(Débora Prado / Agência Patrícia Galvão, 01/10/2013) De acordo com a pesquisa Representações das mulheres nas propagandas na TV, realizada pelo Data Popular e Instituto Patrícia Galvão, a maior parte dos entrevistados deseja que a diversidade da população feminina brasileira esteja mais representada: 51% gostariam de ver mais mulheres negras e 64% gostariam de mais mulheres de classe popular nas propagandas televisivas.
Em entrevista, a cientista social e antropóloga Heloisa Buarque de Almeida, avalia os resultados da pesquisa a partir de sua experiência na área de Família e Gênero. Professora da Universidade de São Paulo (USP), ela destaca que a lógica da publicidade é trabalhar com o aspiracional e enquanto este modelo vender será difícil haver uma mudança no setor. O público, entretanto, apresenta uma visão crítica, captada cada vez mais por estudos no ramo. “Elas sabem que a televisão e a publicidade em geral mostram muito mais mulheres brancas, magras, de classe alta, porque a publicidade funciona desse jeito”, frisa.
A pesquisa será base para o concurso de vídeos de 1 minuto que o Instituto Patrícia Galvão lança nos próximos dias.
Confira a entrevista.
A pesquisa revelou que maioria não vê as mulheres da vida real nas propagandas na TV. Por que isso acontece?
É assim que funciona a estrutura da publicidade – ela torna tudo mais glamuroso, mais chique, mais elegante do que de fato é, porque eles partem do pressuposto que as pessoas vão se identificar com o que eles chamam de aspiracional – o desejo dos consumidores, este tipo de coisa.
A perversão é esta, o que a pesquisa mostra nas linhas gerais é condizente com outras pesquisas, não só quantitativas como qualitativas – isto é, as pessoas criticam muito a televisão, a publicidade. Elas sabem que a televisão e a publicidade em geral mostram muito mais mulheres brancas, magras, de classe alta, porque a publicidade funciona desse jeito.
Isso já aparece. Na pesquisa Mulheres brasileiras no espaço público e privado, que a Perseu Abramo fez, por exemplo, já aparece esse descontentamento com a imagem da mulher na televisão.
E, durante muitos anos no Brasil – e hoje isso mudou muito pouquinho – eu diria desde a década 70, quando passamos a ter de fato um sistema industrial e de publicidade de maior impacto, a televisão que a gente tem é uma televisão muito mais branca, a publicidade mais ainda, que a população.
A publicidade acha que os negros não consomem. Quer dizer, só depois da evidência dessa classe C é que eles começaram a pensar isso de outro jeito. Mas isso é muito recente se você comparar o fato que sempre teve uma classe média não branca, isso não é algo tão novo, só que agora está mais visível, digamos assim.
Quando eu analisei a publicidade da TV, do horário nobre, nos anos 1990, era impressionante. Negro na publicidade só aparecia no carnaval, em alguma publicidade que tivesse a ver com futebol ou com cerveja, ou publicidade do governo federal (da Petrobras, dos diferentes órgãos do governo, dos Correios), que aí não trata o público como consumidor, mas com cidadão. Mas propaganda para vender produto era raríssimo que tivesse negro, exceto na época do carnaval. E aí existia muito a figura da mulata sensual, que é a sexualização exagerada do corpo feminino também.
Isso de algum jeito continua até hoje. Embora quando eu tenha ido pesquisar os publicitários nos anos 2000 eles diziam ‘não, mas agora já tem muito mais negro na propaganda’. Mas se você comparar a proporção de negros que tem nas propagandas brasileiras com a proporção nas norte-americanas, é ridículo. E um sinal disso é que sempre que eu recebo professores estrangeiros, principalmente norte-americanos, eles perguntam chocados porque que tem tão pouco negro na televisão brasileira.
E, pensando num país em que mais da metade da população é negra, que efeitos esses estereótipos adotados nas representações podem ter no conjunto da sociedade?
É difícil saber todos os efeitos, porque o que a pesquisa mostra é que as pessoas assistem, mas também criticam. Mas eu acho que tem relação com o fato das mulheres, principalmente, estarem muito insatisfeitas com seu próprio corpo, se sentirem feias, envelhecidas, desvalorizadas, gordas, porque de fato a publicidade é muito glamurosa.
E, por outro lado, para a perspectiva do publicitário, na média eles vão dizer ‘eu não faço política, eu quero vender produto. Se até hoje eu usei mulher de classe alta, branca, magra, loira e funcionou, por que eu vou mudar?’. Então isso existe porque para os publicitários e para os anunciantes de algum jeito funciona.
Eu lembro que conversando com gente de pesquisa de mercado, por exemplo, eles contavam que se tivesse um negro no grupo de discussão o cliente já ficava insatisfeito. Quer dizer, a gente tem um baita preconceito racial e um baita preconceito de classe misturado aí também. Então, é difícil enxergar a população de baixa renda como consumidora, assim como é difícil enxergar os negros enquanto consumidores.
Nesse sentido, a pesquisa mostrou que não só as mulheres não se vêem nas propagandas, mas também que homens e mulheres têm um desejo de ver mais diversidade. Se pensarmos a partir desse dado, há uma visão arcaica neste tipo de publicidade que assume que a aspiração da mulher negra, por exemplo, é ser branca?
De certa forma isso não está só na publicidade, mas na mídia geral. A gente tem, por exemplo, uma baita promoção dos cabelos alisados no Brasil, mais até do que tinha nos anos 1970 e 1980. A chapinha e os alisantes vendem muito – tendo até aquela perversidade dos alisantes cheios de formol e outras substâncias que fazem cair o cabelo. No senso comum, cabelo crespo é cabelo ruim. No critério da delegacia, por exemplo, se você for na delegacia e fizer um BO descrevendo alguém, aparece o cabelo carapinha – está no formulário do BO e eu sei porque tenho uma aluna pesquisando nas delegacias de defesa da mulher.
Então, o efeito é sempre desejar alisar o cabelo, parecer mais branca, porque isso dá uma sensação de ascensão social. A definição de cor não é só a cor da pele, é cabelo também, são vários critérios que poderíamos chamar de estéticos que são usados para definir raça. Não necessariamente isso é consciente se você perguntar paras as pessoas, mas é assim que funciona.
Quais seriam as indicações de caminhos para mudar essa realidade?
Primeiro, eu acho que a publicidade não tem interesse em mudar. A lógica é que se funciona, se vende, não tem pra que mudar, é a lógica do mercado, não a lógica política. E acho muito difícil fazer isso através de uma regulamentação, propriamente. Acho que o que a gente consegue regulamentar da televisão ou dos meios de comunicação em geral é tentar controlar um pouco quando ela fere os direitos de um grupo social – responsabilizar, por exemplo, um programa que defenda o racismo.
Mas não vejo como termos uma lei que obrigue a publicidade a colocar negros, por exemplo, e não imagino que isso aconteça.
O que acontece hoje em dia e que talvez possa mudar de leve a publicidade é a percepção de que existe uma camada social mais negra e/ou mais popular que também é consumidora. Então, é claro, tem gente que faz anúncio para a camada mais popular, como sempre as empresas fizeram produtos para a classe popular também, sempre teve óleo, margarina, xampu mais barato – quero dizer, há diferentes categorias de produtos. E agora tem essa mística em torno da nova classe C, que na verdade é a mesma camada social com um pouco mais de acesso aos bens de consumo. E talvez, pela pressão do consumidor, isso possa mudar um pouco.
E essa percepção de que a população está mais crítica em relação ao que ela recebe pode ser uma pressão nesse sentido?
Pode. Mas, na minha experiência, ao pesquisar televisão e fazer etnografia, percebi que as pessoas criticam, mas continuam assistindo, não deixam de assistir. O que está acontecendo também é que está havendo uma mudança de geração, as gerações mais jovens não serão tão televisivas ou verão muita televisão através da internet, do computador, e aí desviando da publicidade ou sendo afetado por outro tipo de publicidade.