias no mundo”, afirma Marina Negri, professora do Departamento de Relações Públicas, Propaganda e Turismo da ECA (Escola de Comunicações e Artes) da USP (Universidade de São Paulo)

(UOL, 11/04/2017 – acesse no site de origem)

Com o alastramento das informações e formação de coletivos feministas proporcionados pelas redes sociais, especialistas em publicidade e gênero entrevistados pelo UOL afirmam que a sociedade passou a ser mais sensível às temáticas relacionadas aos direitos humanos, algo que se reflete diretamente na maneira como a publicidade trata a figura da mulher.

Tanto que, no ano passado, sete propagandas foram punidas pelo Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) por terem elementos considerados machistas, que objetificam o corpo da mulher e/ou desrespeitam a condição feminina.

O número pode parecer pequeno, mas há dez anos nenhuma das denúncias que foram julgadas pela entidade, sobre essa matéria, geraram punição.

Por ser um órgão de classe, o Conar não aplica multas, por exemplo, quando um anunciante é condenado, mas a empresa condenada se vê obrigada a sustar ou alterar a peça publicitária, penalidades que podem ser agravadas com uma
advertência, afinal a imagem é a alma do negócio.

Os processos relacionados a machismo julgados pelo Conar cresceram 87,5% em dez anos, se comparados os dados de 2006 e 2016. Dos casos julgados em 2006, oito denunciavam alguma forma de machismo contido em peças publicitárias.

Considerando os anos de 2006, 2011 e 2016, o número total de processos julgados pelo Conar por diversas motivações variou 10% nos referidos anos, passando de 279 em 2006 para 309 em 2016 – alcançou 321 julgamentos em 2011.

O levantamento foi feito pelo UOL com base nos dados sobre casos julgados divulgados no site do Conar. O UOL analisou as denúncias classificadas nos subgrupos de “Respeitabilidade” e “Responsabilidade Social” nos anos de 2006, 2011 e 2016.

Os dados analisados mostram que o consumidor está fiscalizando mais as publicidades veiculadas pela imprensa.

Para se ter uma ideia, dos 308 processos instaurados em 2016 pelo Conar, 196 foram motivados por consumidores. Dez anos antes, 81 dos 303 vieram de queixas de público. Apesar de representar uma pequena parcela dos casos, quando o tema é machismo, o consumidor se mostra mais ativo do que na média das reclamações julgadas. Em 2016, os consumidores deram origem a 14 dos 15 casos julgados sobre machismo.

Denúncia não fica só em “textão” no Facebook; vai parar no Conar

Dos sete processos que geraram algum tipo de punição (sustação ou alteração, podendo ou não ter uma advertência como agravante) no Conar no ano passado, seis resultaram de denúncias de consumidores.

Editora Minuano tirou anúncio do ar depois que o Conar abriu um processo contra ela, motivado por queixas de consumidores

Editora Minuano tirou anúncio do ar depois que o Conar abriu um processo contra ela, motivado por queixas de consumidores

Em um deles, uma peça publicitária divulgada na internet e em revistas trazia uma foto de uma mulher passando o aspirador de pó enquanto o marido lê o jornal e toma café. No anúncio, há estimativas de gastos também com profissionais que fazem trabalhos domésticos e a seguinte frase: “Casar com uma mulher que não cobra nada disso, não tem preço”.

A propaganda foi denunciada por consumidoras de Manaus (AM), Porto Alegre (RS), Rio de Janeiro (RJ), Santos e Campo Limpo Paulista (SP) e Florianópolis (SC), segundo texto da representação nº: 225/15 no Conar.

Em sua defesa, a editora Minuano informou que suspendeu a veiculação do anúncio assim que foi notificada da abertura da ação pelo Conar. O caso foi julgado em fevereiro do ano passado pelos membros do Conselho de Ética, que votaram pela sustação da peça, ou seja, a retirada dela dos veículos de comunicação.

Outro exemplo foi o da sustação de uma propaganda feita para redes sociais da marca Prudence. Em outubro do ano passado, o Conar condenou o anunciante a tirar do ar peça publicitária após consumidoras denunciarem seu conteúdo. O anúncio tinha como título “Feliz dia do: Relaxa, eu vou pôr só a cabecinha” e segundo as queixas era “desrespeitoso, machista, misógino, além de fazer apologia do estupro”.

Prudence tirou propaganda de rede social após denúncias de consumidoras feitas no Conar

Prudence tirou propaganda de rede social após denúncias de consumidoras feitas no Conar

A DKT, fabricante da Prudence, alegou em sua defesa que, por ter sido veiculado na rede social da empresa, “ele é dirigido exclusivamente a quem deseja, de fato, visualizá-lo”, negou razão às denúncias, considerando que o título do anúncio é uma frase comumente usada nas ruas, “que alguém poderia, no máximo, considerar de mau gosto”.

A relatora afirmou que jovens poderiam acessar a página do anúncio e, ao se depararem com o anúncio, “entender como natural e aceitável o desrespeito à eventual resistência apresentada por uma mulher que não quer prosseguir com a
relação sexual”. A sustação foi votada em unanimidade.

Segundo especialistas ouvidos pelo UOL, as denúncias no Conar são reflexo do aumento das discussões sobre temas ligados aos direitos humanos proporcionado pelas redes sociais.

Até abril de 2016, só o Facebook tinha um total de mais de 102 milhões de usuários brasileiros ativos mensalmente — a rede social foi criada em 2004, e em 2006 tinha cerca de 12 milhões de usuários no mundo.

Carlos Frederico Lúcio, antropólogo e coordenador da ESPM Social, afirma que as redes sociais fizeram com que certas discussões se alastrassem, auxiliando na formação de coletivos feministas, LGBTs. “Elas mobilizam as pessoas em torno de uma discussão e são plataformas de denúncias. Além disso, as mídias digitais têm mobilizado grande volume de informação, divulgando censos, pesquisas, denúncias”, afirmou.

O nível de exigência aumentou e a publicidade está atenta a isso

A força das redes sociais e a divulgação dos debates que estão acontecendo dentro delas por parte da grande imprensa têm aumentado os níveis de exigência dos consumidores, segundo Lúcio.

Marina Negri diz que a publicidade também está atenta a essas mudanças. “Existe a tendência de pensar que a publicidade é inovadora, que ela lança tendências. Mas ela é mais covarde do que se pensa. Não é protagonista, ela se adapta às tendências”, diz.

Lúcio coordena um projeto de propaganda consciente na ESPM que premia empresas cujas peças publicitárias se mostram antenadas com as causas dos direitos humanos e de responsabilidade social — o prêmio Renato Castelo Branco.

“O projeto tem mais de dez anos. Os estudantes têm visualizado um crescimento muito grande de propagandas que expressam conexão com o que vem sendo debatido pela sociedade, que tem uma postura crítica”, afirma.

A Verão de 2014, da Itaipava, não é a mesma de hoje

Os especialistas citam como exemplo das mudanças que vêm ocorrendo nas propagandas de cerveja. “A mulher tem aparecido como sujeito da ação. É uma mudança que vem ocorrendo nos últimos seis, sete anos”, pontua Lúcio.

Verão mudou, mas comercial da Itaipava continua motivando denúncias no Conar. Quatro filmes da marca responderam processos em 2016

No ano passado, quatro comerciais para TV e internet da cerveja Itaipava, do Grupo Petrópolis, foram alvos de processos no Conar. Os vídeos foram divulgados entre dezembro de 2015 e maio de 2016. Em todos os casos, os consumidores se queixaram do “abuso na exposição do corpo da mulher e da sensualidade”. O Conselho de Ética votou pelo arquivamento dos processos.

As denúncias acontecem mesmo tendo havido mudanças na maneira como a personagem Verão, vivida pela atriz Aline Riscado, é apresentada nas peças.

Para a gerente de propaganda do Grupo Petrópolis Eliana Cassandre, o aumento das reclamações no segmento mostra que o nível de exigência aumentou e que isso é muito bom para a marca. “As pessoas estão dizendo o que elas acreditam, estão sendo críticas. É o jeito delas de discutir e cobrar. Estamos atentos ao que elas têm a dizer, conversando, fazendo pesquisas para tentar entender esse consumidor”, explica.

Segundo ela, se os consumidores estão entendendo que a propaganda passa uma mensagem errada, então é preciso mudar a forma de fazer a propaganda. “Na primeira campanha, Aline aparecia de biquíni segurando o produto, inclusive nos pontos de venda. Hoje ela não aparece mais nos cartazes. Continua sendo a nossa garota propaganda nos comerciais de televisão, agora como coadjuvante das histórias de verão”, explica Cassandre.

Para a gerente de propaganda do grupo, o público mudou e a marca mudou junto com ele. “O consumidor de hoje não é só consumidor, é produtor de conteúdo. As redes sociais mostram isso. Ele quer ouvir uma história com a propaganda, quer que a mensagem vá além da marca. Estamos sempre de olho no que ele está falando”, acrescenta.

“Essa guerrilha ainda vai durar um tempo”

Mudanças estão acontecendo, mas a sociedade brasileira ainda é conservadora, segundo Marina Negri, da USP. Segundo ela, vivemos hoje um momento de transição. “Essa transição vai custar um preço. Tem gente que vai se magoar, que vai aplaudir. Essa guerrilha ainda vai durar um tempo. Nesse processo, a publicidade pisa em ovos para que a marca não seja malvista, para não gerar perda”, acredita.

O presidente da Abap (Associação Brasileira de Agências de Publicidade), Armando Strozenberg, no entanto, não acredita que essas mudanças causem pressão dentro das agências de publicidade durante o processo criativo das propagandas.

Veja como denunciar no Conar e como a queixa é analisada

Quem se sentir ofendido por propagandas divulgadas em qualquer veículo de comunicação pode formalizar uma denúncia no site (http://www.conar.org.br/) do Conar.

Se ela se encaixar em algum (ou alguns) dos artigos do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, é aceita e motiva a abertura de um processo. Se houver várias denúncias sobre a propaganda em questão, elas são anexadas a um mesmo processo.

Um relator é escolhido dentro do Conselho de Ética. O caso é analisado e vai para julgamento em primeira instância. Se a decisão for desfavorável para o anunciante, cabe recurso, mas ela tem efeito imediato. Na segunda instância, e a decisão for unânime, o caso se encerra. Se não, vai para votação na plenária do Conselho.

Segundo a assessoria de imprensa do Conar, todos os processos instaurados costumam ser julgados no mesmo ano.

Mithyani Bezerra

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