(Por Bia Barbosa*, da Agência Patrícia Galvão) Segundo pesquisa da Fundação Perseu Abramo/SESC, preconceito e discriminação estão no topo dos motivos que afastam as mulheres da política. Processo eleitoral de 2010 foi fundamental para abrir esse debate na sociedade brasileira e para permitir que temas como aborto sejam discutidos por uma parcela mais ampla da população.
Para mulheres, machismo é principal obstáculo para baixa presença feminina na política
Em 2001, a Fundação Perseu Abramo realizou uma ampla pesquisa – ‘A mulher brasileira nos espaços público e privado’ – sobre a percepção da sociedade brasileira em relação à política. Na época, alguns resultados impressionaram, como a relativa aceitação da população a ditaduras e regimes autoritários. Na pesquisa de 2001, apenas metade dos entrevistados afirmou que a democracia era sempre melhor do que qualquer outra forma de sistema. Nove anos depois, foi feito um novo levantamento, com resultados bastante positivos. Em 2010, em média 68% dos brasileiros consideram a democracia o melhor regime.
Mas em ano de disputa eleitoral, com duas mulheres candidatas à Presidência da República, os dados mais interessantes do estudo são aqueles que fazem o recorte de gênero e permitem uma análise mais detalhada sobre a presença das mulheres na política.
A pesquisa da Fundação Perseu Abramo revela que a percepção da política seria melhor se tivesse mais mulheres em postos importantes. Essa informação é verdadeira para 79% das mulheres e para 49% dos homens. Também cresceu a avaliação, entre elas, de que as mulheres estão preparadas para governar. Em 2001, 59% acreditavam nessa afirmação. Hoje, 78%. Da mesma forma, caiu de 17% para 7% a avaliação de que as mulheres não estão preparadas para governar em nenhuma instância.
Mas o que impressiona de fato é a percepção das mulheres sobre os obstáculos que afastam o sexo feminino na política. “Ao serem questionadas por que há menos mulheres na política, 44% das entrevistadas responderam que é por causa do machismo, 13% por discriminação, 8% por falta de oportunidade e 5% por falta de envolvimento”, descreveu Gustavo Venturi, professor do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo e coordenador da pesquisa da Fundação Perseu Abramo. Ou seja, fatores diretamente relacionados ao sexismo historicamente combatido pelos movimentos de mulheres e que, cada vez mais, passa a ser questionado pela sociedade.
“Muita coisa mudou no Brasil”, analisou o demógrafo José Eustáquio Diniz Alves, professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE. E não à toa, cerca de dois terços do eleitorado brasileiro votaram em mulheres no primeiro turno das eleições presidenciais deste ano, totalizando quase 68 milhões de votos. “Não encontrei resultado parecido em nenhum grande país do mundo. Isso deixa claro que aquela ideia de que o povo não vota em mulher é equivocada.”
Neste processo eleitoral, José Eustáquio foi um dos coordenadores da pesquisa sobre a participação das mulheres no processo eleitoral de 2010, realizada pelo Consórcio Bertha Lutz**. Ao acompanhar a evolução das pesquisas eleitorais – Datafolha, Ibope, Census e VoxPopuli – o Consórcio Bertha Lutz constatou que, apesar de ter vencido tanto no eleitorado masculino quanto no feminino, Dilma Rousseff demorou mais para decolar na preferência das mulheres e, ao final, recebeu mais votos dos homens. O estudo mostra que Dilma ultrapassou o candidato José Serra no eleitorado masculino entre os meses de março e abril. No eleitorado feminino isso só aconteceu no mês de agosto.
“Quem jogou a eleição para o segundo turno foram as mulheres. Mas isso não é uma novidade deste ano. O mesmo aconteceu em 2002 e em 2006. Tem gente que fala que as mulheres são mais indecisas. Mas, na verdade, costumo dizer que elas são mais exigentes”, analisou José Eustáquio.
Segunda a pesquisadora Rachel Moreno, do Instituto Opinião, “as mulheres demoram mais para tomar a decisão. Nos preocupamos em decifrar o quanto de verdade tem em cada candidato que fala conosco. E, no momento do voto, as mulheres se dividem em dois blocos: as que têm uma vida econômica ativa, que nas últimas eleições tenderam a votar mais à esquerda, e as que não trabalham e tenderam a votar como o marido, num voto mais conservador. Isso demonstra a importância da diversidade de fontes de informação na decisão do voto”.
Na avaliação dos especialistas que participaram do Seminário A Mulher e a Mídia 7, além das denúncias sobre irregularidades na Casa Civil, o que levou o pleito para o 2º turno foi o crescimento da polêmica sobre a questão do aborto e o consequente salto da candidatura Marina Silva.
Mudança de patamar
Colocar a questão da legalização do aborto no centro do debate eleitoral foi uma estratégia de campanha que visou atingir negativamente a candidatura Dilma Rousseff, sobretudo junto ao eleitorado feminino. O efeito eleitoral no 2º turno, no entanto, foi praticamente nulo. No dia das eleições, o Ibope fez uma pesquisa que mostrou que Dilma venceu entre católicos (58%, contra 42% para Serra), entre evangélicos (52% contra 48%) e entre adeptos de outras religiões (61% contra 39%).
Segundo análise da socióloga Fátima Pacheco Jordão, consultora da TV Cultura e diretora do Instituto Patrícia Galvão, “se olharmos as pesquisas, veremos que o período de abuso do uso da questão do aborto na disputa eleitoral, entre 10 e 20 de outubro, foi seguido por um pico da prevalência do voto feminino na candidata Dilma. Isso mostra que esta questão é efetivamente um dilema para as mulheres, algo que elas sabem que não pode ser tratado desse jeito. Foi no momento em que viram o tratamento dado à questão do aborto pela candidatura de José Serra que as mulheres decidiram a eleição em favor de Dilma”.
Para Fátima Jordão, o tema do aborto deixou de ser uma questão dissonante para ser uma questão consonante no processo eleitoral, e mudou de patamar depois das eleições presidenciais. A socióloga citou alguns autores para defender a tese de que o aborto mudou de ‘chave cultural’ nessas eleições.
A teoria da espiral do silêncio, por exemplo, da cientista política alemã Elisabeth Noelle-Neumann (1916-2010), diz que as pessoas tendem a mudar de opinião ou a não expressar sua opinião real quando estão em minoria, para evitar o isolamento. Neste sentido, quanto mais se fala do assunto, mais se abre a espiral do silêncio e as pessoas declaram coisas mais verdadeiras, o que poderia acontecer no caso do aborto. “O debate adquiriu legitimidade na sociedade, nunca esteve tão dentro da sala das pessoas. Deixou de ser palavra ou tema interditado. Isso é uma mudança histórica e cultural importante”, declarou Fátima Jordão.
Ela também chamou a atenção para as possibilidades abertas pela contradição interna que cada cidadão e cidadã pode vivenciar ao opinar sobre a descriminalização do aborto. E citou a campanha audiovisual desenvolvida pelo IPAS*** que pergunta às pessoas, nas ruas, se elas são a favor ou contra o aborto. Todas são contra. Pergunta, então, se elas conhecem alguém que fez um aborto. A maioria diz que sim. Pergunta, por fim, se elas achariam que essa pessoa deveria ser presa. E aí gera-se a dúvida.
“A posição de Dilma Rousseff, ao dizer que era contra a mudança da lei mas afirmar que as mulheres não deveriam ser presas, abrigou em seu discurso essa dissonância e resolveu o problema para as mulheres”, relatou Fátima Jordão.
“Muitas feministas se disseram desiludidas com o recuo de Dilma em relação ao direito ao aborto, inclusive em relação a sua formulação, que tratou o aborto em termos de saúde pública e não afirmou o direito da mulher em tomar essa decisão”, afirmou Rachel Moreno, que questionou: “Agora estamos num impasse: o que fazer se há uma contradição na posição da presidenta Dilma? Como o movimento vai se portar diante dessa contradição interna no discurso?”
Para Gustavo Venturi, é hora de a sociedade civil avançar nessa discussão. “Quando cutucou, a questão que estava escondida apareceu. É o momento agora de avançar nesse debate para que não se chegue assim numa próxima eleição”, avaliou. “Nossa pesquisa mostrou que 22% das mulheres votaram na Dilma Rousseff simplesmente por ela ser mulher. Também perguntamos: você se considera feminista? Em 2001, 22% das mulheres disseram que sim. Em 2010 foram 34%. Ou seja, o debate das mulheres tem dado fruto e se capilarizado; esses valores têm entrado na sociedade”, acredita.
“Hoje os homens têm uma compreensão maior do papel das mulheres na sociedade, que passou por uma série de mudanças. Há uma revolução silenciosa acontecendo no Brasil”, concluiu José Eustáquio. É para isso que todas torcem.
Seminário A Mulher e a Mídia 7
Mesa 4 – Comportamentos e Percepções da Sociedade sobre as Mulheres na Política
Rio de Janeiro, 4 de dezembro de 2011
Exposições:
José Eustáquio Diniz Alves, demógrafo, professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE.
Gustavo Venturi, sociólogo, professor do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo.
Fátima Jordão, socióloga, consultora da TV Cultura e Diretora do Instituto Patrícia Galvão.
Debatedora: Rachel Moreno, psicóloga e pesquisadora do Instituto Opinião.
Coordenação: Vanda Menezes, psicóloga, integrante da Rede Mulher & Democracia (Alagoas).
* Bia Barbosa é jornalista e integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.
** Formado por pesquisadoras/es que atuam na área de análise de gênero e política em universidades, centros acadêmicos e ONGs das diversas regiões do país, o Consórcio Bertha Lutz realiza pesquisa sobre a participação das mulheres no processo eleitoral de 2010. A pesquisa é estruturada em três eixos – Comportamento, percepções e tendências do eleitorado brasileiro; Monitoramento das campanhas e candidaturas; e Monitoramento da mídia jornalística – e conta com apoio da Secretaria de Políticas para as Mulheres.
*** A campanha “Vai pensando aí”, realizada pelo IPAS Brasil, está disponível no YouTube:http://www.youtube.com/watch?v=_GDsuSk1vdA