(Folha de S.Paulo, 25/04/2014) Apesar de ter roubado a atenção nos debates da NETMundial, o conceito de “neutralidade da rede” acabou não entrando no documento final do evento que reuniu representantes de 97 países em São Paulo para debater um modelo de gestão da internet.
O objetivo inicial do evento era discutir principalmente a possibilidade de manter a internet sob controle de diferentes instituições e atores.
O texto final, que teve a divulgação atrasada em razão do debate sobre o conceito de “neutralidade da rede”, defende que a web seja gerenciada com participação de governos, setor privado, sociedade civil, usuários e comunidades técnica e acadêmica.
Fadi Chehadé, presidente da Icann –órgão ligado ao governo americano que controla os domínios da web–, considerou a conferência “histórica”. Neste mês, os EUA passarão o controle da Icann à “comunidade global”.
Ao lado de Índia e Cuba, o representante da Rússia, que defendia um papel mais forte do Estado, criticou a redação. “As decisões foram tomadas por um comitê já formado e não conseguimos entender os critérios. Nossas contribuições foram ignoradas. O documento irá promover a desigualdade.”
Já a discussão sobre mencionar ou não o termo “neutralidade” opôs Brasil a EUA e União Europeia.
Na versão final do texto, um dos pontos apenas tangencia a ideia, ao dizer que o tráfego de pacotes de dados, “a despeito de seu conteúdo”, deve ser “livre”.
O porta-voz da sociedade civil no evento mostrou-se desapontado. “O documento final falha na falta de reconhecimento da neutralidade de rede e de condenação da vigilância em massa.”
O ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, que defendeu a inserção do termo “neutralidade” durante as reuniões, se disse satisfeito com o resultado, mas pediu que os debates continuem.
O debate da neutralidade começou ainda no primeiro dia de conferência, quando um embaixador americano pediu para que a discussão ficasse de lado, já que atrapalharia a evolução da conferência. Ele sugeriu ainda que o assunto fosse discutido em setembro, no IGF (Fórum de Governança da Internet).
A holandesa Neelie Kroes, representante da União Europeia, diz que não há consenso. “Há algumas interpretações diferentes, acabei de passar por essa experiência durante o debate no Parlamento europeu”, diz.
“Significa coisas diferentes em diferentes partes do mundo. A ideia de, em dois dias, alcançar uma linguagem de consenso para pôr num papel era improvável”, disse à Folha Lawrence Strickling, secretário-assistente de Comércio dos EUA.
A afirmação se alinha à posição da FCC (Comissão Federal de Comunicações) dos EUA, que propôs que provedores de acesso cobrem para levar determinado conteúdo,como do Youtube, por exemplo, mais rapidamente.
No Marco Civil brasileiro, sancionado pela presidente Dilma anteontem, a neutralidade pressupõe que provedores não podem cobrar por velocidades diferentes de acordo com o conteúdo. As empresas de telefonia, porém, tem interpretação divergnte.
(ALEXANDRE ARAGÃO, BRUNO FÁVERO, JULIO WIZIACK, NELSON DE SÁ)
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