‘Internet no Brasil é cara, lenta e para poucos’, afirma Veridiana Alimonti, do Idec

25 de maio, 2011

(Agência Patrícia Galvão) Na avaliação de Veridiana Alimonti, advogada do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor e integrante do Comitê Gestor da Internet no Brasil, o Plano Nacional de Banda Larga, lançado há um ano, não dará conta das demandas de acesso à rede no país. Para ela, as empresas de telecomunicações estão tendo ainda mais vantagens com o PNBL e o direito do cidadão está ficando de lado.

O Plano Nacional de Banda Larga foi lançado em maio de 2010 pelo governo federal com o objetivo de massificar o acesso à internet em alta velocidade no país e atender a uma demanda, cada vez mais crescente, de inclusão digital da população brasileira.

No último dia 25 de abril foi lançada simultaneamente em cinco cidades brasileiras a campanha “Banda Larga É um Direito Seu! Uma ação pela internet barata, de qualidade e para todos”. O Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) é uma das organizações à frente da campanha. Nesta entrevista, a advogada Veridiana Alimonti, , fala dos principais desafios da pauta e dos obstáculos que o país ainda precisa superar para garantir este direito à sua população.

Veja abaixo na íntegra a entrevista exclusiva para a Agência Patrícia Galvão.

Não deixe também de ler o documento Banda Larga: direito fundamental e pauta estratégica para as mulheres


‘Internet no Brasil é cara, lenta e para poucos’, afirma Veridiana Alimonti, do Idec

Na avaliação de Veridiana Alimonti, advogada do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor e integrante do Comitê Gestor da Internet no Brasil, o Plano Nacional de Banda Larga, lançado há um ano, não dará conta das demandas de acesso à rede no país. Para ela, as empresas de telecomunicações estão tendo ainda mais vantagens com o PNBL e o direito do cidadão está ficando de lado.

Por Bia Barbosa

O Plano Nacional de Banda Larga foi lançado em maio de 2010 pelo governo federal com o objetivo de massificar o acesso à internet em alta velocidade no país e atender a uma demanda, cada vez mais crescente, de inclusão digital da população brasileira.

Um ano depois de iniciado, o PNBL enfrenta desafios para alcançar suas primeiras metas, ao mesmo tempo em que a sociedade civil se organiza para cobrar do Ministério das Comunicações alterações na política governamental de acesso à rede.

No último dia 25 de abril foi lançada simultaneamente em cinco cidades brasileiras a campanha “Banda Larga É um Direito Seu! Uma ação pela internet barata, de qualidade e para todos”. O Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) é uma das organizações à frente da campanha. Nesta entrevista, a advogada do instituto Veridiana Alimonti, que também integra o Comitê Gestor da Internet no Brasil, fala dos principais desafios da pauta e dos obstáculos que o país ainda precisa superar para garantir este direito à sua população.

Qual a realidade do acesso à internet no Brasil hoje?

Veridiana Alimonti – Já se convencionou dizer que a internet no Brasil é cara, lenta e para poucos. Há dados da União Internacional de Telecomunicações e outras pesquisas que demonstram que o preço da internet no país é alto em comparação com outros países. Sobre a velocidade, embora uma pesquisa da Anatel divulgada no início do ano, referente a 2010, coloque que a maior parte das conexões fixas no Brasil vá de 512 Kb a 2Mb, dentro desta faixa ampla não temos o quanto seria de 512k a 1 Mb – velocidade que, segundo a UIT, não seria sequer considerada banda larga. Ainda temos muitas conexões de 64k, de 512k, e as pessoas que utilizam esta velocidade não conseguem ter acesso a conteúdos já triviais na rede. O acesso também é para poucos. A mesma pesquisa da Anatel diz que apenas 26% da população brasileira tem acesso à banda larga fixa. E em relação ao acesso móvel, as pesquisas levam em conta quantos aparelhos celulares com acesso à internet existem, mas, normalmente, mais de 50% dos smartphones em uso não acessam a internet, por conta dos custos. Então o fato de as pessoas terem um smartphone não significa que elas estão inseridas na rede.

Tudo isso é agravado pelo fato de, no Brasil, 80% da prestação do serviço de internet estar concentrada em três empresas.

Como isso interfere na vida das mulheres?

Veridiana Alimonti – A questão da ampliação do acesso à banda larga com qualidade envolve não só a possibilidade de ingressar na rede e obter informações, mas também de ser agente e produtor de conteúdo. A universalização do serviço de internet permitindo que as mulheres, de um lado, utilizem a rede na sua potencialidade de formulação, mobilização e difusão é fundamental para que, de outro, seja construído um contraponto e fonte alternativa de informação no que se refere, por exemplo, aos estereótipos com base no sexo frequentemente veiculados nos meios de comunicação de massa.

Também, é um importante meio para a articulação de ações que visem à prevenção ou a realização de campanhas, seja sobre questões relativas à saúde da mulher, seja manifestações e pressão por medidas contra a erotização precoce, violência doméstica e outras questões. Porém, integradas à universalização do acesso, deve haver iniciativas que possibilitem a apropriação das TICs (tecnologias de informação e comunicação) pelas mulheres e que estimulem a nossa formação e participação na rede.

Como o PNBL se propõe a enfrentar essas questões?

Veridiana Alimonti – O PNBL foi lançado com ações específicas, divididas em políticas de incentivos fiscais, política produtiva e tecnológica, conteúdo e serviços e aplicações, infraestrutura e regulação. Embora o Plano seja positivo, no sentido de partir de um diagnóstico de que era necessário haver uma política de Estado para reverter este cenário, ele peca em pontos essenciais. Em primeiro lugar, os planos que seriam oferecidos contavam com velocidades muito baixas, de 512kb a 784kb, por R$ 35,00. No início do ano, a presidenta Dilma interviu, dizendo que banda larga deveria ser de pelo menos 1 Mb. Mas o ministro das Comunicações chegou a dizer que poderia estudar o uso de recursos públicos para fazer com que as empresas oferecessem o acesso nessas condições sem prejuízos ou perdas. A questão é: como garantir essas condições num contexto em que a disposição do governo em se contrapor aos interesses das grandes empresas de telecomunicações é menor do que antes.

Outra questão essencial é a prestação da banda larga sob regime público. Segundo a Lei Geral de Telecomunicações, os serviços são prestados sob dois regimes: o público e o privado. O público tem garantias maiores para os cidadãos e uma responsabilidade maior do Estado, que não precisa prestá-lo diretamente, mas é responsável por sua existência. É o que acontece hoje, por exemplo, com a telefonia fixa. Se acontece alguma coisa com a empresa e o serviço é interrompido, não é só uma responsabilidade do ente privado fazê-lo voltar a funcionar; é também da União. Além disso, no regime público, o Estado tem a obrigação de garantir sua universalização, ou seja, o serviço deve estar disponível para qualquer pessoa, independentemente de local ou condição socioeconômica. A LGT também estabelece que não serão deixados à prestação apenas sob regime privado aqueles serviços considerados essenciais. O correto seria então que a banda larga fosse prestada sob regime público, por ser um serviço ligado à concretização de direitos fundamentais. E para isso basta um decreto do Poder Executivo. A alteração em si é uma questão política, de se propor a construir este modelo no país. Mas o PNBL não coloca a internet sob regime público e não é um plano de universalização e sim de massificação da banda larga. Suas metas até 2014 não incluem todo o território nacional.

O regime público também permitiria regular a questão do preço das tarifas?

Veridiana Alimonti – Sim, o regime público traz a questão da modicidade tarifária. Os órgãos reguladores ou a União tem mecanismos de controle maior do preço das tarifas dos serviços. Há inclusive mecanismos de transferência e compartilhamento de ganhos econômicos. Dependendo do ganho econômico das empresas, seja em função de sua eficiência econômica, seja por razões como isenções de impostos etc, isso pode ser repassado para os consumidores no preço cobrado pelo acesso.

Outra questão do regime público é a reversibilidade dos bens indispensáveis à prestação do serviço. No regime público, a empresa tem um contrato de concessão. Quando a concessão acaba, esses bens voltam à União, porque o serviço não pode ser interrompido. É essencial, portanto, que a infraestrutura da prestação deste serviço seja instrumento de política pública e esteja sob um ethos público; que não termine a concessão e a empresa venda essa rede para quem quiser, por quanto quiser.

Sobre infraestrutura, um dos pontos centrais do PNBL foi a reativação da Telebras. Qual a importância de uma empresa pública neste momento para garantir que a internet banda larga chegue a todos?

Veridiana Alimonti – A Telebrás foi reativada para iluminar as redes de fibra óptica de estatais como Petrobras e Eletrobras e fazer a gestão das redes dentro do PNBL, com parcerias com empresas e pequenos e médios provedores. Ao oferecer link para esses pequenos e médios provedores, a Telebras aumentaria a competição e possibilitaria que o serviço chegasse na ponta a preços mais acessíveis do que hoje as empresas fazem. Mas a Telebras já anunciou que não vai conseguir atingir todos os municípios previstos para este ano por contingenciamento orçamentário. Estavam previstos 1.683 municípios e ela disse que provavelmente só vai conseguir atender 800. Vemos o contingenciamento de verbas da Telebras e uma tensão maior entre a empresa pública e as teles, que estão levando vantagens ainda maiores do que todas as que já tiveram no processo dos leilões de privatização das telecomunicações.

Quais vantagens?

Veridiana Alimonti – Em 1998, o sistema Telebras foi avaliado para leilão em R$40 bilhões, considerando todas as redes disponíveis e a possibilidade de as concessionárias que fossem comprar a infraestrutura prestarem diversos serviços. Depois, no debate do projeto da Lei Geral de Telecomunicações, se decidiu que as concessões seriam apenas para a telefonia fixa, e com isso a avaliação das redes caiu. O sistema acabou sendo comprado por R$22,5 bilhões. No entanto, dois dias antes do leilão, foram assinados termos de autorização com as empresas de telecomunicações que davam a elas licenças para redes ligadas a outros serviços, como a transmissão de dados de internet. Isso foi feito sem ônus, a título gratuito, para as empresas de telecomunicações. Elas ganharam essas licenças, que depois foram adaptadas quando a Anatel criou o Serviço de Comunicação Multimídia a um custo de apenas R$9 mil para as empresas.

Outra vantagem das empresas privadas foi que boa parte da infraestrutura ampliada das empresas de internet se constituiu a partir dos recursos vindos do subsídio cruzado recebido da telefonia fixa. Hoje a maior parte das conexões de internet no Brasil é feita pelos cabos telefônicos. Ou seja, as empresas prestam o serviço de telefonia fixa, ganham os recursos de uma assinatura básica que é super alta – R$40,00, que inclusive criou um obstáculo à universalização da telefonia fixa no país – e usam esse dinheiro, comprovadamente, para ampliar a infraestrutura da prestação do serviço de internet, que não tem as garantias do regime público. Então, a rede privada de prestação de serviço de internet foi formada por essas condições, e agora pode ser que levem ainda mais vantagens. É muito importante prestarmos atenção no que está acontecendo.

Contato com a entrevistada

veridiana_alimonti
Veridiana Alimonti
– advogada
Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – Idec
São Paulo/SP
(11) 3874-2162/ 3874-2161 – [email protected]

Leia também:
Banda Larga: direito fundamental e pauta estratégica para as mulheres
Texto foi produzido como subsídio para a Reunião Estratégica sobre Banda Larga e Marco Regulatório das Comunicações
São Paulo, 3 a 5 de junho de 2011
Realização: Instituto Patrícia Galvão, Geledés e Intervozes
Apoio: Fundação Ford
Redação: Bia Barbosa

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