Em audiência pública no senado, FNDC e outras organizações da sociedade civil denunciaram a inconstitucionalidade da matéria que desestrutura a EBC e a comunicação pública no país
(FNDC, 29/11/2016 – acesse no site de origem)
A Medida Provisória 744/16 fere a Constituição Federal na questão formal e no mérito e por isso deve ser rejeitada pelo Congresso Nacional. Esse foi o principal ponto de convergência entre as entidades presentes na audiência pública que discutiu o tema nesta terça (29/11), no âmbito da Comissão Mista que analisa a matéria no Senado. A MP altera a Lei 11.652/08, que cria a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e institui os princípios da comunicação pública, extinguindo Conselho Curador da empresa e o mandato do diretor-presidente, além de alterar a composição do seu Conselho de Administração (Consad).
VEJA AQUI:
NOTA PÚBLICA – Pela rejeição da MP 744 e em defesa da EBC pública e independente
A jornalista Renata Mielli, coordenadora geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), foi uma das participantes do debate. Mielli questionou qual é a situação relevante e urgente que possa justificar uma intervenção estatal na EBC por meio de medida provisória. “Essa MP tem um caráter político de intervenção, de capturar uma comunicação que fazia uma cobertura diferenciada dos fatos e que prezava pela liberdade de expressão. Portanto, o FNDC é contra essa Medida Provisória. Esperamos que o Congresso Nacional se posicione contra ela. Não estamos nos colocamos contrários ao debate, mas ele precisa ser feito com participação social, como em toda democracia”, afirmou.
Mielli lembrou, ainda, que a Lei 11/652/08 foi amplamente discutida pela sociedade e pelos próprios parlamentares que a aprovaram. “Essa lei é, efetivamente, um dos poucos dispositivos que regulamentam o Art. 223 da Constituição Federal. Ela garante uma empresa pública de comunicação. Qualquer alteração deve ser resultado de um processo igualmente democrático. A EBC não é de nenhum partido, de nenhum governo, ela é uma conquista histórica da sociedade, que lutou por uma comunicação mais plural, mais diversa, com espaço para as vozes que não são ouvidas nos meios privados de comunicação”.
Gilberto Rios, representante da Associação Brasileira das Emissoras Públicas, Educativas e Culturais (Abepec), disse que por trás da MP 744 estão interesses privados defendidos pela Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e TV (Abert). Para ele, a Abert “tem feito um trabalho ardiloso para acabar com as emissoras públicas e culturais no país”. Pontualmente, ele rebateu a extinção do Conselho Curador da EBC. “Como cidadão, tenho sérias críticas à forma como o Conselho operou durante esses anos, mas isso não justifica acabar com ele. Não existe comunicação pública sem Conselho Curador, portanto, a Abepec defende a manutenção do Conselho Curador da EBC”.
A jornalista Tereza Cruvinel, ex-presidente da EBC, afirmou que a MP 744 transforma a EBC numa mera agência governamental. “Se é isso que esse governo quer, é preciso assumir isso. Agora, se é para fazer comunicação pública, é preciso restabelecer o Conselho Curador”. Ela alerta que a MP 744 “cria um monstrengo” ao extinguir o Conselho Curador, que é o principal definidor da comunicação pública, mantendo no texto da Lei a expressão “comunicação pública”. Para ela, isso terá impacto inclusive na utilização da Contribuição para o Fomento da Radiodifusão Pública.
A contribuição foi instituída pela Lei 11.652/08. Ela é constituída por 5% dos recursos que compõem o Fundo de Fiscalização de Telecomunicações (Fistel), cujos recursos têm sido depositados em juízo desde sua instituição e já ultrapassam R$ 5 bilhões. “Se a MP extingue a comunicação pública, qual será o destino desses recursos?”, questionou. Cruvinel também rebateu acusações sobre a linha editorial dos veículos da EBC na cobertura dos protestos pró e contra o processo de impeachment. “Não havia pensamento único na cobertura da EBC. Isso tinha na mídia privada”, afirmou.
O jornalista e professor aposentado da Universidade de Brasília (UnB), Venício Lima, autor de vários livros sobre política e comunicação, também alertou para o desmonte da comunicação pública promovido pela MP 744. “Ela transforma a EBC numa agência de comunicação estatal. Sua inconstitucionalidade tem sido largamente manifestada, inclusive pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), do Ministério Público Federal, em nota técnica enviada ao Congresso Nacional no mês de outubro”. Para Lima, “o que de fato está em jogo é a formação de uma opinião pública democrática no país”, alertando para o papel fundamental dos meios de comunicação na formação de uma opinião pública independente e autônoma. “Isso tem sido reconhecido pelos principais teóricos da democracia representativa”, afirmou.
Lima também questionou porque até hoje não houve regulamentação dos Art. 220 e 223 da Constituição Federal. O primeiro proíbe monopólios formados por meios de comunicação, e o segundo estabelece a complementaridade dos sistemas público, privado e estatal. “O que acontece que não regulamentamos essas normas e princípios? Vivemos um virtual monopólio da palavra pública pelo sistema privado de comunicação desde a década de 30 do século passado, quando o Estado brasileiro delegou à iniciativa privada a responsabilidade pela comunicação. Quando se fala da sobrevivência da comunicação pública”.
A jornalista Akemi Nitahara, representante dos trabalhadores da EBC, também participou da audiência pública. Ela defendeu a relevância da EBC e suas emissoras, enumerando várias ações do Conselho Curador. A presidenta do Conselho Curador, Rita Freire, também destacou a importância do órgão para a comunicação pública no país. “O Conselho Curador representava a diversidade da sociedade brasileira. Em sua composição havia representantes da população negra, indígena, LGBT e deficiente, por exemplo, responsáveis por conferir à programação da emissora uma pluralidade que a radiodifusão comercial não comporta”, defendeu Freite.
Sabatina
O Senador Lasier Martins (PDT-RS), relator da MP 744, quis ouvir a opinião dos participantes sobre a possibilidade de que os próximos presidentes da EBC sejam sabatinados pelo Senado. A opinião geral é de que não há oposição a essa possibilidade, no entanto, Venício Lima e Renata Mielli ressaltaram que este não seria o principal debate. “A principal questão, neste quesito, é garantir que o mandato do presidente seja independente do poder discricionário do presidente da República”, apontou a coordenadora geral do FNDC.
O senador Paulo Rocha (PT-PA) e o deputado Jean Wyllys (PSol-RJ), também participaram da audiência pública. Rocha destacou a qualidade do debate apresentado pelos participantes e ressaltou a defesa da comunicação pública como elemento principal das falas. Wyllys, que coordena a Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e o Direito à Comunicação com Participação Popular (Fretecom), também exaltou a essencialidade do Conselho Curador na comunicação pública. “É importante dizer que a demonização da EBC é fruto dos preconceitos e mentiras difundidos pela pós-verdade do golpe”, afirmou.
Debate prossegue
Nesta quinta (1º/12), será realizada mais uma audiência pública no âmbito da Comissão Mista que analisa a matéria, com o ministro Eliseu Padilha (1°), às 9h30. As audiências estão sendo transmitidas ao vivo pela TV Senado.