Para diretora executiva do Instituto Patrícia Galvão, pesquisa aponta que a publicidade representa a mulher de forma ultrapassada

23 de setembro, 2013

(Luciana Araújo/Agência Patrícia Galvão, 23/09/2013) A pesquisa Representações das mulheres nas propagandas na TV, realizada pelo Data Popular e Instituto Patrícia Galvão, revela que para 65% dos entrevistados o padrão de beleza nas propagandas está muito distante da realidade das brasileiras e 60% consideram que as mulheres ficam frustradas quando não se veem neste padrão. Foram realizadas 1.501 entrevistas com homens e mulheres maiores de 18 anos, em 100 municípios de todas as regiões do país, entre os dias 10 e 18 de maio deste ano.

retrato jacira

Jacira Melo, diretora executiva do Instituto Patrícia Galvão.

Segundo avaliação da diretora executiva do Instituto Patrícia Galvão, Jacira Melo, a pesquisa revela que a percepção dos entrevistados, mulheres e homens, é clara: a propaganda veicula modelos ultrapassados. “A irrealidade da representação da mulher é percebida pela absoluta maioria e há uma clara expectativa de mudança. Aqui se revela um paradoxo: se pensarmos a partir da lógica de mercado, pode-se dizer que anunciantes e publicitários, em razão de uma visão arcaica do lugar da mulher na sociedade e de um padrão antigo de beleza, não estão falando com potenciais consumidoras”, aponta. Leia abaixo a entrevista na íntegra:

Gostaria que você comentasse os principais dados da pesquisa Data Popular encomendada pelo Instituto Patrícia Galvão sobre representações das mulheres nas propagandas de TV.
A pesquisa revela de maneira inequívoca uma crítica geral da população à exploração publicitária do corpo da mulher, usado como chamariz para promover a venda dos mais diversos produtos. E os entrevistados, homens e mulheres, vão além dessa máxima, apontando, por exemplo, que as propagandas não mostram a mulher da vida real, não mostram a mulher que, além de ser esposa e mãe, também trabalha e estuda.
Para comentar essa pesquisa é necessário ressaltar que as mulheres realizaram a grande revolução social e política do século 20. Nunca na história as mulheres conquistaram tantos direitos e reconhecimento nos espaços público e privado. As mulheres brasileiras apresentam índices cada vez mais altos de escolaridade, uma participação significativa no mercado de trabalho e um grande poder de decisão na hora de consumir. A sociedade reconhece que elas são parte fundamental dos esforços para que se alcancem o desenvolvimento sustentável e a justiça social. Mas ainda falta muito a conquistar, em especial respeito e poder. E é nesse contexto que a publicidade continua na contramão das mulheres, como mostra a pesquisa.

Quais são os motivos desse distanciamento entre as propagandas e os anseios da sociedade?
Esse estudo nos oferece evidências significativas. As mulheres não se identificam com as propagandas, se veem com diferentes capacidades, projetos, sonhos, para além de um corpo sexualizado, e, assim, rejeitam as propagandas que as reduzem a objeto sexual. A percepção dos entrevistados, mulheres e homens, é clara: para eles, a propaganda veicula modelos ultrapassados. 80% dos entrevistados consideram que as propagandas na TV mostram mais mulheres brancas e a maioria gostaria de ver mais mulheres negras; 73% veem mais loiras do que morenas nas propagandas, mas 67% gostariam de ver mais morenas; 78% veem mais mulheres jovens nas propagandas, mas a maioria gostaria de ver mais mulheres maduras.

A publicitária e pesquisadora Clarice Herzog já dizia, no final dos anos de 1980, que o problema de identificação das mulheres com a publicidade acontece porque a propaganda costuma operar com estereótipos e modelos únicos, de generalização. E aqui é possível acrescentar: modelos antigos, ultrapassados, distantes do lugar das mulheres na sociedade, do seu protagonismo, e mais distante ainda do biótipo das mulheres brasileiras.

Que aspecto você destacaria como o mais importante na análise dos dados levantados?
A pesquisa capta uma visão crítica de mulheres e homens sobre a publicidade e revela dados impactantes, que reforçam a expectativa de que as propagandas passem a operar com representações de mulheres reais, isto é, com diversidade em termos de idade, tipo de cabelo, cor de pele, enfim, e não com uma representação única. A publicidade precisa entender que as mulheres têm corpo, beleza, mas também têm inteligência. E aqui merece destaque a metodologia adotada, que nos permite observar como os entrevistados veem as mulheres a sua volta, como veem as mulheres apresentadas nas propagandas na TV e como gostariam que elas fossem mostradas. Essa opção metodológica desvenda contrastes, contradições e preconceitos consolidados na publicidade do país: a autodeclaração da população, c om 51% de negros; as mulheres que as propagandas na TV mostram, que na percepção dos entrevistados chegam a 80% de brancas; e as mulheres que os entrevistados gostariam de ver: 51% brancas e 49% negras. Há mudança sobre a presença de mulheres negras na publicidade? Sim, mas estão mais presentes em situações de anúncios que buscam a representação do Brasil, do povo brasileiro, em geral ligados a carnaval, futebol, verão, cerveja e praia. E também nas propagandas de empresas e bancos federais como Petrobrás, Banco do Brasil, Caixa Econômica, que operam com cores e imagens de brasilidade em suas campanhas publicitárias.

E por que a indústria da publicidade e os anunciantes erram tanto quando trabalham a representação feminina na propaganda?
Quando o tema em questão é a identificação da consumidora com a mulher da publicidade, os resultados da pesquisa são muito fortes e revelam os anseios e as percepções, como as mulheres são e como se veem e não se acham representadas nos anúncios e propagandas. Os achados da pesquisa são contrastantes: uma parcela significativa das mulheres não se identifica com as representações femininas que são exibidas nas propagandas da TV brasileira – magras, jovens, brancas e loiras. Simples assim: a irrealidade d a representação da mulher é percebida e há uma clara expectativa de mudança. Aqui se revela um paradoxo: se pensarmos a partir da lógica de mercado, pode-se dizer que anunciantes e publicitários, em razão de uma visão arcaica do lugar da mulher na sociedade e de um padrão antigo de beleza, não estão falando com as potenciais consumidoras, ao contrário.

E pode-se dizer que essas representações revelam uma concepção unicamente comercial, desvinculada de qualquer responsabilidade sobre o papel social da mídia?
É inegável que a expressão do padrão estético disseminado pela mídia em geral, e pela publicidade em especial, oferece um modelo de beleza feminina de difícil acesso, o que torna a mulher brasileira uma presa fácil de todo tipo de produto estético, em especial os que prometem milagres. E a pesquisa toca nesse aspecto e revela a percepção crítica da população: para 65% o padrão de beleza nas propagandas está muito distante da realidade das brasileiras. E como não poderia deixar de ser, 60% consideram que as mulheres ficam frustradas quando não atingem este padrão. Sabe-se que a frustração feminina com a própria imagem e a consequente busca por uma aparência mais próxima dos padrões repetidos à exaustão pela mídia alimentam poderosas indústrias de todo tipo de produto.

E quais seriam as indicações de caminhos para mudar essa realidade?
É preciso destacar a opinião dos entrevistados sobre a responsabilidade das agências publicitárias e anunciantes quando se trata de propagandas que mostram a mulher de forma ofensiva: nesses casos, 70% defendem punição aos responsáveis.

Há muito se fala de peças publicitárias que ofendem a dignidade e a imagem das mulheres, e oferecem para as futuras gerações imagens que reforçam preconceitos. É imperativo atentar para as sérias consequências das mensagens discriminatórias que são bombardeadas em nosso cotidiano, especialmente através dos meios de comunicação de massa. Ao reforçar estereótipos negativos da figura feminina – a representação que opera no plano de uma ‘mulher símbolo’, de uma ‘mulher ideal’, de uma ‘mulher ilusão’, de uma ‘mulher perfeita’, sem vontade, sem autonomia e a serviço dos desejos masculinos –, a publicidade promove efeitos pedagógicos altamente negativos sobre as futuras gerações com peças publicitárias de grande apelo junto ao público jovem.

Espero que a pesquisa realizada pelo Data Popular contribua para pautar um debate consequente sobre a atual concepção do órgão de autorregulação da publicidade no país, o Conar, um espaço controlado por dirigentes de agências e emissoras de TV. Também acredito que os dados consistentes dessa pesquisa vão estimular o debate sobre regulação e um código de ética da publicidade brasileira.

Jacira Melo – diretora executiva do Instituto Patrícia Galvão. Tel.: (11) 3262.2452 / 3266.5434 / email: [email protected]

 

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