(Época, 08/10/2015) Propagandas que estimulam a igualdade de gênero ganham espaço. Uma pesquisa inédita revela como o sexismo ainda se insinua
As mulheres indianas ganharam um troféu inusitado: um pote de picles, artigo tradicional nas cozinhas da Índia. A honraria simbólica foi conferida por uma campanha publicitária de absorventes femininos. Ela incitava as indianas à ousadia de tocar a conserva de legumes de suas casas, contrariando a crença local de que mulheres, quando menstruadas, podem estragar a comida. A provocação – uma metáfora condimentada para conceitos ultrapassados que dividem homens e mulheres na Índia – foi celebrada por 2,9 milhões de pessoas que espalharam o desafio pelas redes sociais. A campanha ganhou um troféu real em junho, na França, na premiação mais importante da publicidade mundial, o Leão de Cannes. A propaganda, criada pelo escritório da agência americana BBDO em Mumbai, levou o grande prêmio da primeira edição do Leão de Vidro. É uma categoria especial para celebrar anúncios que contribuem com a diminuição das diferenças sociais entre homens e mulheres.
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O Leão de Vidro, cujo júri foi presidido pela publicitária britânica com pendores feministas Cindy Gallop, é o símbolo de uma transformação que começa a se fazer visível na publicidade. Os profissionais da área percebem, não sem algum atraso, que não funcionam mais com tanta eficiência as campanhas que retratam homens e mulheres em papéis tradicionais. Na visão envelhecida, a mulher só tem o papel de beldade sedutora de homens e de mãe-e-dona-de-casa multitarefa. Ao homens, cabem os papéis de garanhão, provedor do lar e atleta vencedor. A insistência nesses padrões pode irritar os consumidores e prejudicar a imagem de marcas e empresas. “Os consumidores estão mais exigentes e as empresas perceberam a oportunidade de se diferenciar”, diz a economista Adriana Carvalho, assessora da ONU Mulheres, entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero.
Na publicidade brasileira também surgem sinais da necessidade de mudança. O segundo quesito campeão em reclamações no Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) é o que engloba formas de discriminação, como a de gênero. No ano passado, 14% das reclamações estavam nessa categoria. “As agências e os clientes estão aprendendo na tentativa e erro”, diz Carla Alzamora, diretora de Planejamento da agência de propaganda brasileira Heads. A empresa fez uma pesquisa para entender melhor o problema.
No Festival mais importante de publicidade, a defesa da igualdade de gênero virou uma categoria
A análise de 2,8 mil comerciais, veiculados durante uma semana em dois canais de televisão, sugere que os anúncios andam meio vintage, no mau sentido. A divisão de homens e mulheres em papéis sociais rígidos continua a existir. Quase metade dos comerciais – 45% – recorrem a comportamentos caricatos (leia o quadro abaixo). São elas as mais afetadas: 15% abusam da sexualização das personagens femininas, tratam-nas como incapazes de tomar decisões próprias ou apelam para a figura manjada (e irreal) da mulher que trabalha-cuida-da-família-é-sexy-à-noite. Tudo com um sorriso no rosto. Os homens sofrem menos, mas não passam incólumes: em 8% das propagandas são os encarregados por consertos em casa ou encarnam o machão descerebrado que só pensa em mulher. “O homem tradicionalmente ocupa uma posição de poder, mas isso significa que eles também sofrem pressão”, afirma Marisa Sanematsu, diretora de conteúdos do Instituto Patrícia Galvão, de defesa dos direitos da mulher.
Até comerciais que tentam desfazer essas imagens cometem deslizes: 5% acabam estereotipando um gênero para enaltecer o outro. Foi o que aconteceu com uma campanha polêmica de um produto de limpeza. Depois que o comercial estreou na TV aberta, em agosto, 15 homens denunciaram o comercial ao Conar porque se sentiram discriminados. O texto da campanha dizia que toda mulher é uma diva e todo homem, “diva-gar”. Em setembro, o Conar não considerou as reclamações procedentes e decidiu arquivar o caso. “É fácil cair na armadilha de inverter o balanço de poder, ridicularizando os homens para exaltar as mulheres”, diz Carla, da Heads.
As propagandas que questionam os desgastados papéis de gênero são apelidadas, em inglês, de femvertising (junção das palavras “feminino” e “anúncio”). Há exemplos em países tão díspares quanto Índia, Estados Unidos e Uruguai (leia o quadro abaixo). No Brasil, o tema é prioritário em algumas agências. A Heads se comprometeu, no ano passado, a seguir os princípios de valorização feminina da ONU Mulheres. As publicitárias Thaís Fabris, Larissa Vaz e Maria Guimarães abriram em fevereiro uma consultoria especializada em campanhas que promovem a igualdade de gênero, a 65/10. “Depois da revolução digital, essa é a nova revolução da publicidade”, diz Thaís. O nome da consultoria faz alusão a dois números que as sócias consideram significativos: 65% das mulheres não se identificam com a representação que veem nos comerciais, conclusão de uma pesquisa do Instituto Patrícia Galvão, e apenas 10% dos profissionais de criação das agências são mulheres, segundo levantamento de Thaís e suas sócias.
Nos EUA, a situação é semelhante. “O fato de apenas 3% das diretoras de criação serem mulheres contribui para o legado dos estereótipos na publicidade”, diz Samantha Skey, responsável pelo marketing do SheKnows Media, um portal feminino. A empresa americana criou um prêmio este ano para incentivar campanhas pela igualdade de gêneros. “As mulheres são consumidoras poderosas e a publicidade terá de se esforçar para conquistá-las. É uma mudança gradual”, diz Samantha. É a vez de os publicitários saírem de seus papéis tradicionais e tentarem algo novo.
Garotas propaganda
As campanhas que viraram exemplos de valorização da mulher na publicidade
Assista aos vídeos:
1) Serei o que quiser
2) Como uma garota
3) Toque o picles
4) É pra mim
quem disse, berenice? é pra mima vida das mulheres tem “não” demais. a quem disse, berenice? quer te ajudar a se libertar deles pra encontrar o seu jeito de se sentir mais bonita. o primeiro passo pra liberdade começa agora!
Posted by [quem disse, berenice?] on Segunda, 7 de setembro de 2015
5) Esboços de beleza verdadeira
6) Feliz Dia, Homens
Marcela Buscato
Acesse no site de origem: Os comerciais que reforçam o poder feminino são o novo front da publicidade (Época, 08/10/2015)