(FNDC, 30/10/2014) PLIP da Mídia Democrática regulamenta dispositivos já previstos na Constituição Federal mas até hoje ignorados pelo Estado brasileiro
Emissoras de rádio e TV operam concessões públicas e, como tal, são passíveis de regulação, como os demais serviços operados por concessionárias privadas, como transporte público, telefonia etc. Essa regulação pode se dar tanto nos aspectos técnicos, econômicos e políticos quanto no conteúdo, sempre com o objetivo de democratizar o acesso aos meios de comunicação de massa, e é um dos pontos defendidos pelo Projeto de Lei de Iniciativa Popular (PLIP) da Mídia Democrática.
Lançado em maio de 2013 pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), o PLIP traz um capítulo inteiro (Capítulo 5) dedicado à regulação de conteúdo como forma de ampliar o acesso da população à mídia e contribuir com a regulamentação da Constituição Federal (CF), que prevê já regulação de conteúdo ao estabelecer, no Art. 221, que a produção e a programação das emissoras devem dar preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas, promover a cultura nacional e regional e estimular a produção independente, entre outros preceitos.
Sem a regulamentação desse dispositivo as emissoras acabam ficando livres para montar suas grades de programação da forma que melhor atenda aos seus próprios interesses, explica Bia Barbosa, coordenadora do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social e membro da executiva nacional do FNDC.
Seguindo a trilha da CF, o PLIP estabelece que as emissoras afiliadas a uma rede de televisão deverão ocupar, no mínimo, 30% de sua grade com produção cultural, artística e jornalística regional, entre sete da manhã e meia noite, sendo que pelo menos sete horas dessa programação devem ser inseridas no horário nobre. Para as emissoras com outorga local, a programação regional deve ocupar pelo menos 70% de sua grade.
O PLIP também contempla a programação produzida por produtoras nacionais independentes, que deverão ocupar no mínimo 10% do horário nobre. Essa medida, além de assegurar a inserção de questões locais na programação, também contribui para o fortalecimento dos mercados regionais, já que 50% do conteúdo independente deve ser realizado na própria área de mercado da emissora.
Com relação às emissoras de tevê nacionais, o PLIP busca assegurar que pelo menos 70% do tempo de programação seja ocupado com conteúdo nacional, sendo que pelo menos duas horas diárias sejam ocupadas por conteúdo jornalístico, nos termos da regulamentação. “Essa regulamentação, que será feita por meio de lei específica, deverá estipular limites de tempo e demais regras para veiculação de propaganda de partido político ou propagação de fé religiosa, primando pelo respeito aos princípios de pluralidade, diversidade e direitos humanos, assim com proibir qualquer tipo de manifestação de intolerância, nos termos da Constituição Federal”, complementa Bia Barbosa.
Direito de antena
Outro dispositivo previsto no PLIP é o direito de antena para grupos sociais relevantes, que é a reserva de um espaço na grande de programação das emissoras de rádio e TV para a veiculação de propaganda, tal como existe na Espanha, Portugal, Alemanha e Holanda, por exemplo.
O professor Venício Lima, autor de vários livros e artigos sobre temas relativos à democratização da comunicação, explica que atualmente o que mais se aproxima desse dispositivo, no Brasil, é a propaganda eleitoral, que assegura aos partidos políticos e veiculação de propaganda eleitoral gratuita mediante isenção fiscal para as emissoras como forma de compensação financeira. “Em Portugal, por exemplo, esse direito é garantido constitucionalmente não só a partidos políticos, mas também a organizações sindicais, profissionais e representativas das atividades econômicas e outras organizações sociais de âmbito nacional”, compara Venício.
Além da Constituição Federal, o Código Brasileiro de Telecomunicações também trata de regulação de conteúdo quando limita ao máximo de 25% do tempo de programação a quantidade de publicidade que pode ser veiculada por emissoras de televisão. Outra regulação de conteúdo em voga é a classificação indicativa.
Direito de resposta e promoção dos direitos da infância e juventude
A proposta de lei popular também resgata o direito de resposta de forma individual, coletiva ou difusa a todas as pessoas físicas e jurídicas, garantido espaço gratuito igual ao utilizado para a acusação ou ofensa. Os direitos das crianças e adolescentes também estão contemplados no PLIP, com a aplicação do sistema de classificação indicativa por faixas etárias e horárias de acordo com os fusos horários nacionais e a proibição da publicidade e conteúdo comercial dirigido a crianças de até 12 anos, entre outros.
Apesar da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) ter pedido ao Supremo Tribunal Federal (STF) o fim da classificação indicativa, alegando desrespeito à liberdade de expressão, o próprio relator especial da ONU para Liberdade de Expressão, Frank La Rue, já emitiu parecer afirmando que esses são direitos complementares e não podem ser tratados como antagônicos, lembra Bia. “Ou seja, a proteção da infância não fere a liberdade da expressão e, neste caso, o conteúdo também precisa ser regulado”.
Na Suécia, país de forte tradição democrática, a publicidade voltada para o público infantil foi abolida por meio de mecanismos de regulação de conteúdo. “No Brasil, ainda prevalece o argumento distorcido da proteção absoluta à liberdade de expressão, usado contra a recente resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), que definiu que é abusiva a publicidade voltada para crianças”, lembra Bia.
Sem regulação a mídia empobrece a opinião pública
A regulação de conteúdo não deve ser confundida com limites à divulgação de informações ou censura prévia, mas como estímulo ao pluralismo. Venício Lima ressalta que, nas sociedades contemporâneas, “a liberdade de expressão é apenas um direito subjetivo se não se garante a pessoas e grupos representativos da sociedade civil acesso ao debate público, que ainda é, em grande parte, agendado e controlado pelos grandes grupos de mídia”.
O professor ressalta que a Constituição Federal garante, no Art. 5°, IX, a liberdade de expressão intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença. Adiante, no inciso XIV, assegura a todos o acesso à informação e resguarda o sigilo da fonte quando necessário ao exercício profissional. Ou seja, relacionar regulação com censura é desconhecimento ou má fé deliberada.
Bia Barbosa afirma que a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) entende que há muitos motivos para que a regulação de conteúdo exista nos meios de comunicação de massa: promover a diversidade cultural; garantir proteção dos cidadãos contra material que incite ao ódio, à discriminação e ao crime, e contra a propaganda enganosa; proteger crianças e adolescentes de conteúdos nocivos ao seu desenvolvimento; proteger a cultura nacional, entre outros. “E a Unesco está muito longe de ser um organismo autoritário”, pondera.
PLIP já tem 100 mil assinaturas
O PLIP da Mídia Democrática precisa de pelo menos 1,4 milhão de assinaturas para ser protocolizado na Câmara dos Deputados. Até o momento, essa adesão vem sendo incentivada por entidades ligadas aos movimentos sociais, sindical, estudantil e seus militantes, parceiros e membros da campanha Para Expressar a Liberdade, nos vários espaços coletivos nos quais se inserem. De acordo com Rosane Bertotti, coordenadora-geral do FNDC, já há cerca de cem mil assinaturas coletadas entre eleitores de todo o país.
O FNDC e suas entidades filiadas e parceiras montam estrutura para colher assinaturas em favor do PLIP em várias ocasiões. Além desses eventos previamente divulgados, qualquer eleitor pode se mobilizar para contribuir com essa iniciativa. Basta imprimir o formulário disponível no site do FNDC e juntar as assinaturas de colegas de trabalho, escola, vizinhança ou quaisquer outros espaços coletivos.
Elizângela Araújo
Acesse no site de origem: Regulação de conteúdo busca garantir pluralidade na TV (FNDC, 30/10/2014)