(Blog Intervozes/ CartaCapital, 14/01/2016) Ministério das Comunicações encerra na sexta-feira (15) consulta pública sobre o tema. Contribuição do Intervozes defende garantia de direitos
Qual a importância da telefonia fixa, quando se tem internet banda larga? E como os agentes públicos e privados devem se responsabilizar pela oferta desses serviços? Para responder a essas e outras questões, o Ministério das Comunicações (MiniCom) deu início à revisão do atual modelo de telecomunicações, a partir de uma consulta pública que está no ar desde novembro do ano passado. A ideia, segundo informações do MiniCom, é dar subsídios ao grupo de trabalho formado para propor mudanças no modelo de concessões do setor, atualmente organizado pela Lei Geral de Telecomunicações, de 1997.
Leia também: Mudanças no modelo de telecomunicações estão em debate até o fim da semana (Agência Brasil, 12/01/2016)
O desafio, nesse processo, é construir uma legislação que dê respostas à importância crescente da internet na sociedade. Diante desse contexto e das disputas de rumos por parte dos agentes que atuam no setor das comunicações, deve prevalecer a compreensão de que o acesso à internet é um direito essencial ao exercício da cidadania, como consta no Marco Civil da Internet, e de que os serviços de telecomunicações são públicos.
Isso é: a responsabilidade de prestação é, em última instância, da União, como prescreve a Constituição Federal, em seu artigo 21 do capítulo II. Também as obrigações dos agentes envolvidos no provimento da internet são de responsabilidade do poder público, a partir de uma gestão participativa da sociedade civil.
Na contribuição enviada ao Minicom, o Coletivo Intervozes defendeu a garantia de políticas de universalização combinadas à regulação de preços e tarifas, além da possibilidade de gratuidade no acesso à banda larga. Sugeriu que a base da infraestrutura seja o investimento em redes de fibra ótica, mas sem desprezar o potencial aproveitável dos cabos de cobre já mais disseminados pelo País, além de outras tecnologias, como o satélite.
Apontou ainda que às redes de transporte (e a respectiva oferta de capacidade no atacado) deve ser aplicada política específica e diversa das redes de acesso (e a respectiva oferta do serviço ao usuário final ou varejo), que também deve ser objeto de políticas públicas.
Tais perspectivas vão ao encontro do que propõe a Campanha Banda Larga é um Direito Seu, da qual o Intervozes é integrante, que em 2013 apresentou ao Ministério das Comunicações e à Anatel uma proposta para a universalização do acesso à banda larga no País. Ela se baseia em concessões do serviço de telecomunicações que dá suporte ao acesso à internet para a operação dos grandes troncos, isto é, no atacado.
As concessões seriam realizadas a partir da licitação da infraestrutura de rede reversível das concessões de telefonia fixa, bem como de subsídios públicos. Integrariam os contratos de concessão: metas de universalização das redes de transporte em fibra ótica e controle do preço do link no atacado para garantir sua competitividade. Os bens indispensáveis à prestação desse serviço seriam reversíveis, que devem retornar à União ao término dos contratos de concessão, para garantir a continuidade do serviço e o caráter estratégico dessas redes para as comunicações do País.
A transição para as concessões de banda larga no atacado poderia ocorrer com a antecipação do fim dos contratos de telefonia fixa atualmente em vigor. A partir daí, seriam realizadas novas licitações, incluindo a operação da banda larga no objeto desses contratos. Essa política resultaria em reflexos diretos e indiretos na política a ser realizada no varejo.
O primeiro reflexo direto é que os prestadores que contratarem o link da concessionária no atacado deveriam ofertar um “plano básico” de banda larga fixa, com características definidas pela União. Quanto ao reflexo indireto, a existência de uma concessionária de atacado com condições de ofertar alta capacidade de rede a um preço de link competitivo tenderia a estimular a existência de diversos prestadores locais (estatais, comerciais e comunitários).
Caso isso não ocorra, há três alternativas à disposição do poder público para aplicação conforme o caso: a construção da última milha, infraestrutura que chega ao usuário final, e a oferta do serviço a esse usuário podem passar a compor o contrato de concessão do atacado; a Telebrás pode construir a última milha para ofertar o serviço diretamente ao usuário final ou conceder o uso dessa rede a provedores locais por meio de seleção pública; a União pode realizar leilões reversos, estabelecendo metas de universalização para a rede de última milha e “plano básico” de banda larga fixa a ser ofertado.
Uma das questões colocadas pela consulta pública diz respeito à pertinência de se manter os recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) “destinados a cobrir a parcela do custo das obrigações de universalização que não possa ser recuperada com a exploração eficiente do serviço”, conforme a lei 9.998/2000, que o instituiu.
Consideramos que o Fust deve continuar com sua destinação original, já que a atual ineficiência de sua aplicação se dá por razões externas à legislação.
A primeira é o contingenciamento reiterado do fundo, assim como dos outros fundos do setor de telecomunicações, e a destinação de seus recursos para o cumprimento da meta de superávit primário. Nesse caso, o único problema da lei é ter criado um fundo contingenciável, que permite esse tipo de manobra. A revisão desse aspecto, sim, seria fundamental.
A revisão normativa deve considerar também como desafios para a universalização da internet banda larga no Brasil a nossa imensa extensão territorial e as desigualdades existentes entre as diferentes regiões do País ou até em uma mesma região, se compararmos as possibilidades de conexão nas grandes cidades e nas zonas rurais.
É a compreensão integrada do território nacional que pode corrigir um importante problema do atual modelo. Na divisão de outorgas da telefonia fixa, não foi proposta uma atuação combinada em áreas lucrativas e não-lucrativa. Uma operadora, por exemplo, ficou responsável somente pelo estado mais lucrativo, São Paulo. Por outro lado, a empresa que resultou da fusão entre a Oi e a Brasil Telecom teve que atender as obrigações da concessão de telefonia fixa em 26 unidades da federação.
A má distribuição dessas responsabilidades, entre outros fatores, contribui para a disparidade atual na situação econômica da Oi e da Telefônica. Assim, uma lição a ser aprendida para adequar o modelo é a de que a atuação combinada é fundamental para que o provimento de serviços em áreas não lucrativas possa ocorrer de forma minimamente sustentável. A partir disso, deve-se, inclusive, considerar um modelo que preveja subsídio cruzado com a arrecadação em áreas mais ricas, colaborando para o custeio do provimento nas demais.
A proposta colocada pela consulta pública de unificar a prestação dos serviços de telecomunicações sob os moldes regulatórios atualmente aplicados ao “regime privado” não sobrevive no nosso sistema constitucional. Portanto, embora seja uma opção cogitada por alguns setores, não é de fato uma medida que possa ser considerada.
Qualquer que seja a solução adotada a partir da revisão da legislação empreendida pelo MiniCom, é fundamental que aos serviços essenciais continue sendo aplicado um conjunto de obrigações que abranja: metas de universalização, controle tarifário, reversibilidade de bens e contratos de concessão periodicamente revistos e atualizados.
Nunca é demais ressaltar que a comunicação é um direito – e o acesso a ela deve ser garantido a todas e todos.
Acesse no site de origem: O futuro da telefonia e da internet em jogo (Blog Intervozes/ CartaCapital, 14/01/2016)