(ConJur, 16/01/2015) O ano de 2014 entrou para a história do Direito na era da Internet. Não por ter refletido em mudanças efetivas percebidas pelos usuários da rede mundial, mas pela intensificação do debate referente às consequências que a tecnologia pode trazer aos cidadãos. Os efeitos positivos já eram conhecidos e propagados em todas as esferas (privadas e públicas), porém começaram a ser compreendidos os efeitos deletérios que o excesso de exposição causa à vida privada dos usuários.
No início do ano, a decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia no caso Google Spain vs AEPD, reconhecendo o direito do usuário de ser esquecido por mecanismos de busca na Internet quando esse expor seus dados pessoais ou informações que, por exemplo, já tenham atingido seu propósito inicial, foi, de fato, uma vitória e trouxe à baila o debate sobre como tais sistemas tratam os dados e passam a ter um controle efetivo sobre a vida das pessoas.
Logo depois, a aprovação do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/14), no Brasil, fez com que todos atinassem para a importância do tema, sendo a novel legislação referência em todo o mundo por trazer em seu texto direitos e garantias com enfoque na proteção ao usuário, a maioria relacionada à privacidade e liberdade de expressão.
Com base em seu texto, vimos decisões judiciais determinarem adequação de aplicativos (o Secret, por exemplo) por estarem infringindo o Marco e, ao contrário do que se poderia esperar, vimos as empresas responsáveis por tais aplicativos, ainda que não sediadas em território nacional, cumprirem e buscarem adequar seus termos de uso.
O Poder Judiciário começou a entender a relevância do tema e agiu com rigor. Embora tenha, em alguns casos, trocado os pés pelas mãos em relação aos aspectos tecnológicos, no cômputo geral o resultado foi positivo. Começamos a exigir com maior rigor o cumprimento das leis nacionais para tentar (digo tentar, pois se sabe que os limites da jurisdição ainda são obstáculos a serem enfrentados por acordos multilaterais) proteger o cidadão brasileiro de práticas que possam violar sua privacidade.
No apagar das luzes de 2014, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral ao Recurso Extraordinário interposto pelos irmãos de Aida Curi e analisará, pela primeira vez, a aplicação do direito ao esquecimento na esfera cível e, mormente, se esse é ou não aplicável às vítimas. Apesar do caso não ser diretamente relacionado à Internet, o fato é que o direito ao esquecimento está ligado diretamente com esta, sobretudo pela constante indexação das nossas vidas por mecanismos de busca.
Restam desafios a serem encarados. Precisamos avançar em relação à proteção de dados pessoais. Ao menos já há projeto de lei (PLS 181/2014) tramitando no Congresso Nacional, ainda que tardiamente, vez que o Brasil é um dos poucos países que ainda não regularam o tema, criando mecanismos de controle e proteção de tais informações.
Outro tema que também está sob o crivo do Congresso Nacional é a criminalização da divulgação de material com conteúdo íntimo na Internet (quando se trata de criança e adolescente o Estatuto da Criança e Adolescente já traz punição para esses casos), tema que deixou muitas mulheres com danos psicológicos quase irreversíveis, sem falar daquelas que chegaram a cometer suicídio por terem suas imagens íntimas divulgadas na grande rede, sobretudo pelo difundido aplicativo Whatsapp.
Finalmente, em 2015 será iniciado o debate para a regulamentação do Marco Civil. Dentre os tópicos que carecem de regulação, o princípio da neutralidade da rede, sem dúvida, será o combustível das discussões mais acaloradas. Precisamos estar atentos para que não desvirtuem na regulamentação a natureza do princípio, mantendo a internet livre e com tratamento igualitário para todos os players, permitindo a inovação e, sobretudo, a manutenção da liberdade de expressão, a qual se faz também pelo acesso livre à informação.
Foi um bom ano. Mas ainda há muito a se fazer. Vamos aguardar o decorrer de 2015 esperançosos para que continuemos avançando, no sentido de promover a proteção à privacidade e liberdade de expressão responsável na internet.
Rafael Maciel
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