(Mariana Mazza, colunista da Band.com) Falar de outra coisa que não seja a confusão em torno das regras de qualidade de banda larga tornou-se uma tarefa impossível nesses dias. Hoje, no entanto, a notícia é boa. Fui verificar como está andando a consulta pública que a Anatel abriu na semana passada para discutir o pedido de anulação feito pela Oi para acabar com a qualidade mínima na oferta de banda larga. E, para minha grata surpresa, a sociedade já começou a fazer barulho contra a solicitação da Oi.
A proposta da Anatel de debater a possibilidade de anulação das regras de qualidade recebeu em sete dias mais de 450 visitas e 40 contribuições. Os textos chamam a atenção por serem todos de cidadãos comuns: nada de advogados e técnicos das companhias telefônicas, que tradicionalmente dominam os debates promovidos pela agência reguladora. Pincei alguns que me chamaram a atenção pela lucidez em torno do tema e indignação genuína dos autores.
É o caso da mensagem deixada por Marcelo Rodrigues Saldanha da Silva, do Instituto Bem Estar Brasil. Para ele, o pedido da Oi é imoral, apesar de bastante previsível no jogo dos interesses privados. “É evidente que a empresa Oi está fazendo o papel dela de resguardar seu objetivo, que é o lucro, reduzindo gastos e investimentos ´desnecessários´”, afirma o cidadão, que defende que serviços considerados essenciais para a sociedade (como pode ser classificada hoje a banda larga) sejam prestados dentro das regras do regime público, ou seja, com metas obrigatórias de universalização e qualidade.
Silva dá uma boa sugestão à Anatel na polêmica desencadeada pela Oi. “Ao invés de a Anatel abrir uma consulta pública à sociedade, o desafio deve ser para que a Oi traga um abaixo assinado de pelos menos 3% de seus assinantes, apoiando este pedido. Este abaixo assinado deve conter uma lista onde a Anatel escolheria aleatoriamente usuários de todo o Brasil, de todos os rincões onde a Oi atua com SMP (telefonia móvel) e SCM (banda larga). Simples assim.” A ideia é ótima. Para além da técnica, vamos ver se os próprios clientes da Oi concordam com a anulação proposta pela companhia.
Gleison Parente de Souza também deu sua opinião na consulta, fazendo uma singela pergunta à Anatel. “Se contratei 600 kbps, tem que chegar 600 kbps. Já pensou comprar 20 litros de gasolina e te entregarem 17 litros? É fraude.”
Já circula entre as contribuições uma tese que tem ganhado corpo nos fóruns de defesa dos direitos dos consumidores de banda larga: a de que a consulta recém-aberta pela Anatel viola os tratados internacionais sobre os direitos humanos. À primeira vista, a teoria pode parecer um exagero, mas na verdade a tese é bem simples. Para os interessados no assunto, é possível interpretar a consulta como uma tentativa da Anatel de fazer prevalecer o interesse privado (no caso, da Oi) sobre o bem estar geral da sociedade.
Para além do mérito das contribuições apresentadas até agora na consulta, um fato merece ser frisado nessa mobilização da população. Nada disso seria possível se a Anatel não tivesse revisto sua primeira decisão de notificar a sociedade por meio de um edital ao invés de criar uma consulta pública de fato. Na primeira convocação feita pela agência reguladora, o cidadão teria que protocolar em papel sua opinião em uma das regionais da autarquia nos estados. Nada de contribuições eletrônicas. Os comentários apresentados até agora comprovam que, pela Internet, é bem mais fácil protestar.
Isso sem considerar que o sistema de consultas públicas da Anatel é um labirinto que confunde até gente que há anos acompanha estes debates. Às vezes, a agência coloca um atalho na página inicial de seu website para facilitar as contribuições. A consulta do pedido de anulação feito pela Oi ainda não ganhou nenhum atalho. Então, para ajudar quem pode estar perdido no emaranhado de links do sistema, vamos divulgar o atalho para a consulta pública nº 2 aqui:
O interessado em participar tem que fazer um cadastro no site da agência. Nesse endereço é possível ler os argumentos apresentados pela Oi, os motivos para a Anatel ter criado a consulta e o texto do regulamento com as regras de qualidade que estão criando tanta confusão entre as empresas. Quem estiver curioso vai ter que correr: a consulta só fica aberta até o dia 1º de fevereiro.
Em tempos onde a mobilização dos internautas conseguiu assustar até o congresso norte-americano, que suspendeu a deliberação do Sopa (Stop Online Piraci Act) e do Pipa (Protect IP Act) – atos que pretendem limitar a troca de arquivos na Internet -, os consumidores brasileiros parecem estar começando a acreditar no efeito positivo da demanda legítima pelos seus direitos. Se a banda larga tem o poder de destruir fronteiras e integrar os cidadãos a um mundo cada vez mais rico de conhecimento e informação, nada mais justo que tenhamos um serviço de qualidade. A Anatel atendeu aos apelos da população quando aprovou as regras no ano passado. Vamos ver se ela continuará ouvindo a voz do povo desta vez.
Acesse em pdf: A voz do povo, por Mariana Mazza (Band.com – 23/01/2012)