“A violência sexual paralisa!”, diz Gabriela Manssur sobre as denúncias tardias feitas por atrizes e modelos internacionais contra Harvey Weinstein
(Marie Claire, 26/10/2017 – acesse no site de origem)
Difícil não falar sobre assédio sexual depois dos últimos acontecimentos – pior é que já vimos esse filme antes. Não foi de Oscar, mas, para nós brasileiras, o efeito foi tão chocante quanto: José Mayer, o galã da Globo, assediador sexual (ele mesmo confessou o crime). Na época uma onda de apoio às mulheres fez nascer o movimento #mexeucomumamexeucomtodas e surgiram vários outros casos envolvendo assédio sexual.
Em Los Angeles não foi diferente. Foi graças a uma voz e à pressão dos grupos feministas que Weinstein, conhecido como Mágico de Oz de Hollywood, perdeu o reinado do castelo que foi construído sobre um monte de areia: mentiras, assédios, ameaçadas e estupros.
Estes fatos me deixaram estarrecida. Não sei se é porque eu, desde pequena, adorava assistir ao Oscar (ver as produções cinematográficas, o making off, as músicas, os discursos, a moda, as lindas e queridas atrizes de Hollywood – Angelina Jolie, Ashley Judd, Cara Delevingne, Gwyneth Paltrow, Rosanna Arquette, Mira Sorvino: todas vítimas de Weinstein). Ou se por eu mesma ter feito um pré-julgamento: por que elas não denunciaram antes?
Porque a violência sexual paralisa!
Você já se afogou alguma vez na vida ou teve aquela sensação de pular na piscina e entrar água no seu nariz, ficando alguns segundos sem respirar? É assim que acontece no abuso sexual: parece que está se afogando: não dá pra reagir, falta força, falta fôlego, falta voz. Pode parecer que não foi nada, mas é grave, aperta o coração e acaba com sua autoestima. Você nunca mais vai esquecer.
E no momento em que você consegue respirar, é como se ressuscitasse de uma morte súbita. Você vai retomando a consciência sem saber ao certo o que aconteceu. Aos poucos vai assimilando e entrando no ciclo dos efeitos colaterais de um abuso sexual: a paralisia, o silêncio, depois a culpa, a dor, a vergonha, o medo, a raiva e a sede de justiça.
Talvez tenha sido o término desse ciclo que fez com que Angelina Jolie soltasse a voz. Ela fez por ela e por muitas mulheres. Tenho acompanhado os depoimentos e já chegam a quase cinquenta atrizes e modelos, mulheres famosas que sofreram algum tipo de abuso sexual por parte de Harvey Weinstein.
Trazendo os fatos para a realidade brasileira, a maioria desses relatos já não seriam mais julgados: para se processar assédio sexual ou estupro de maiores e 18 anos no Brasil, há a necessidade da expressa manifestação de vontade da vítima “eu quero processar o agressor” no prazo de 6 meses da data dos fatos. Só que seis meses é um prazo muito pequeno para a mulher assimilar esses efeitos colaterais. Muitas vezes é tarde demais.
Porém, o lado positivo é que quando uma mulher conta publicamente uma violência sofrida, ela se livra de um peso, ela divide a dor e o trauma, ela dá força para outras mulheres, como se ela pegasse em suas mãos e falasse: “ei, você não está sozinha, você não teve culpa, vamos juntas”. A gente não precisa sofrer sozinha, não é verdade?
E esse canário acaba formando uma espécie de consciente coletivo que é muito mais forte do que qualquer castelo hollywoodiano e muito mais simbólico do que qualquer estatueta do Oscar: é a força das mulheres que não são vítimas, mas sim sobreviventes. Talvez seja essa uma das maiores contribuições do feminismo. Mas sobre esse assunto, me debruçarei num próximo artigo.
Muitas mulheres, às vezes, nem sabem que estão sofrendo assédio sexual, não têm informações necessárias de como denunciar (para quem? Quando? Quem viu? Quem ouviu?). Fica a palavra da mulher, não raras vezes mais nova e em uma relação empregatícia de subordinação, contra a de um homem mais rico, mais poderoso, mais influente, praticamente inatingível. Fica a vergonha, o medo de represália, de perder o emprego, de prejudicar a tão almejada carreira profissional, como se fizesse parte do jogo.
Já recebi vários pedidos de ajuda e as histórias se repetem. Mas, aos poucos, muitas de nós estamos percebendo que ninguém precisa passar pelo teste do sofá para ter sucesso profissional: nem as artistas de Hollywood, nem as da Globo, nem eu, nem você: nós somos competentes.
As empresas, sindicatos, associações de classe, coletivos, escolas, universidades e instituições públicas estão se mobilizando e se capacitando para auxiliar essas mulheres, além de receber essas denúncias de assédio sexual. Fiquei muito feliz na semana passada quando soube que uma estagiaria que havia me pedido socorro, conseguiu enfrentar o medo e vergonha e denunciou para o RH da empresa o assédio que vinha sofrendo de seu chefe por mais de 4 meses. Ele foi mandado embora, está sendo processado e ela está sob proteção judicial.
A voz ganhou eco – e as que ainda não falaram, estão se arrependendo. Em algum momento da vida, elas vão falar. Jane Fonda disse que desconfiava do comportamento de Weinstein e que se arrependeu de não ter falado nada na época. Disse que, a partir de agora, nada mais passará. Reese Witherspoon também falou. Quem mais?
Me too. Eu teria uma (ou algumas) histórias pessoais para contar, mas decidi não estar no papel principal, escolhi abrir portas e dar voz para outras mulheres por meio do meu trabalho. Ajudando-as, eu me resgato diariamente. Por isso que agradeço todos os dias da minha vida às mulheres que me antecederam e que lutaram pelos nossos Direitos. E é esse legado que eu quero deixar para as meninas e mulheres das próximas gerações.