Horizonte Futuro: Mulheres no Poder e a Mídia

03 de janeiro, 2011

(Por Angela Freitas*, da Agência Patrícia Galvão) Em breve espaço de tempo, esta mesa contribuiu com um panorama contemporâneo dos desafios para o movimento feminista e o governo da presidente eleita, cada qual em seu papel.

Prioridades para a agenda feminista e desafios para a presidenta Dilma Rousseff

Tendo a tarefa de tecer comentários sobre o tema ‘Horizonte Futuro: Mulheres no Poder e a Mídia’, a ministra Nilcéa Freire, da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), e representantes de redes históricas na construção do feminismo brasileiro percorreram aspectos políticos presentes em uma conjuntura em que há avanços, mas também resistências. A defesa de regulamentação dos meios de comunicação emperra na alegação de que se trata de ‘censura’. O processo eleitoral surpreendeu com o foco privilegiado na questão do aborto e posturas extremamente conservadoras. A eleição da primeira presidenta da República, que não poderia deixar de ocupar um lugar privilegiado neste panorama, traz consigo outros desafios e um ponto central ressaltado foi a urgência da reforma política, com participação dos movimentos de mulheres.

O tema da saúde teve destaque entre os déficits sociais apontados em meio ao leque de políticas conquistadas, mas ainda não tornadas realidade para todas as brasileiras e todos os brasileiros. Em perspectiva, há a capacidade do movimento feminista para rever e ampliar seu âmbito de atuação e o enfrentamento do conservadorismo religioso, que cresce em rota de choque com direitos conquistados pelas mulheres. Elogios foram tecidos à atuação da SPM. A ministra Nilcéa Freire despediu-se deixando sua visão sobre os avanços do feminismo e apontando três desafios para o futuro, a partir do foco na macroeconomia.

Eleição de Dilma e os novos desafios

Tatau Godinho, da Marcha Mundial de Mulheres, abriu a mesa expressando que o momento histórico de ter a primeira mulher eleita presidenta do Brasil demanda o desencadeamento de maior capacidade política e de interpretação por parte das mulheres organizadas. É momento de avaliar se efetivamente haverá uma “mudança de patamar neste horizonte”: “É obvio que a eleição de uma mulher quebra uma barreira real em um dos espaços de maior marginalização das mulheres, que é o espaço da política”, afirmou Tatau Godinho. “Essa marginalização vai desde a exclusão fácil aos mecanismos mais sutis de desqualificação ou colocação das mulheres como subalternas aos homens. Para que esta análise não seja plana, é preciso compreender a construção das dinâmicas de exclusão da política.”

Se de um lado os dados apresentados na Mesa 4 – Comportamentos e Percepções da Sociedade sobre as Mulheres na Políticasobre a disputa eleitoral mostram que existem mudanças em curso, eles ensinam tambem que “temos que nos apropriar positivamente dessas mudanças para que, de fato, signifiquem mudanças coletivas para as mulheres no sentido de condições de participação política e de condições reais de superação das desigualdades”, acrescentou Godinho.

Concordando que a eleição de Dilma Rousseff abre um novo ciclo, Nilza Iraci, daArticulação de ONGs de Mulheres Negras Brasileiras, retomou o conceito apresentado na Mesa 1 – A Mídia e as Mulheres no Poder: As diferenças como desigualdade por Luiza Bairros, indagando sobre o que fazer diante das “identidades que emergem mostrando sua cara e colocando seu direito inalienável de reprimir”. Elaprosseguiu com uma citação do filme ‘Reze para que o Diabo Volte ao Inferno’, exibido na abertura do Seminário A Mulher e a Mídia 7: “‘A paz não é um evento, é um processo’. Da mesma forma, a eleição de Dilma Rousseff não é um evento, é um processo que vai possibilitar a ascensão de outras mulheres a outros espaços de poder”.

Ataques pela e por meio da mídia

Rosa de Lourdes Azevedo, da Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos, afirmou que as dificuldades já começaram:“Dilma Rousseff nos representa enquanto ‘o sofrimento de ser mulher’. Sabemos que vai ser complicado, e que a dificuldade só vai acabar quando for eliminada a ganância dos partidos pelas pastas. Não querem discutir perfil técnico, querem só o político”.

Por sua vez Liège Rocha, daUnião Brasileira de Mulheres, criticou a postura da mídia ao longo de uma campanha em que “até o papa entrou no apagar das luzes, querendo interferir”, quando as regras diplomáticas desaconselham este tipo de intromissão, além de que, sem desrespeitar a religiosidade de um povo, a política não pode se pautar por uma religião, já que se destina ‘à população como um todo, mulheres e homens’. A representante da UBM citou ataques que atingiram segmentos da sociedade: “Os ataques a Dilma na mídia tinham uma conotação pelo fato de ela ser mulher. Três questões me chamaram atenção: a forma de descaracterizar a mulher, ou de caracterizá-la como prostituta (como aconteceu em uma charge), desmoralizando assim tanto a candidata como as companheiras que têm uma profissão e o direito a esta opção; o fato de se ter levantado, com conotação moral, um suposto caso de Dilma com a empregada doméstica, agredindo também as companheiras lésbicas; e a questão do aborto, com demonstração clara de que era um ataque à moral e ao direito de decidir das mulheres e, principalmente, ao Estado laico”.

Sobre a questão da homossexualidade feminina, Lurdinha Rodrigues, da Liga Brasileira de Lésbicas, completou: “O único momento em que a questão da lesbianidade esteve pautada na campanha eleitoral foi para desqualificar a candidata Dilma Rousseff, como na questão da parceria civil entre pessoas do mesmo sexo. Foi lamentável o que aconteceu na campanha presidencial, enquanto desqualificação deste sujeito político”.

A representante da UBM fez uma cobrança em razão de uma certa ‘blindagem’ em torno da candidata eleita, que desde a campanha vem evitando a aproximação dos movimentos sociais que apoiaram sua candidatura: “Espero que na qualidade de presidenta ela possa ter esse contato”, disse Liège Rocha. O movimento feminista e os movimentos sociais no Brasil, quando chamados, irão ajudar Dilma Rousseff na implementação de políticas, mas “vão querer tambem garantir e manter sua autonomia para poder avançar nas conquistas e em sua contribuição nos programas e projetos. Sem esperar da presidenta eleita uma postura feminista, Liège Rocha completou: “ela deve incorporar nossas bandeiras e reivindicações para que essas políticas sejam implementadas, contribuindo para um mundo de igualdade entre homens e mulheres”.

A representante da Articulação de Mulheres Brasileiras,Silvia Camurça, alegou que, mesmo com Dilma Rousseff eleita, as forças conservadoras saíram fortalecidas do processo, contando para isto com uma mídia que “lhes deu folga para sambarem nas notícias, e isso continua”, avisou. Para ela, é importante lembrar que a conjuntura internacional é extremamente desfavorável: “alianças conservadoras impõem limites para uma agenda mais larga”. Por outro lado, alega que “há coisas interessantes a considerar, como o fato de a Igreja progressista ter sido instada a se posicionar, o que não fazia há anos”.

Retrocesso na questão do aborto

Tatau Godinho questionou a interpretação positiva que a socióloga Fátima Pacheco Jordão Mesa 4 – Comportamentos e Percepções da Sociedade sobre as Mulheres na Política deu à forma como o debate sobre aborto se instalou nas Eleições de 2010. Reconheceu que é uma análise que abre possibilidades, mas lembrou que, no âmbito dos partidos e agentes políticos, significou um recuo e uma postura de ‘enfiar a cabeça na areia’, como fazem as avestruzes. Como Silvia Camurça, Tatau Godinho considerou que “a organização das Igrejas e dos setores tradicionais prosseguiu extremamente forte”, acrescentando quea imprensa foi preconceituosa e demorou muito a reagir, como se tardasse em perceber que o que se armava era o encurralamento da candidata Dilma Rousseff. Para ela, o marco dessa reação foi quando, “por fim, a Folha de S.Paulo saiu com um editorial denunciando a armadilha e declarando a opinião do jornal favorável à legalização do aborto”.

A ministra Nilcéa Freire acompanhou esse ceticismo afirmando que o Brasil atravessa um momento ao mesmo tempo alvissareiro e tenso, preocupante: “Quero ver ainda o quanto foi boa a discussão do aborto e o emergir dessa discussão conservadora no meio da campanha”.

É preciso debater sobre concentração da propriedade e conteúdo de mídia

Há um monopólio dos meios de comunicação que “é vertical e horizontal e precisamos discutir sobre a falta de espaço para os setores sociais e para o debate sobre os temas das mulheres”, advertiu a representante da Marcha Mundial de Mulheres, denunciando o “massacre frequente à pauta feminista”, em favor de uma pauta “da futilidade, da fragilidade, da reafirmação do absurdo maternalismo essencialista”.

A mesa defendeu uma larga discussão tanto sobre os conteúdos como sobre a concentração de poder neste âmbito, já que no Brasil se admite que um jornal, um canal de televisão, uma emissora de rádio ou mesmo uma produtora de cinema estejam nas mãos de um mesmo dono. Ao criticar essas empresas por se queixarem aos tribunais regionais pela imposição de exibir os programas eleitorais, Godinho questiona: “E o resto (da programação) não é (imposição)?” Essa indagação introduziu a polêmica questão, em meio à qual os meios de comunicação colocam “pressão brutal para não discutir seus conteúdos”, apresentandocomo escudo protetor a alegação da liberdade de imprensa. “Debater sobre o conteúdo que entra cotidianamente na cabeça das pessoas não é censura. Temos que ter formas e mecanismos de questionar esse conteúdo. O que temos hoje não é democracia”, completou Tatau Godinho.

Mais uma frente de luta é o conteúdo da televisão pública. A Articulação de Mulheres Brasileiras, através de sua representante no Conselho Curador da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), a jornalista Ana Veloso, milita pela extinção de programas religiosos neste espaço, o que significa retirar da programação da TV Educativa a transmissão de missas ou preleções religiosas. Já a representante da UBM defendeu a garantia de espaço e voz para o movimento feminista na televisão pública.

Silvia Camurça defendeu o debate sobre um marco regulatório com participação da sociedade civil, sem compactuar com “a conversa horrorosa de que tudo é controle, censura”. Nesta peleja, a representante da Articulação de Mulheres Brasileiras localizou um adversário potente: “Vamos ter que brigar pelos conselhos de comunicação social e a OAB vai ser nossa inimiga declarada nessa briga”.

Para SilviaCamurça, outro desafio são as telecomunicações e as redes sociais: “nos doze anos de privatização o custo da telefonia aumentou muito. Apenas 47% dos municípios brasileiros dispõem de ‘alta velocidade’. Onde não há lucratividade não tem velocidade! Há um processo de exclusão digital nas telecomunicações que atinge setores da população e áreas geográficas. Temos companheiras da Articulação de Mulheres Brasileiras que não conseguem enviar fotos pela Internet, ou participar de conferências telefônicas”.

Reforma política é fundamental

A mesa foi unânime em acompanhar a afirmação inicial de Tatau Godinho de que, tanto quanto os meios de comunicação, a reforma política é central para o tema das mulheres no poder.

Tatau Godinho introduziu o tema da Reforma Política indagando qual seria a agenda de uma reforma real, já que uma democracia “a meias” não favorece mulheres, negros e setores discriminados: “No sistema político atual há compra de votos, a eternização dos cargos e uma mercantilização absurda da política, na qual o financiamento privado é o aspecto mais nefasto. Se o movimento de mulheres quer obter um conteúdo de mudança precisa incidir nesse debate, e discutir uma mudança no sistema partidário”.

De modo geral as integrantes da mesa reforçaram essa idéia, defendendo a garantia de maior visibilidade e participação das mulheres nos legislativos, e uma mudança de postura dentro dos partidos, “que precisam garantir dinheiro e tempo de propaganda para mulheres, assim como dinheiro para formação política das mulheres”, disse Silvia Camurça, acrescentando que, com relação às cotas partidárias por sexo e ao problema da ficha limpa, há um trabalho a ser feito junto ao Poder Judiciário, que“precisa ser democratizado”.

Saúde e déficit social

A representante da Rede Feminista de Saúde, Rosa de Lourdes Azevedo, enfatizou que o Estado brasileiro ainda deve muito às mulheres no campo da saúde: “Há denúncias cotidianas de maus-tratos, gestações sem desejo, abortos inseguros e solitários. Só quem trabalha com as mulheres da periferia sabe o fardo que carregam. Chega de condenações! As mulheres não merecem condenação por parte da Igreja, do Estado, da Família. Antes de condenar é preciso cumprir leis, como a do Planejamento Familiar e a Lei Maria da Penha, e executar o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres. Há que cumprir a lei, e para isto todos os gestores precisam elaborar seu plano, municipal e estadual. Chega de ficarmos brigando para acontecer o que está colocado como direito. A questão da saúde é prioridade, que precisa ser esclarecida nos meios de comunicação. Estes devem denunciar e discutir o tema da violação dos direitos das mulheres nesse campo”.

Para Rosa de Lourdes, apesar dos avanços com políticas e planos, não há uma avaliação em profundidade de sua implementação: “Mulheres sofrem por negligência e descaso na ponta (do atendimento à saúde) e este sofrimento permanece, entra ano e sai ano, sem que se veja a qualidade na atenção chegar às populações, e às mulheres em particular. Vemos juízes que condenam e querem criminalizar a mulher. Isso também é um processo ao qual precisamos estar atentas”.

Avanços e desafios para o feminismo

Houve avanços nas políticas públicas brasileiras para as mulheres e um crescimento significativo da participação, a mais diversa, em instâncias de debate e formulação dessas políticas. A principal dessas instâncias é a Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, que caminha para a terceira edição. A Mesa de Encerramento do Seminário A Mulher e a Mídia 7 lançou questões sobre o estágio de desenvolvimento do feminismo brasileiro, dialogando sobre suas perspectivas para o futuro, dentro de uma conjuntura adversa.

“Há 35 anos participei do Encontro Feminista Latino-Americano e do Caribe, realizado em Bertioga, São Paulo. É curioso, na minha idade, estar numa mesa para pensar o futuro. O futuro para mim é agora!”, afirmou Nilza Iraci, da Articulação de ONGs de Mulheres Negras Brasileiras. “O que me deixa otimista em relação ao futuro, pensando gênero, raça e comunicação, é que faço parte de uma geração que viveu em um tempo em que o sindicalista, hoje presidente da República, falava coisas inomináveis sobre o feminismo. Tenho orgulho de fazer parte de um movimento que foi para as ruas e foi mudando corações e mentes. O presidente se tornou feminista? Não sei. Mas nosso movimento e ação provocaram uma mudança”.

Apresidenta e coordenadora de comunicação do Geledés – Instituto da Mulher Negra admite a perspectiva de um futuro sombrio, mas garante que o movimento feminista está qualificado para reagir: “O orçamento destinado às políticas para mulheres e negros está reduzido, segundo mostram os dados divulgados pelo Cfemea. Qual seria o ponto de partida para mudança de paradigmas? Nossa capacitação, qualificação e intervenção política. As redes e articulações de mulheres e de mulheres negras estão fazendo com propriedade sua autoqualificação. Temos uma pauta e lutamos na 1ª Confecom por uma pauta. Vamos trabalhar essa pauta. Vamos trabalhar na reforma política. Nós avançamos, mas ainda há muito a ser feito. E há que lançar um olhar generoso sobre nós”.

Liège Rochaconcordou que “precisamos exercer com mais efetividade o controle social. Não apenas com as representações nos conselhos, mas exercendo pressão efetiva para ver implementadas as políticas não apenas na lei, mas também na vida”.

Já a socióloga Silvia Camurça lembrou que “a paridade política não se faz em um sistema social e economicamente injusto. O jogo de forças internacional dificulta isso, com uma agenda antidireitos grande. A luta pelos direitos humanos gerou uma reunião de forças conservadoras contra a própria noção de direitos humanos e contra a participação popular na democracia, o que dificulta a margem de manobra para nossa atuação, e abala nossa disposição para seguir adiante”.

Para a socióloga e integrante da equipe do SOS Corpo – Instituto Feminista para a Democracia, o feminismo terá que enfrentar limites “nas políticas de saúde, educação, segurança, na política redistributiva e no controle de capitais”.

Ela retorna ao tema do radicalismo religioso, que entra cada vez mais forte neste debate, com desafios para o feminismo, e para a presidenta eleita: “Vamos confrontar o conceito de política familista e cristã, dada a força desses setores no Congresso. Dilma não vai criar o ‘Ministério da Família’, mas não fosse ela a mulher que é, isso poderia crescer. Essa questão será colocada na próxima Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres. Se as conferências ajudaram a fazer crescer o diálogo das mulheres com o feminismo, agora os setores conservadores irão lá, com os segmentos familistas cristãos disputar espaço para sua bandeira, puxando as políticas para as famílias. Teremos confrontos classistas, antirracistas e antipatriarcais. A luta por mais poder será a luta pela inclusão das propostas das mulheres na arena política”.

Importância da SPM e dos Seminários A Mulher e a Mídia

A Secretaria de Políticas para as Mulheres – criada pelo governo Lula em 2003 e sob a batuta de Nilcéa Freire, que encerra este ano seu segundo mandato – coordenou as duas Conferências Nacionais de Políticas para as Mulheres (2004 e 2007), assim como a elaboração e monitoramento de dois Planos Nacionais de Políticas para as Mulheres. Por seu desempenho e compromisso, a ministra ouviu declarações das ativistas feministas em apoio a sua permanência à frente desta pasta.

Especificamente, e em nome daLiga Brasileira de Lésbicas e do movimento de lésbicas, Lurdinha Rodriguescomemorou o suporte da SPM para os avanços na luta contra a lesbofobia: “Queremos nos referir a este tipo de violência como coisa do passado”, afirmou, lembrando que há duas gestões o movimento de lésbicas tem assento no Conselho Nacional dos Direitos da Mulher – Goretti Gomes, de Natal/RN –, tendo como referência o Eixo 9 no II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, específico sobre enfrentamento ao racismo, sexismo e a lesbofobia.

Nilza Iraci, daArticulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras, destacou o pioneirismo da ministra Nilcéa Freire ao introduzir o sistema de cotas na UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), quando era reitora daquela universidade, um compromisso mantido ao longo de suas gestões na SPM: “Em todos os espaços por onde estivemos, ela fez uma defesa ousada e intransigente da questão racial e da questão das mulheres negras. Se Dilma aproveitar essa potência, tenho tranquilidade de que onde quer que (Nilcéa) esteja, a questão racial vai estar colocada de maneira correta e intransigente”.

Nilza Iraci comemorou tambem os Seminários A Mulher e a Mídia: Sou testemunha de como esses encontros têm influenciado outros movimentos na questão da comunicação e poder. Há muitas experiências nessa área e sugiro que se reúna a experiência destes sete anos, pois estão acontecendo muitas experiências (no campo da comunicação e poder) sobre as quais não estamos nos dando conta”.

Com a palavra, a ministra

Em sua fala de encerramento, a ministra Nilcéa Freire fez o seguinte balanço: “Sem desconsiderar o que veio antes, a SPM inaugurou a institucionalização da política para as mulheres no seio do governo federal, de onde emanam essas políticas, estrategicamente, para as outras unidades da federação. O principal legado desse período da SPM não está somente nos seus acertos e conquistas, mas também no que está representado por suas dificuldades e obstáculos, pelo que não se conseguiu fazer, pelo que não se conseguiu impor ao conjunto do governo. A partir daí é preciso pensar a institucionalidade para o futuro”.

A ministra afirmou que sua gestão, como de todos os ministérios, foi um permanente estado de alerta diante das cobranças do presidente Lula, “com pouco tempo para refletir sobre o próprio fazer”. Para ela, o legado de sua gestão inclui as realizações, de um lado, e o que não se conseguiu impor ao conjunto do governo, de outro. A ministra informou que este quadro está exposto, de maneira transparente, no Sistema da Acompanhamento do II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, que revela com que recursos cada ministério se comprometeu para tornar o plano uma realidade, fazendo transparecer aqueles que sequer responderam à solicitação de preencher os dados.

Para Nilcéa Freire, eleger uma mulher presidenta terá efeito simbólico devastador: “Se tivermos inteligência para fazer com que isto se reverta em ganhos reais, e temos! Por que Dilma deu conta de representar o povo de Lula? Porque dava conta do que está subjacente à popularidade de Lula: as políticas implementadas, o Bolsa Família, a valorização do salário mínimo. Ela foi partícipe e protagonista dessa história. Dilma subirá a rampa do Planalto com o sentimento de que todas nós, mulheres, estamos subindo ao poder junto com ela”.

Três legados do feminismo

Para a ministra, o movimento feminista brasileiro tem três grandes legados:

  • O crescimento do número de mulheres que entendem o que é ser feminista e se declaram feministas. Do ponto de vista simbólico, no cotidiano, esse número é ainda maior e está relacionado à maior escolaridade das mulheres, que hoje são maioria inclusive nos programas de doutoramento.
  • Trazer para o âmbito público a questão da violência e a inserção das mulheres na vida pública. Junto com o primeiro legado, este segundo conforma o próprio perfil das Eleições de 2010 e as reações conservadoras, como o ‘deslocamento de identidades’ (citado por Luiza Bairros na Mesa 1).
  • A apropriação de seu ideário libertário pelos movimentos populares de mulheres, de que é exemplo a Marcha das Margaridas. A pauta feminista vai sendo incorporada por elas e pelo movimento sindical brasileiro, que introduz em suas disputas e nas pautas de negociação coletiva o tema da igualdade e corresponsabilidade entre homens e mulheres, e o tema da responsabilidade do Estado sobre a reprodução humana, a reprodução do viver.

Três desafios para o feminismo

Encerrando sua intervenção, a ministra anunciou três desafios “para quem vem e para nós que vamos continuar nessa luta” enfatizando muito adequadamente a questão macroeconômica:

  • Enfrentar as desigualdades entre as mulheres. “Para isto é preciso ter a clareza de combinar a agenda específica e tradicional do movimento feminista com a agenda do desenvolvimento, a agenda econômica. Não vamos avançar se não entrarmos no coração da política salarial e da empregabilidade”.
  • Enfrentar a desigualdade no mundo do trabalho. “Há um gap salarial; queremos igualdade de oportunidades, mas não na lógica liberal. Essa igualdade não existirá enquanto as mulheres forem as únicas responsáveis pelos cuidados familiares”.
  • Questão do poder – Na recém-concluída Reunião Especializada da Mulher do Mercosul (REM – RJ, 07/12/2010) “comemoramos que no Mercosul temos paridade presidencial (2 mulheres e 2 homens). Mas é preciso chegar à paridade na base. Chegamos ao mais difícil e, guardadas todas as reservas, vemos que seria mais fácil, no contexto político de hoje, eleger uma presidenta do que eleger deputadas, isto por causa do financiamento, pois este estava garantido na disputa pela Presidência, o que não é verdade no interior dos partidos, na disputa por vagas para concorrer ao Legislativo”.


Seminário A Mulher e a Mídia 7

Mesa de Encerramento – Horizonte Futuro: Mulheres no Poder e a Mídia
Rio de Janeiro, 4 de dezembro de 2010
Exposições:
Nilcéa Freire – ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres
Silvia Camurça – Articulação de Mulheres Brasileiras
Tatau Godinho – Marcha Mundial de Mulheres
Nilza Iraci – Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras
Rosa de Lourdes Azevedo – Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Reprodutivos
Liège Rocha – União Brasileira de Mulheres
Coordenadora: Maria de Lourdes Rodrigues – Liga Brasileira de Lésbicas

* Angela Freitas é socióloga.

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