(Folha de S.Paulo, 28/06/2016) Conteúdos publicitários tradicionais não refletem a realidade das mães. Por isso, cada vez mais elas recorrem à internet para buscar produtos e informações sobre a criação de seus filhos.
É o que concluiu a pesquisa “Mães blogueiras: a publicidade em meios digitais” realizada pelo ESPM Media Lab. “A mãe sempre foi muito idealizada na publicidade. O público-alvo não se identifica, não é real” afirma Luciana Corrêa, 37, coordenadora do media lab.
Segundo a pesquisa, quase 60% das mães afirmaram que propagandas convencionais não refletem sua realidade —309 mães foram entrevistadas. Os pesquisadores também conversaram com cinco empresas anunciantes.
Gabriela Mignoni, 26, é mãe de Pedro, de 3 meses. Para ela, a imagem da “mãe perfeita” veiculada em propagandas acaba causando uma frustração entre as mães reais “de primeira viagem”.
“As campanhas estampam bebês perfeitos, gordinhos, saudáveis e mães maravilhosas, bem arrumadas e poderosas, que trabalham e cuidam dos filhos como ninguém”, diz. “A gente fica se perguntando por que não consegue, sabe?”
BLOGS
Segundo Corrêa, a falta de identificação das mães com outras formas de comunicação abriu espaço para o crescimento de blogs sobre o assunto. “Eles são mais próximos da realidade. Por isso fazem tanto sucesso. É uma conversa de mãe para mãe em uma linguagem informal.”
Segundo a pesquisa, 85,3% das mães buscam em blogs informações e dicas sobre a criação de seus filhos. Apenas 6,3% afirmam preferir ler revistas, e 8,3%, livros.
A carência de boas informações práticas sobre a maternidade foi o que fez as amigas Juliana Freire Silveira, 36, e Renata Pires, 36, criarem o Just Real Moms, que oferece dicas sobre o assunto. Hoje, a página tem mais de um milhão de visitantes únicos por mês.
Juliana conta que o retorno é positivo quando há uma identificação da leitora com a postagem. “Dou como exemplo meu post sobre amamentação, que fiz lá no início do blog. Há muita dúvida das mães em relação a isso. No começo dói, você tem que ficar disponível de três em três horas.”
Segundo Juliana, esses posts prestam serviço às mães. “Ajuda a tirar um pouco esse mito da maternidade idealizada.”
INFLUÊNCIA
A pesquisa concluiu que os blogs não são apenas fonte de informação. Eles têm grande peso na decisão de compra. De acordo com os dados, 62,4% das mães responderam que já compraram produtos utilizados por blogueiras, e 74% delas, que são influenciadas total ou parcialmente pelos anúncios e dicas dos sites.
É o caso de Annelise Gomes, 27. Grávida de 37 semanas, Annelise elaborou seu enxoval exclusivamente com produtos indicados em blogs. “Na minha família não tem bebês e das minhas amigas mais próximas eu sou a primeira a ter. Então os blogs me ajudaram muito.”
Por causa do apelo, as empresas têm buscado alinhar sua publicidade com esses novos meios. “O que a gente sempre pensa é: precisamos estar onde as pessoas estão. E as pessoas estão na internet, o tempo inteiro, pelo celular”, afirma Jairo Anderson, diretor-executivo de criação da agência VML.
A agência de publicidade elaborou a atual campanha da marca de fraldas Huggies, “Acontece na hora da troca”, com a participação da blogueira Luiza Diener, criadora do site Potencial Gestante. Os vídeos foram exibidos na TV, mas o foco da ação foi principalmente no meio digital. Os vídeos contando histórias inusitadas de pais trocando fraldas estão no canal da marca no YouTube.
TRANSPARÊNCIA
A mudança no foco publicitário requer alguns cuidados. “O conteúdo editorial e o publicitário muitas vezes se confundem na web”, diz Corrêa.
Segundo a pesquisa, 77% das leitoras dizem considerar importante que a publicidade seja sinalizada no blog. Apenas 20% afirmam que consideram que as blogueiras são muito transparentes em relação a posts publicitários.
O código do Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) proíbe a prática de propaganda não sinalizada, a chamada propaganda velada.
O documento, porém, é de 1978 e não especifica ou regulamenta conteúdos publicitários em novas mídias, como é o caso dos blogs.
Como a maioria dos blogs não é associada ao conselho, os sites não podem sofrer penalidades como a suspensão ou alteração do conteúdo.
Por isso, o órgão tem tratado casos de posts com propagandas veladas com simples advertências. Fica a critério de autor acatar ou não a sugestão dada.
Em 2014, cerca de mil consumidores enviaram e-mails ao Conar protestando contra a campanha do leite Milnutri, da Danone, por causa da propaganda sem identificação na revista Pais&Filhos e nos blogs Mães Brasileiras e Bicho Mãe, da blogueira Flávia Miranda. Os consumidores também reclamavam que as matérias veiculadas na revista e nos posts desestimulavam a amamentação, recomendada até os dois anos de idade pelo ministério da Saúde.
Miranda acatou a advertência do Conar e identificou a publicidade, além de incluir no texto um alerta sobre amamentação. Ela diz que desde a advertência o blog foi alterado para sempre sinalizar conteúdos pagos.
“Errei por falta de conhecimento. Comecei a escrever de forma despretensiosa. As marcas me procuravam para anunciar, e eu fazia os posts”. Hoje, o conteúdo pago é identificado com um banner que indica: “Este post foi patrocinado”.
Miranda diz que também publica marcas que enviam kits com produtos, sem o banner, na coluna “Testado e Aprovado”. Ela afirma que, assim que usa alguma cortesia, escreve suas impressões. “Só posto o que usaria.”
Para Corrêa, a falta de transparência também afeta as blogueiras, já que danifica a credibilidade do site, afastando o leitor. De acordo com ela, cada vez mais as autoras estão preocupadas com a sinalização do conteúdo publicitário.
Muitas vezes as próprias marcas têm receio de anunciar em blogs envolvidos em polêmicas por falta de transparência, diz Anderson. Segundo ele, a VML evita blogs que possam causar alguma repercussão negativa. “Precisamos ser inteligentes para se associar a blogs que são confiáveis, porque na internet todo mundo fala, todo mundo escuta. Temos que nos associar às pessoas certas.”
Luisa Leite
Acesse o PDF: Propagandas não refletem realidade das mães, indica pesquisa (Folha de S. Paulo, 28/06/2016)