(Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social) Levantamento do Intervozes mostra que prática é comum nas emissoras de televisão; ministério deve agir independentemente de novo decreto.
No último domingo (3/6), o jornal Folha de S.Paulo noticiou que o Ministério das Comunicações pretende proibir o arrendamento total ou parcial das outorgas dos serviços de radiodifusão. A matéria aponta a disposição do Ministério em enfrentar uma das distorções do atual sistema de concessões de rádio e TV, mas revela a falta de transparência do órgão ao fazê-lo.
O arrendamento total ou parcial das concessões e permissões de TV e rádio é prática comum e flagrantemente irregular. Levantamento do Intervozes realizado em dezembro de 2011 mostra que a maioria das redes abertas vende blocos de programação para igrejas ou programas de televendas. No caso da Rede 21, o arrendamento chega a 22 horas da programação diária. Já a Rede Record tem no mecanismo a principal forma de sustentação, por meio da transferência de recursos da Igreja Universal do Reino de Deus para a emissora. Embora não esteja claro o tipo de contrato firmado e a emissora não negocie horário com outros compradores, a ilegalidade é flagrante. O formato de arrendamento total é mais comum no caso das rádios FM, em que concessionários assinam contratos de gaveta com empresários interessados em explorar os canais.
Segundo a interpretação de diversos juristas, apesar de corriqueira, a prática do arrendamento não encontra amparo na Constituição Federal e nem na legislação do setor, e já deveria ser coibida pelo Ministério das Comunicações, órgão responsável pela fiscalização das concessões.
Embora não esteja explicitamente proibida na legislação de radiodifusão, o arrendamento se configura como subconcessão, o que contraria completamente o espírito da Constituição e da legislação que regula as concessões de rádio e TV. A lógica de o objeto da concessão pública poder ser alienado sem permissão do poder concedente dá à própria emissora o poder de concessão, o que é legalmente insustentável. Apenas para fazer um paralelo, a Lei 8.987/95 que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos determina que:
“Art. 26 – É admitida a subconcessão, nos termos previstos no contrato de concessão, desde que expressamente autorizada pelo poder concedente.
§ 1° A outorga de subconcessão será sempre precedida de concorrência.
§ 2° O subconcessionário se sub-rogará todos os direitos e obrigações da subconcedente dentro dos limites da subconcessão.”
Ainda que a lei que regule as concessões públicas busque tratar os serviços de radiodifusão como exceção, é ela que estabelece o entendimento do direito administrativo brasileiro sobre esses casos, já que a legislação da radiodifusão é omissa. Na realidade, o contrato da radiodifusão não prevê a possibilidade de subconcessão, ela não é autorizada por poder concedente e nunca é precedida de concorrência. Assim, o Ministério poderia coibir a prática sem precisar mexer nem em decreto nem em lei específica – os contratos poderiam ser estabelecidos ou renovados com cláusula que proibisse explicitamente a subconcessão total ou parcial da outorga por parte do concessionário.
A única comercialização de horário prevista em lei é a venda de espaços publicitários, limitada a 25% do tempo total de programação de cada emissora. Mesmo se o arrendamento parcial fosse entendido como venda de espaço publicitário, esse limite seria ultrapassado porque todas as emissoras ocupam mais de 25% com a soma de espaços arrendados e publicidade de fato.
Na prática, ao arrendarem sua programação, as emissoras estão fazendo negócio em cima de um espaço que não pertence a elas, mas a toda a população, e que é concedido pelo Estado com a contrapartida de prestação do serviço de radiodifusão por elas. Cria-se um mercado paralelo em que bens públicos são vendidos por agentes privados sem qualquer regulação ou autorização, configurando-se um cenário de ‘grilagem eletrônica’.
Deve-se salientar que a abertura para produção independente, prevista no artigo 221 da CF e usada muitas vezes como justificativa para a subconcessão parcial, não pode partir da venda de espaço na grade. Aliás, em todo o mundo essa prática se caracteriza pela compra de programação por parte da emissora, e não pela venda de espaço.
Os juristas Celso Antonio Bandeira de Mello e Fábio Konder Comparato já se manifestaram sobre o tema da subconcessão. Enquanto o primeiro aponta o choque entre a prática e o artigo 175 da Constituição Federal (que prevê que serviços públicos sejam concedidos sempre por meio de licitação), o segundo produziu um parecer entendendo como de nulo efeito os atos de arrendamento.
O Ministério Público Federal já tem procedimento administrativo aberto para apurar as ilegalidades, aberto a partir de representação do jurista Fábio Konder Comparato. Também a Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados já demonstrou a intenção de debater o tema. No final de 2011, a partir de iniciativa da deputada Luiza Erundina (PSB-SP), foi marcada uma audiência pública sobre subconcessão e arrendamento. Contudo, dos nove convidados, apenas dois compareceram – as sete emissoras convidadas boicotaram a iniciativa da comissão. Está na pauta da próxima reunião, a ser realizada na quarta dia 6, requerimento da deputada solicitando uma nova audiência pública sobre o tema.
A ressalva a se fazer neste caso é a possibilidade de o Ministério das Comunicações estabelecer um novo regulamento do serviço sem qualquer debate ou consulta pública – o que já aconteceu em recente decreto que muda o processo licitatório definido pelo mesmo regulamento – e que demonstra, infelizmente, que o órgão ainda não incorporou à sua dinâmica de trabalho práticas republicanas, regra obrigatória até para as agências reguladoras. Ainda assim, o Intervozes considera a iniciativa do Ministério das Comunicações uma oportunidade para acabar com essa prática irregular e inconstitucional e esperamos que o governo não recue diante de pressões dos setores interessados em manter o quadro atual.
Confira o levantamento feito pelo Intervozes em dezembro de 2011, a partir das grades das cabeças-de-rede.
BAND
2ª a 6ª feira
5h45 – 6h45 (Religioso I)
20h55 – 21h20 (Show da Fé)
2h35 (Religioso II)
Sábado e domingo
5h45 – 7h (Religioso III)
4h (Religioso IV)
REDE TV!
Domingo
6h – 8h – Programa Ultrafarma
8h – 10h – Igreja Mundial do Poder de Deus
10h – 11h – Ultrafarma Médicos de Corpos e Alma
16h45 – 17h – Programa Parceria5
3h – Igreja da Graça no Seu Lar
2ª e 3ª
12h – 14h – Igreja Mundial do Poder de Deus
14h – 15h – Programa Parceria 5
17h10 – 18h10 – Igreja da Graça – Nosso Programa
1h55 – 3h – Programa Nestlé
3h – Igreja da Graça no Seu Lar
4ª
12h – 14h – Igreja Mundial do Poder de Deus
14h – 15h – Programa Parceria 5
17h10 – 18h10 – Igreja da Graça – Nosso Programa
3h – Igreja da Graça no Seu Lar
5ª e 6ª
12h – 14h – Igreja Mundial do Poder de Deus
17h10 – 18h10 – Igreja da Graça – Nosso Programa
3h – Igreja da Graça no Seu Lar
Sábado
7h15 – 7h45 – Igreja Mundial do Poder de Deus
7h45 – 8h – Tempo de Avivamento
8h – 8h15 – Apeoesp – São Paulo
8h15 – 8h45 – Igreja Presbiteriana Verdade e Vida
8h45 – 10h30 – Vitória em Cristo
10h30 – 11h – Igreja Pentecostal
11h – 11h15 – Vitória em Cristo 2
12h – 12h30 – Assembléia de Deus do Brasileiro
12h30 – 13h30 – Programa Ultrafama
2h – 2h30 – Programa Igreja Bola de Neve
3h – Igreja da Graça no Seu Lar
TV GAZETA
2ª a 6ª
6h – 8h – Igreja Universal do Reino de Deus
20h – 22h – Igreja Universal do Reino de Deus
1h – 2h – Polishop
Sábado
6h – 8h – Igreja Universal do Reino de Deus
20h – 22h – Igreja Universal do Reino de Deus
23h – 2h – Polishop
Domingo
6h – 8h – Igreja Universal do Reino de Deus
8h – 8h30 – Encontro com Cristo
14h – 20h – Polishop
0h – 2h – Polishop
REDE 21
22 horas diárias para a Igreja Mundial do Poder de Deus
Acesse em pdf: Arrendamento já é irregular e deve ser coibido (Intervozes – 04/06/2012)
Leia também:
04/06/2012 – Proibição de aluguel de programas na TV irrita evangélicos
Indicação de fonte
Beatriz Barbosa – jornalista e integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social
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