Relatório mostra aumento da vigilância de governos sobre a internet

11 de dezembro, 2014

(O Globo, 11/12/2014) Em junho do ano passado, Edward Snowden, ex-analista da Agência de Segurança Nacional dos EUA, chocou o mundo ao revelar a extensão do programa de espionagem conduzido pela maior superpotência mundial. O escândalo poderia ter servido para que governos aprimorassem leis e técnicas a fim de aumentar a proteção dos seus cidadãos, mas não foi isso o que ocorreu. O relatório Web Index, divulgado hoje pela World Wide Web Foundation — instituição fundada pelo criador da web, Tim Berners-Lee —, mostra que, em 84% dos 86 países pesquisados, leis que previnam a vigilância em massa são fracas ou inexistentes. Em 2013 o vácuo legal se verificava em 63% das nações.

— A ONU aprovou resolução para prevenir o monitoramento em massa, mas não adiantou. Países como Holanda, África do Sul e Austrália fizeram o contrário e criaram leis permitindo a captura de dados em massa pelo governo, sem mandado judicial — diz Anne Jellema, diretora executiva da fundação. — Eles pensaram: se os EUA estão fazendo, devemos fazer o mesmo para não ficarmos para trás. Há uma corrida armamentista na web. A internet como conhecemos está cada vez mais ameaçada.

O Brasil está na vanguarda quando o assunto é liberdade na web. Segundo a diretora, o Marco Civil da Internet, aprovado este ano, garante que dados dos internautas só possam ser obtidos via processo judicial. Contudo, ressalta a especialista, há muito a ser feito, especialmente em relação à universalização do acesso.

— Nós temos grupos em diversos países trabalhando para inspirar os governos locais a seguirem processos similares ao do Marco Civil — ressalta Anne.

Apesar da legislação inspiradora, o país ocupa apenas a 33ª colocação geral entre os 86 países, atrás de Chile, Uruguai e Argentina entre os vizinhos da América do Sul. Em 2012, com a participação de 61 países, o Brasil ocupou a 17ª posição, e, no ano passado, com 81 países, ficou em 33ª. A lista é liderada por países nórdicos: Dinamarca, Finlândia e Noruega ocupam as três primeiras posições. Os EUA, que ocuparam a segunda colocação em 2012, caíram para o sexto lugar por causa das políticas de vigilância.

Segundo o estudo, a universalização do acesso é o ponto fraco do Brasil. Essa nota é composta por uma série de variáveis, como porcentagem da população que acessa a rede, qualidade da infraestrutura de conexão e custo dos pacotes. No quesito, o país fica quase dez pontos abaixo de Chile, Uruguai e Argentina.

— Se olharmos os dados históricos, vemos uma rápida evolução no acesso à internet no país, mas ele é concentrado nos médios e grandes centros urbanos — afirma Rodrigo Baggio, presidente da ONG Comitê para a Democratização da Informática. — Nós temos 51% da população conectados, mas e os outros 49%? É a telefonia celular que vai acelerar isso.

NEUTRALIDADE DA REDE EM RISCO

A diretora da World Wide Web Foundation concorda e também cita iniciativas de grandes companhias, como Google e Facebook, que estão desenvolvendo projetos para universalização da internet com o uso de drones e balões. O risco, ressalta Anne, é que essas empresas queiram restringir o acesso a determinados serviços, o que ameaçaria a neutralidade da rede.

O tema, aliás, é outra grande preocupação para os defensores da liberdade na web. O princípio que proíbe a discriminação de pacotes de dados que circulam na rede está em discussão na Comissão Federal de Comunicações dos EUA (FCC, na sigla em inglês). Por um lado, a pressão vem das operadoras, que defendem o direito de cobrar mais por serviços que demandem maior largura banda, como os vídeos on-line. Por outro, produtores de conteúdo e ativistas afirmam que a distinção do tráfego pode emperrar a inovação, pois empresas pequenas não teriam poder econômico para disputar com grandes corporações.

Segundo o relatório, “regimes regulatórios robustos que protejam a neutralidade da rede são exceção, não a regra”. Apenas três países (Chile, Israel e Holanda) têm legislações claras nesse sentido. O Marco Civil defende o princípio, mas sua aplicação ainda precisa ser regulada. Dos 86 países analisados, 74% não dispõem de leis que defendam a neutralidade e/ou mostram evidências de violação do princípio.

— Existe muita discriminação de tráfego, mas nós conseguimos atrair o interesse público dos internautas, que já perceberam que a disputa não é por um mero aspecto técnico, mas por uma mudança profunda na rede — diz Anne.

Sérgio Matsuura

Acesse no site de origem: Relatório mostra aumento da vigilância de governos sobre a internet (O Globo, 11/12/2014)

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