(Observatório da Imprensa, 04/07/2016) As notícias sobre a atriz Luiza Brunet saltaram das colunas sociais e sites de fofoca para o centro da pauta nos principais veículos de comunicação nesta semana. Em entrevista ao jornal O Globo, a Madá da novela O Velho Chico acusa o ex-companheiro de grave caso de violência doméstica que teria lhe quebrado quatro costelas. A agressão teria ocorrido em Nova York no dia 21 de maio deste ano.
Seria mais uma notícia sobre violência de maridos/namorados contra suas companheiras, num país onde há uma denúncia de violência contra a mulher a cada sete minutos, segundo dados apurados no disque 180. O caso de Luiza, porém, difere dos demais pelas características e pelos personagens envolvidos.
Luiza Brunet não faz parte do perfil majoritário de mulheres vítimas de violência que denunciam este tipo de acontecimento. Ela não é pobre, nem negra. Mas assim como 86% das denunciantes, sofreu violência no ambiente doméstico ou familiar. Por si só, esses dados já revelam a importância desta pauta para o jornalismo brasileiro, só alçado a grande repercussão quando envolve personagens ilustres ou em condições de barbaridade excepcionais, como o recente caso de estupro coletivo no Rio de Janeiro.
As circunstâncias do acontecimento revelam ainda um grandíssimo caso de conflito de interesses, do ponto de vista jornalístico. A vítima, Luiza Brunet, é funcionária das Organizações Globo e interpreta uma personagem em sua principal novela do momento. É embaixadora do Instituto Avon, estrelando campanhas publicitárias sobre o câncer de mama e a violência doméstica.
O agressor, Lírio Albino Parisotto, é um dos homens mais ricos do Brasil, um dos mais ricos do mundo e o mais novo sócio do Grupo RBS em Santa Catarina. Por acaso, grupo afiliado às Organizações Globo e retransmissoras de sua programação. Ele ainda possui negócios no setor petroquímico e é suplente do senador Eduardo Braga, do PMDB do Amazonas.
Transparência na Globo, silêncio na RBS
As Organizações Globo revelaram o caso por meio de seu principal jornal impresso e repercutiram o caso em matéria de quase quatro minutos no Jornal Nacional. Na edição, o JN abre com uma informação nova sobre o caso – a de que Parisotto está proibido pela Justiça de se aproximar ou manter qualquer contato com Luiza Brunet. As notas divulgadas à imprensa tanto de Parisotto (que nega o ocorrido) como de Brunet são lidas pelos apresentadores e o promotor responsável pelo caso é entrevistado. O JN destacou ainda de maneira aberta que o empresário é dono de 25% do Grupo RBS, vinculado à própria Globo e suplente de um senador. Da mesma maneira, deixou claro ao telespectador que Luiza Brunet trabalha na Globo. O tom da reportagem foi esclarecedor e transparente com o público, o que não é comum tratando-se de quem se trata. Outras versões da reportagem em vídeo foram divulgadas amplamente na Globonews, no G1 e no Jornal Hoje, todos das Organizações Globo.
O mesmo não ocorreu no Grupo RBS. Na versão online do Diário Catarinense, apenas duas notícias sobre o caso foram publicadas. Em Ex-namorado deve responder conforme a Lei Maria da Penha, diz advogado de Luiza Brunet, o DC republica conteúdo produzido pelo Zero Hora (este não vinculado aos novos donos da RBS-SC, mas sim, aos proprietários originais da família Sirotsky no RS). Posteriormente, o DC publica uma matéria muito parecida, sem assinatura, intitulada Luiza Brunet diz ter sido espancada por ex-namorado. Dentre todas as notícias sobre o assunto na internet, as veiculadas pelo Grupo RBS (o do RS e o de SC) foram as únicas a divulgar uma nota exclusiva de Parisotto que, diferente da nota lida no Jornal Nacional, não nega o ocorrido, mas fala em “versões distorcidas” dos fatos. No ClicRBS, a ferramenta de busca não aponta nenhum resultado sobre o caso a partir das palavras-chave “Luiza Brunet” ou “Lírio Parisotto”.
Machismo endêmico
Apesar de trocarem-se os donos da RBS em Santa Catarina, questões de violência de gênero envolvendo o grupo ganharam repercussão nos últimos anos, não só entre seus donos, mas também, entre um de seus principais colunistas e até no departamento comercial.
Muito provavelmente por não envolver uma atriz global, mas sim, uma menor, o caso de estupro de envolvendo Sérgio Orlandini Sirotsky, em 2010, teve baixíssima repercussão nos veículos jornalísticos mainstream. À exceção foi a Rede Record, que fez do caso matéria nacional, com clara intenção de prejudicar seu principal concorrente; e a Folha de São Paulo, em seus cadernos de opinião, que trouxeram uma dura crítica de Elio Gaspari às conduções das investigações em Santa Catarina. Gaspari pediu abertamente a cabeça do delegado envolvido, pela falta de tato e pelo recorrente discurso de culpabilizar a vítima do estupro. No dia seguinte, pipocavam no Youtube a reprodução de um vídeo gravado por Sérgio Orlandini e mais dois amigos, onde entoavam uma canção no mínimo misógina (“Psicopatas esquartejando putas como Jack”).
Em outros dois casos, o principal colunista do grupo em SC, Cacau Menezes, também já se envolveu em polêmicas em relação às mulheres. Recentemente, retratou pela segunda vez uma matéria sobre a marcha da maconha com imagens de uma marcha sobre a violência contra as mulheres, tornando-se alvo de processos por dano moral. Criticava de maneira jocosa “os maiores maconheiros de Floripa” exibindo mulheres que reivindicavam o fim da violência. O pesquisador Ricardo Torres abordou o assunto no site do objETHOS com maestria. Em outra ocasião, a Associação dos Praças de Santa Catarina (Aprasc) lançou uma nota de repúdio contra o colunista, ao publicar a imagem de uma policial feminina de costas, com destaque para suas nádegas, sob a legenda Opinião é unânime: a qualidade da PM de Santa Catarina é a melhor do Brasil.
Outro lamentável episódio que revela a falta de sensibilidade – não dos jornalistas, mas da direção da RBS-SC – foi um anúncio de página inteira, pago por um clube de streap-tease, publicado às vésperas de um encontro dos dirigentes da FIFA em Florianópolis. Em três idiomas, os dizeres “Bem vindos à Floripa”, sobre uma imagem de mulheres seminuas a observar a ponte Hercílio Luz. O jornal foi veementemente criticado por estimular o turismo sexual e a prostituição, e prometeu “rever suas diretrizes comerciais”.
Seja com os antigos ou novos proprietários, seu departamento comercial, ou ainda entre seus colunistas, o Grupo RBS necessita prestar contas à sociedade quando o assunto é a questão de gênero. Os casos elencados mostram uma recorrência de episódios gravíssimos que não só prejudicam a imagem da empresa, mas a caracterizam como conivente a estas práticas.
A violência contra as mulheres tem características epidêmicas no Brasil, e é papel do jornalismo ampliar este debate. Como fazê-lo, se o proprietário do negócio é acusado de agredir a namorada? É difícil acreditar que um dos homens mais ricos do Brasil será enquadrado na Lei Maria da Penha como qualquer outro agressor e ir para a cadeia.
Mas se isso eventualmente acontecesse, como a RBS noticiaria o caso? Esperemos para ver.
Leonel Camasão é mestrando no POSJOR/UFSC e pesquisador do objETHOS
Acesse no site de origem: A RBS e a violência contra a mulher, por Leonel Camasão (Observatório da Imprensa, 04/07/2016)