Pesquisa contribui para desconstruir discurso de que os estereótipos estão superados, avalia a pesquisadora Bia Barbosa

22 de outubro, 2013

(Luciana Araújo/Agência Patrícia Galvão, 22/10/2013) Integrante do conselho diretor do Intervozes: Coletivo Brasil de Comunicação Social – organização que atua para efetivar o direito humano à comunicação – a jornalista Bia Barbosa falou à Agência Patrícia Galvão sobre a pesquisa Representações das mulheres nas propagandas na TV. Bia, também do conselho deliberativo do Instituto e mestra em gestão e políticas públicas pela FGV, destaca que o papel formador de opinião exercido pela televisão como um todo na sociedade brasileira, mas também pela publicidade, torna mais importante o debate sobre regulação e autorregulação de conteúdos.

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Na sua opinião, como esta pesquisa pode contribuir para o debate sobre a necessidade de uma política de regulação e autorregulação da mídia?

A realização em si da pesquisa, independente dos resultados que ela apresenta, é fundamental para esse debate sobre a regulação da publicidade no Brasil e, de forma mais ampla, sobre a imagem da mulher na mídia. Porque uma coisa é fazer esse debate com base na percepção de uma parcela da sociedade civil organizada que defende mais diversidade e pluralidade na mídia e enxerga violações dos direitos das mulheres na forma como são representadas na publicidade, no jornalismo, nas novelas e humorísticos. Outra coisa é ter dados concretos do conjunto da população brasileira sobre como as mulheres se vêem e entrando em detalhes e recortes bem específicos.
Olhando para os resultados, e acho que nesse sentido é possível fazer um paralelo com a pesquisa divulgada recentemente pela Fundação Perseu Abramo sobre o conjunto do conteúdo da televisão brasileira, penso que ela confirma a percepção que alguns setores tinham e que sem um estudo como esse a gente não saberia nunca em que medida esse entendimento reverbera.
Outro elemento super importante para a discussão é que os dados mostram sempre uma maioria, incluindo os homens, percebendo que a publicidade mostra a mulher como objeto. Isso contribui para desconstruir um mito muito presente no discurso dos grandes meios de comunicação de que essa é uma visão isolada, minoritária, que as mulheres brasileira já superaram todo o debate sobre estereótipos ou que não existe machismo na sociedade brasileira.

A pesquisa também aponta dados que mostram aspectos considerados bem aceitos. Isso pode ser lido também como resultado de uma evolução na produção do mercado publicitário derivada do debate travado pelo movimento de mulheres?

Sim. Nos aspectos relacionados à composição socioeconômica você vê com mínimas diferenças o desejo das pessoas, como elas acham que a propaganda deveria ser, e o que elas entendem que é a realidade. Quando passamos às questões mais relacionadas à estética, essa proporção não se repete. Então, acho que isso mostra uma evolução. Se a gente fizesse essa pesquisa na década passada talvez esses percentuais da realidade não se repetissem tanto na publicidade, e tivéssemos mais gente querendo ver mulheres ricas, loiras, magras e bem sucedidas. E acho que isso deve ser reforçado e trabalhado inclusive com as agências para mostrar que eles não estão percebendo que tem um público que não está sendo representado e que isso pode resultar em perda de receita.
Mas acho que os dados também mostram desafios que a gente ainda tem que enfrentar, como por exemplo o debate sobre o padrão de beleza. Porque quando se diz que as pessoas querem ver mulheres bonitas na televisão também tem um debate sobre o que é bonito, porque já se está valorando que o magro é bonito e o gordo é feio, que o cabelo liso é bonito e o cacheado não necessariamente.

Você avalia que os dados surpreendem?

Sim, principalmente com alguns posicionamentos dos homens, que eu achava que pudessem ser mais conservadoras em alguns aspectos. Mas me surpreendi positivamente, porque os resultados mostram que tem um campo enorme a ser trabalhado para avançar no debate sobre a regulação da publicidade no Brasil, que tem uma perspectiva da autorregulação e outra, da regulação, que precisa acontecer. Até comparando com outros países e sociedades em que o debate sobre os meios de comunicação é mais presente no cotidiano das pessoas, a publicidade em grande parte deles é tratada com mecanismos de autorregulação, mas também de co-regulação, com órgãos independentes do Estado que fazem a regulação, mas se esses órgãos falham o Estado atua. No Brasil a gente só tem a autorregulação, e há inúmeras críticas em relação ao funcionamento dele.

E o que seria possível e necessário fazer para mudar essa realidade sem incorrer em nenhuma forma de censura?

Primeiro é importante deixar claro que a censura é uma avaliação prévia de um conteúdo para definir a pertinência ou não deste conteúdo ser veiculado. No Brasil, o debate sobre a regulação da publicidade da imagem da mulher nunca pautou a questão de avaliação prévia de conteúdos. O que se defende é que haja mecanismos de regulação a posteriori para que, sendo verificada a violação de direitos – seja pela mercantilização do corpo, da coisificação, do reforço dos esterótipos de gênero ou dos lugares que a sociedade designa para homens e mulheres -, você possa responsabilizar os veículos e anunciantes.

Em vários países a publicidade é veiculada e, sendo identificado um problema, há uma rápida resposta dos mecanismos de autorregulação, diferente do que acontece no Brasil, onde o Conar às vezes vai avaliar a campanha depois que ela já saiu do ar. Em outros países há uma avaliação célere dos órgãos de autorregulação e um posicionamento destes se a campanha publicitária deve continuar no ar ou não. E o Estado – por meio de agências reguladoras ou autoridades de regulação, na maior parte dos casos independentes dos governos – avalia essa decisão do órgão de autorregulação. E se não concordar com ela, tem o poder para eventualmente tirar uma campanha do ar ou responsabilizar o veículo por um dado conteúdo divulgado.

Se conseguíssemos caminhar para algo nesses moldes no Brasil, com todas as nossas peculiaridades, seria um grande avanço. E acho que a importância de fazer esse debate considerando exemplos de outros países não é para copiar modelos, mas para desconstruir esse discurso de que qualquer tipo de regulação de conteúdo vai necessariamente levar à censura ou ao cerceamento da liberdade de expressão. Olhar para o que acontece em outros países, especialmente aqueles de democracias mais avançadas e consolidadas que a nossa, mostra que há caminhos possíveis e garantidores da liberdade de expressão e de criatividade, da liberdade artística que é necessária nessa área e precisa ser defendida. Mas, havendo violação de direitos, que asseguram também que isso não fique impune ou não seja relativizado, naturalizado, como acontece muitas vezes aqui no Brasil.

Essa discussão sobre a não naturalização tem muito a ver com a repercussão disso na vida social. Gostaria que você falasse mais a esse respeito, sobre como as propagandas hoje difundidas podem reforçar estereótipos.

Penso que a televisão e a publicidade não criam preconceitos ou estereótipos, mas legitimam os preconceitos e estereótipos que existem na sociedade. E então ela retroalimenta esse processo e acaba formando as novas gerações com esse mesmo tipo de estereótipos e preconceitos. Nós vivemos numa machista, racista, que tem preconceito de classe, que valora o individualismo, o consumismo e o poder econômico. Ao reforçar esses padrões, e isso acontece muito na publicidade, especialmente com o uso da imagem da mulher, se está legitimando um lugar social, uma forma como a mulher é tratada, a violência que ela sofre do companheiro ou de algum membro da família.

O impacto que a publicidade tem, assim como outros conteúdos da televisão, legitima para as gerações adultas o preconceito e a discriminação que existem na sociedade e contribui para esses preconceitos se perpetuem nas novas gerações. Porque ninguém nasce racista ou machista, isso se ensina em algum momento da vida. E a televisão tem um papel de formação de opinião e valores na sociedade em geral, e em particular na brasileira, que passa muito tempo em frente à TV. Daí a necessidade da gente pensar na questão da regulação e no papel do Estado de não silenciar diante desse impacto.

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